Por que não devemos dialogar com fascistas?

Permitir a apologia ao crime é compactuar com ele. Debater com simpatizantes e militantes dessas pautas é auxiliar na sua propaganda

Foto: História do Fascismo de Mussolini na Itália/Captura de tela

Por Leonel Radde.

O fascismo é um movimento que surgiu na década de 1920, tendo como maiores expoentes os ditadores Mussolini, Salazar, Franco e Hitler. Existem diversas variações na sua definição, mas o filósofo e escritor Umberto Eco nos traz algumas características comuns em todas as suas manifestações ao longo da história.

O culto da tradição, o rechaço do modernismo, culto da ação pela ação, rechaço ao pensamento crítico, medo ao diferente, apelo às classes médias frustradas, nacionalismo e xenofobia, inveja e medo do “inimigo”, princípio de guerra permanente, heroísmo e culto à morte, transferência da vontade de poder a questões sexuais onde o machismo impera, populismo qualitativo atacando a política vigente, novilíngua buscando eliminar o senso crítico. Ainda temos o anticomunismo, a utilização da religião como forma de dominação, o militarismo, o desprezo pelos intelectuais, artistas e pelos Direitos Humanos, a adoração a um mito que está acima dos reles mortais e deve ter a palavra final sobre o destino de todos, sendo essa uma das características do totalitarismo.Parece óbvio que o Brasil vive exatamente essa realidade através do governo que se instalou a partir do ano de 2019, que ataca grupos vulneráveis, que busca impor sua visão de mundo através do expurgo dos pensamentos divergentes, que persegue acadêmicos e que se enquadra perfeitamente nas características dos regimes fascistas.

Não por acaso os feminicídios explodiram no ano de 2019, assim como os homicídios de lideranças indígenas e de movimentos sociais assim como os casos de intolerância, que tiveram seu ápice com o ataque terrorista à produtora do Porta dos Fundos. Existe o ressurgimento de diversos movimentos ultraconservadores como o Integralismo, a TFP, o treinamento paramilitar de jovens em supostos cursos preparatórios para a carreira militar, a utilização de frases tipicamente fascistas como “tradição, família e propriedade”, “Brasil acima de tudo”, entre tantos outros sinais de alerta.

Apesar de desinformados ou mal-intencionados considerarem o fascismo e sua variante, o nazismo, como movimentos pertencentes ao campo da esquerda, está claro que este é um movimento pertencente à extrema direita e que se repete ao longo da história, como bem disse o dramaturgo Bertolt Brecht: a cadela do fascismo está sempre no cio.

Uma indagação realizada pela extrema direita brasileira é de que se o nazismo é considerado crime no Brasil, por que o comunismo não deve ser considerado da mesma forma? Afinal, ambas teorias teriam executado milhões de pessoas ao redor do globo. Essa tentativa de reescrever a história é mais um ato tipicamente fascista, buscando relativizar os horrores praticados, e a resposta é extremamente simples, pois no cerne do nazismo e da sua teorização consta a eliminação física de determinados grupos étnicos e sociais, enquanto o comunismo é puramente uma doutrina econômica e sociológica, que nada fala sobre execuções ou eugenia.

Mas afinal, devemos participar de debates com membros de grupos que nitidamente são fascistas, mesmo que não declarem isso abertamente? Devemos debater com militantes neonazistas ou com defensores da tortura e da instalação da ditadura militar? A resposta é: não.

Alguns alegarão o direito à liberdade de expressão e a importância da diversidade dentro da democracia, porém, não há a possibilidade de aceitar que pessoas propaguem ideias criminosas e de eliminação dos diferentes protegidas pelo manto do debate amplo e irrestrito.

Nesse sentido, os meios de comunicação, na sua grande maioria, têm falhado de forma grosseira ao relativizar crimes graves como os de apologia ao nazismo e a defesa da quebra do regime democrático.

A apologia à ditadura militar já é crime no Brasil, tipificado na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.171/83), na Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/50) e no Código Penal, no seu artigo 287. O delito de apologia ao nazismo está presente na Lei Antirracismo (Lei 7.716/89), conhecida como Lei Caó, no seu artigo 20, parágrafos primeiro e segundo, assim como o crime de tortura, tipificado na Lei 9.455/97.

Mesmo assim, essas ideias seguem sendo propagadas sem qualquer tipo de pudor ou de controle por parte dos órgãos responsáveis, ou dos meios de comunicação. Permitir a apologia ao crime é compactuar com ele. Debater com simpatizantes e militantes dessas pautas é auxiliar na sua propaganda. É como reconhecer a legitimidade dos argumentos criminosos defendidos por criminosos.

Tecnicamente, não há diferença entre debater com um estuprador e pedófilo ou com um apoiador do nazismo ou da tortura. Seria como aceitar a defesa da execução de crimes e a sua normalização no interior da sociedade. Relativizar o nazismo, o holocausto ou a tortura é o mesmo que relativizar o estupro de crianças. Todos são crimes abjetos. Dessa forma, esse é um debate que está muito além das visões de mundo que dividem os campos da esquerda e da direita política, é um debate da civilização contra a barbárie.

Não podemos aceitar a tentativa de normalização de questões que não são saudáveis, não são aceitáveis e não fazem parte da construção de uma sociedade plural e desenvolvida. A defesa de crimes não está acima da liberdade de expressão que deve urgentemente ser sopesada frente ao avanço da propaganda da extrema direita intolerante que arrebata o mundo nos últimos anos.

O ovo já foi chocado, só temos que saber o tamanho que terá a sua serpente quando, e se chegar, ao seu estágio adulto e quantas pessoas terão que sucumbir para arrancar a sua cabeça. Sejamos intolerantes com os intolerantes para que possamos divergir de forma democrática.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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