Por que o Estado espanhol é um estado fascista?

Foto_-_La_MoncloaPor Javi Sánchez.

Os países democrático-burgueses também podem ter algum dessas características, mas somente o Estado espanhol tem todas ao mesmo tempo:

1. O Estado Espanhol carece de Constituição, pois durante a transição não houve um período constituinte. Jamais foram convocadas eleições para uma assembléia constituinte. A Constituição é nula e segundo a doutrina jurídica do “fruto da árvore envenenada”, tudo o que deriva de um ato nulo é igualmente nulo. A única legitimidade do Estado atual deriva da sua vitória na guerra civil.

2. A legislação fascista (repressiva e não repressiva) nunca foi derrogada. O Estado atual nunca se desligou do anterior, a jurisprudência que continua invocando hoje como argumento ante os tribunais é a que procede dos juízes franquistas. Os cargos dirigentes da estrutura judiciária foram preenchidos pelos setores mais racionários do fascismo, como a Opus Dei.

3. A Constituição não reconhece e impede de reconhecer o direito a autodeterminação das nações, o qual é um direito democrático cujo exercício no Estado espanhol se configurou no ano de 2003 como um delito.

4. A transição jamais exigiu responsabilidades políticas pelos crimes fascistas, eles jamais foram depurados diante do Estado. Os fascistas continuaram ocupando seus cargos e, inclusive, ascenderam, receberam prêmios e condecorações.

5. Os democratas, as vítimas do fascismo e os que sofreram represálias pelo terrorismo de Estado nunca foram reconhecidas e reabilitadas. Simplesmente, continuam sendo considerados como ‘bandidos’ e ‘terroristas’.

6. A ‘Transición’ foi um banho de sangue: o regime assassinou 600 antifascistas de diversas organizações e a muitos outros que não pertenciam a nenhuma organização.

7. Os detidos políticos chegam a dezenas de milhares. Os períodos de detenção eram de dez dias e a maioria deles foram brutalmente torturados. Detiveram os antifascistas, os seus familiares, amigos, companheiros de trabalho, vizinhos e os advogados que os defendiam.

8. A ‘Transición’ foi realizada em meio ao pânico a um golpe de Estado militar que fizesse voltar a situação do período do pós-guerra se a massa continuasse protestando: “ou aceitam ou voltamos atrás”. Vale lembrar alguns fatos como a chamada ‘Operación Galáxia’ (plano golpista de 1978), o ‘Golpe de Tejero’ (tentativa de golpe realizada em 23 de fevereiro de 1981, quando a Guarda Civil espanhola, liderada pelo tenente-coronel Antonio Tejero, entra armada no Congresso dos Deputados) e as múltiplas declarações intimidantes dos chefes militares.

9. O Estado fascista criou, financiou e protegeu as organizações para-policiais como o Batallón Vasco Español, os Guerrilleros de Cristo Rey, a Triple A, os GAL, entre outras, que atuaram impunes durante anos, assassinando e intimidando a massa.

10. No Estado espanhol a suspensão das garantias constitucionais é geral e permanente, segundo o artigo 55 da Constituição, o qual supõe que não existe o direito à liberdade, nem o direito à intimidade, nem à presença de um advogado durante o período de detenção. A Transición foi realizada sob um estado de exceção e o império da legislação chamada antiterrorista.

11. Durante a Transición os partidos políticos não foram legalizados, mas sim tiveram que ser um pouco “Maria vai com as outras” naquele momento político. Até mesmo partidos que hoje são legais, como a ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) e outros, como o PCE (m-l) ou o carlista. Nem legalizaram as associações de familiáres de presos políticos. Hoje vigora a Lei de Partidos, e alguns partidos legais têm sido ilegalizados enquanto outros nunca foram legalizados, como o PCE(r)

12. O Estado espanhol é o Estado com o maior número de pessoas desaparecidas no mundo. No período de pós-guerra foram contados mais de 100.000 casos. Os mais recentes procedem da ‘Transición’: são os casos de Eduardo Moreno Bergaretxe, o “Pertur”, ex-dirigente da organização ETA que desapareceu em julho de 1976 na França; José Miguel Etxeberria, o “Naparra”, desapareceu em 11 de junho de 1980 no País Basco Norte, e Jean Louis Larre, o “Popo Larre”, quem desapareceu em 1983 depois de um tiroteio com policiais franceses no País Basco Norte. Além desses nomes existem inúmeros mais, muitos dos quais continuam pendentes, como o de Santiago Corella, “El Nani” (desaparecido em 1983).

13. O desaparecimento é um crime de lesa humanidade que não prescreve nunca, porém, em 76 anos, no Estado espanhol não foi julgado nem um só caso desses. Ante essa impunidade, são os juízes argentinos os que estão investigando os delitos cometidos pelo franquismo.

14. Crianças recém-nascidas de pessoas humildes foram seqüestradas, com a intervenção da igreja católica, desde o final da guerra para serem adotadas pelos fascistas, militares e oligarcas e a impunidade é total: não existiu investigação, nem julgamento, nem houve condenados. As famílias não sabem onde estão seus filhos e os filhos não sabem quem são seus verdadeiros pais.

15. O direito a fazer greve se converte em um delito de sedição na Lei fascista de Mobilização Nacional de 1970, que continua vigente e que por decreto do governo permite converter aos obreiros em soldados submetidos à disciplina dos tribunais militares.

16. Não existe liberdade de expressão, mas sim diversos delitos, como o de apologia ao terrorismo, que conduz a uma estrita censura dos artigos dos meios de comunicação, assim como das letras de músicas.

17. Há duas instituições especialmente intocáveis: a monarquia e o exército, os quais acabam sendo o mesmo. Os juízes consideram como um delito fazer críticas ao rei (delito de injúria), pelo qual muitos jornalistas e outras pessoas que não o eram foram condenadas. Em 2009, houve o caso de José Antonio Barroso Toledo, prefeito de Puerto Real, condenado por fazer declarações contra a monarquia num ato comemorativo do aniversário da II República. Também um grupo musical, Ardor de estómago, foi condenado por delitos contra a ‘coroa’. E, como se não bastasse, os juízes também consideram um delito queimar as fotos do rei, demonstrando os zelos e a imunidade que desfruta a monarquia no Estado espanhol.

18. Durante a transição, foram sistematicamente perseguidos, denunciados, julgados e condenados todos os jornais e jornalistas progressistas que fizeram algum tipo de denuncia da continuidade do fascismo e dos seus crimes. O último deles foi Alfredo Grimaldos, condenado em 2009 pelo Tribunal Supremo pelo seu livro ‘La sombra de Franco en la Transición’.

19. O fechamento de determinados jornais, como o Egunkaria, foi um autêntico crime de Estado, pois era o único no mundo escrito em uma língua tão característica como o basco, a qual tinha que haver sido um objeto de especial reverência em um país democrático.

20. Na década de oitenta foram fechados quase todos os rádios livres.

21. Foram confiscados e fechados jornais e revistas como Hermano Lobo, Triunfo, Egin, El Jueves, Crash, Áreas Críticas (dirigida por Alfredo Grimaldos) e muitas outras.

22. Clausularam vários blogs e páginas web, das quais a mais conhecida é Antorcha, fechada em 2008, ano em que também fecharam El Jueves. Muitas outras, com medo, decidiram fechar trás a aprovação da ‘Lei Sinde’ (lei que regula as descargas de conteúdos com copyright na internet), em um exercício de autocensura que afetou uma de cada dez das páginas de enlaces.

23. Foram censurados e proibidos shows de música, discos e alguns grupos musicais, como Soziedad Alkoholica, foram vetados. Em 2007, Rivas Leyva, cantor de hip-hop do grupo Poetas de La Calle (Poetas da Rua) foi condenado por causa da letra de uma de suas canções que criticava ao rei e a Guarda Civil. Também foram detidos pela Audiencia Nacional os rapers Pablo Hasél e Marc Falcó.

24. Os delegados do governo proíbem quase 300 manifestações por ano, que sempre se referem aos mesmos assuntos, ou seja, a censura marca em cima sistematicamente sobre determinadas protestos, como as manifestações ateias durante a Semana Santa. As multas nas manifestações dispararam nos últimos anos como meio intimidante não só para os que as convocam, mas também para os que acodem a elas.

25. O direito à intimidade desapareceu, a vigilância policial da correspondência, do telefone e dos correios eletrônicos é total, absoluto e sem nenhuma classe de controle judicial.

26. Já não existem processos judiciais de extradição, mas entregas automáticas de uma polícia a outra (ordens européias de detenção) e o direito ao asilo político desapareceu (salvo quando se trata de alguém de nacionalidade cubana ou similares).

27. A Igreja Católica ainda não foi separada do Estado e se converteu num negócio espiritual livre de impostos: o Estado a financia através do ensino concertado, na qual os bispos dispõem de permissões públicas, como os serviços de cartório, que utilizam para se apoderarem de terras e fazendas que não pertencem a eles.

Fonte: Diário Liberdade.

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