Por que o governo odeia cultura?

Por Fábio Brügemann.

Já fiz esta mesma pergunta antes aqui mesmo neste espaço, mas para que o leitor compreenda o motivo da repetição e da indignação dos produtores, artistas e intelectuais catarinenses em relação às políticas públicas para a área da cultura, principalmente por conta da publicação do novo decreto que rege o famigerado SEITEC (Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, Esporte e Turismo), faço um aqui breve relato histórico dos últimos quinze anos de reflexões, debates, encontros, passeatas, redação e entrega de documentos aos governadores, e o quanto tudo isso deu em nada. E, dando, em nada, resta a pergunta nunca respondida por este e pelo governo anterior: Por que vocês odeiam tanto os produtores culturais e, consequentemente, a cultura?
         Há quinze anos, cineastas, escritores, produtores, dançarinos, atores e diretores de teatro, músicos e outros intelectuais se reúnem para propor políticas públicas decentes para os governos. A primeira manifestação foi uma passeata do Centro Histórico da Ilha até a Assembleia Legislativa, contra o decreto do ex-governador Luiz Henrique da Silveira, que propunha em uma única tacada, entre outras barbaridades, acabar com a Fundação Catarinense de Cultura, a Biblioteca Pública do Estado e os editais de apoio à cultura conquistados anteriormente pela categoria.
       A união dos trabalhadores da cultura proporcionou, além de intenso debate sobre as reais necessidades para se fazer cultura na Santa e Brega Catarina, o cancelamento do decreto e sua transformação em algo menos dolorido para a categoria. Um dos principais resultados dos debates foi a reflexão de que fazer arte e cultura é função do povo, jamais do governo. Portanto, a política pública deveria ser de Estado (sempre regida por legislação específica) e nunca de governo, porque, historicamente, todas as ações governamentais para a área são tendenciosas e de cunho fascista.
     Os manifestantes criaram uma extensa exposição de motivos propondo uma legislação neste sentido. Porém, o governador fez ouvidos moucos, de olho na enorme soma de recursos vindas dos fundos, para projetos de seu próprio gosto, como o Balé Bolshoi, Folclore da Polônia, teatro para a Vera Fischer e outras importações extemporâneas e de gosto duvidoso. O grupo, heterogêneo, e de várias áreas da produção cultural, solicitou durante oito anos audiência com o governador. Adivinha se ele atendeu uma única vez.
     Com a posse de Raimundo Colombo a situação piorou, porque as reivindicações da categoria continuavam sendo ignoradas, a ponto da criação, por parte dos artistas, dos movimentos Novembrada Cultural e Ocupa CIC, quando os manifestantes ficaram acampados no Centro Integrado de Cultura solicitando mudanças urgentes, e mais respeito a quem faz arte. Mas nada disso adiantou. Nem mesmo a proposta do Ministério da Cultura, para que o Estado se adequasse às regras federais para poder obter financiamento federal, foi ouvida. Nem mesmo as extensivas reuniões públicas, para se criar um Sistema Estadual de Cultura, foram suficientes, talvez porque todas as sugestões do público eram favoráveis a uma política de Estado, contrária, obviamente, aos interesses do governo, que vê nas verbas do fundo um uso apenas a seu favor, promovendo corridas de Kart, desfiles de moda e outras ações contrárias às mais modernas legislações que regem o setor nos países mais avançados e até mesmo em Estados mais pobres da Federação, como Pernambuco, cujo edital de cinema é de 9 milhões de reais ao ano, formando um dos polos mais importantes de cinema do Brasil.
ALÉM DO MAIS O FAMIGERADO DECRETO
     Pois o decreto aprovado em 13 de dezembro do ano passado, período em que a maioria já está cansada do ano, não só foi redigido sem a participação dos maiores interessados, como mantém duas das questões mais criticadas por parte daqueles que fazem arte em Santa Catarina: 1) o Comitê Gestor, composto por apenas três membros que podem aprovar ou desaprovar projetos previamente aprovados ou desaprovados pelo Conselho Estadual de Cultura, sendo dois membros do próprio governo, e 2) a manutenção de uma Secretaria composta por três áreas completamente desconexas: cultura, esporte e turismo, com um secretário que tem que pensar e debater com três grupos de interesses igualmente desconexos e, obviamente, a cultura é a que mais sofre, sempre, principalmente porque provoca reflexões importantes.
     Fora isso, o governo também não perguntou à classe sobre a competência técnica ou mesmo sobre o conhecimento específico que o novo secretário da pasta extemporânea e tripartite, empossado recentemente, o político Beto Martins, tem sobre a reivindicação histórica da categoria. No balanço geral, os governos citados deixaram de lançar três editais de cinema, contrariando descaradamente a legislação que os rege, dois editais gerais, o chamado equivocadamente de Elizabete Anderle, várias edições do Salão Vitor Meireles, outras várias do Prêmio Cruz e Sousa, sem contar que não paga, também exigência legal e contratual, os ganhadores de vários editais de cinema.
    Também não podemos, é claro, pensar que inexistem produtores e artistas que lucram com isso. E estes sempre fazem o papel de amigo do secretário, recebem as verbas mais polpudas, principalmente se for evento, filme, livro ou peça de teatro que não incomode ninguém e que não promova uma profunda e necessária revolução cultural em um dos estados mais caretas do País, este em que vivemos.

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