Por uma vida sem catracas e sem machismo

Por Flora Lorena*.

Toda vez que viajo para algum lugar procuro andar nos transportes públicos da cidade que estou visitando. Em geral acho todos os sistemas de transporte melhores que o que uso diariamente. Para quem não conhece Floripa a nossa condição é de eminente calamidade. Uma pesquisa indicou que temos a pior mobilidade urbana do país!! Além disso as lutas relacionadas ao transporte são muito vivas nos movimentos sociais da cidade. Gosto de andar no transporte público coletivo pois conhecer uma cidade por meio dele pode favorecer uma visão menos turística da cidade, além de ser mais econômico e saudável, já que ficar andando de táxi é caro demais, e alugar um carro numa cidade que você desconhece o trânsito é arriscado demais.

Em uma viagem ao Rio de Janeiro, andando no sistema de metro de lá, um fato me chamou a atenção. Nos trens do Rio existem vagões exclusivos para mulheres. Estes vagões começaram a circular em 2006, ano em que a lei estadual que os criava foi aprovada. Os vagões são sinalizados com uma faixa rosa, e são de uso exclusivo das mulheres nos horários de pico, entre 6h e 9h, e entre 17h e 20h.

A existência destes vagões exclusivos para mulheres fez com que duas lutas que acho fundamentais passassem a dialogar. A luta contra o machismo e a luta contra as catracas.

A luta contra o machismo é mais antiga, mais difundida, mais discutida, e talvez até mais compreendida. A luta contra as catracas é a luta pelo direito à cidade. Cabe esclarecer que o Movimento Passe Livre utiliza a imagem da catraca como o simbolo daquilo que impede o acesso pleno à cidade, podemos dizer que a tarifa é uma catraca, a falta de horários é outra catraca, as linhas que não integram a cidade outra… Por isso dizemos que a luta contra a catraca é a luta para que o transporte público seja de fato público, para que ele seja para todas e todos. É a luta para que todas e todos possam ter acesso ao transporte, possam se deslocar pela cidade em que vivem, possam fazer parte desta cidade.

No entanto, mesmo que as catracas acabem, as mulheres só poderão de fato ter livre acesso às cidades se o machismo também acabar. De que adianta uma mulher ter a possibilidade material de ir para todos os lugares, se ainda paira no imaginário masculino que uma mulher que anda pela noite não merece ser respeitada, que “uma boa mulher não fica andando por ai sozinha”. Por isso acredito que a luta feminista é tão importante para o exercício do direito à cidade quanto a luta contra as catracas.

Retornando ao assunto dos vagões exclusivos, a criação dos mesmos faz com que algumas questões sejam levantadas. Esses vagões demonstram que há alguma preocupação com as mulheres na formulação das políticas públicas que envolvem o transporte coletivo. No entanto essa preocupação aponta que ainda é necessário separar os homens das mulheres em algumas situações. Essa necessidade de separação demostra que alguns deles não conseguem conviver de forma igual conosco, e se sentem no direito de exercer algum tipo de violência contra nós. A necessidade desses vagões nos faz pensar “a que ponto chegamos????” ou “a que ponto ainda estamos???”. O fato das mulheres precisarem ser transportadas em locais diferentes dos homens, para que possamos ter a nossa integridade física e psicologia mantida, não parece uma realidade avançada o suficiente para o século XXI.

Pelo que li em algumas reportagens, a criação desse vagão exclusivo foi necessário pois muitas mulheres sofriam assédio sexual dentro dos trens, principalmente quando estes estavam superlotados nos horários de pico. Este fato, das mulheres precisarem estar separadas fisicamente dos homens, é apenas mais um elemento para aqueles que apontam que o machismo não existe repensarem sobre suas convicções. Se de fato o machismo não existisse homens e mulheres poderiam conviver em um mesmo vagão sem existir a possibilidade de violência contra nós.

Fica claro que para que as mulheres possam ter de fato acesso às cidades é necessário que a luta contra a catraca avance, também combatendo o machismo. Acredito que a luta “Por uma vida sem catracas” deva incluir a luta “Por uma vida sem machismo”. Assim como acredito que a luta feminista deva se pautar para além dos vagões exclusivos, apesar deles serem necessários no contexto atual. Nossa luta é para que um dia esses vagões se tornem obsoletos, assim como as catracas.

Obs.: Cabe esclarecer que não possuímos nenhuma relação política com as ditas “Feministas Contra o Aumento”, discordamos completamente das ações e concepção de feminismo das mesmas.

*DO MPL-Floripa.

Texto publicado em www.acanhota.wordpress.com e http://mplfloripa.wordpress.com/

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.