Porque eu continuarei indo às Ruas

Por Sally Satler. 

Durante alguns dias, após o primeiro protesto realizado em Blumenau, eu me calei. Naquele protesto – 20/06 –, enquanto alguns gritavam frases de efeito sem sentido e ofensivas, ou cantando o hino nacional, eu silenciei. Daquela massa, também ouvi muitos gritos fascistas, encharcados de preconceito.

Arrepiava-me de horror e medo cada vez que ouvia o hino nacional. Medo dos significados implícitos naquele cantar catártico e nada reflexivo, que pode reforçar ainda mais as hipocrisias e os fascismos cotidianos, dos que pregam a não violência e igualdade de gênero, mas só até o momento em que o seu vil metal possa estar ameaçado por pessoas que eles chamam de ‘desordeiros’. Pessoas ‘pacíficas’ que não titubeiam em chamar uma moça de vagabunda, na primeira manifestação que ameace um cenário-cidade e tudo o que representa: ordeira, mas preconceituosa, muito longe da cidade que alguns ainda desejam ver e sentir: dinâmica, inclusiva, participativa e crítica.

 tapete negro

Foto: Reprodução

Mas me manifestei no momento que achava que o que se reivindicava era relevante e com proposições que podem significar mudanças, especialmente para Blumenau. Também entoei e iniciei alguns dos gritos-proposições, ali presos na garganta há muito tempo.

O grupo em que eu estava – pois não éramos multidão, mas sim pequenos grupos aglomerados – também bradou contra a homofobia felicianista, pedindo que a Câmara dos Deputados não aprove o decreto legislativo que autoriza a cura de gays. Bradou contra os vereadores cassados em primeira instância no Judiciário, mas que continuam lá na Câmara de Vereadores, que não deflagra uma CPI; a favor do passe livre, porque mobilidade urbana é urgente sim e transporte coletivo gratuito reduzirá drasticamente os gastos com milionárias e infindáveis pontes e viadutos, o número de carros, e diminuirá esse trânsito caótico, porque acreditem ou não, todos nós somos o trânsito. Bradamos pelo nosso corpo livre, do poder estatal e de convicções religiosas dos outros.

Assusta ver o fascismo juvenil, velhas e encarquilhadas ideias, desmandos e autoritarismos em rostos tão jovens! Mas esse fascismo, além de ter sido construído pela mídia de massa, também tem sua grande parcela de culpa numa política governamental desenvolvimentista e voltada ao consumo e à competição, que incentiva a satisfação no frágil acúmulo de supérfluos bens e deixa de lado a cultura e a educação, responsáveis pela construção do ‘ser’ e do ‘saber’. Assusta ver o Racismo de Estado que passa com seus tratores, garimpos e hidrelétricas sobre os índios, acuados e deixados a morrer, sob o olhar cúmplice de todos os telespectadores. É triste ver a história que se repete no higienismo das cidades que sediarão a Copa, que expulsam os moradores pobres, vítimas da ausência de uma política urbana e social. Culpa de todos nós! Pagamos e pagaremos o preço, por tantos fascismos e fascistas, brotando e florescendo.

Mas o que fazer? Se, de assalto, os fascistas tomaram às ruas que tanto desprezavam e querem nos fazer acreditar que não temos mais direito a elas?

Diante desse embate, os libertários que tanto lutam e lutaram contra os fascismos, não podem recuar. Aqueles que prezam pela democracia e reivindicam uma reforma política. Os que querem uma cidade mais humanizada e menos motorizada. Os que não se conformam com os desmandos na nossa cidade, que em sua Câmara legislam três vereadores cassados em primeira instância, que tem um suplente de vereador que hoje trabalha no Gabinete do Dep. Jean Kuhmann e com um ex-prefeito acusado de corrupção agora presidindo o BADESC. Precisamos estudar mais e discutir mais política! É a primeira vez que vejo nosso País preocupar-se mais com reforma política do que com jogo do Brasil, isso em plena Copa das Confederações. Precisamos também nos reunir, pois é preciso avançar para além da marcha catártica nas ruas. Precisamos pensar e planejar essa rua-cidade que se mostra querendo mudar.

 porque eu continuarei indo para as ruas - protesto-sp-

Foto: Reprodução

Por isso, esse momento é relevante estar nas ruas sim, mas com pautas bem pensadas e refletidas, e ainda que encontremos lá os fascistas de plantão, nossos gritos terão que ser mais fortes.

Mas não bastará levar e levantar bandeiras, para depois enrolá-las e deixá-las atrás da porta ou do guardarroupa de casa. É preciso agir continuamente. Se você quer mudanças, seja você também a mudança, impulsionando e participando dela. Envolva-se com movimentos e entidades voltadas às lutas que você bradou na rua e que visam uma cidade melhor para todos (e não pequenas reivindicações individualistas). Senão, o protesto nas ruas será só mais um daqueles desfiles de Oktoberfest, cuja fantasia e alegoria envelhecerão, esquecidas num canto da casa e da alma.

* Sally Satler é advogada e procuradora municipal. Esse texto foi publicado originalmente no Portal Blumenews, de Blumenau, onde a autora é colunista. Seu blog: http://www.sallysatler.blogspot.com.br/

 

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