Por que Cuba continua sendo tão importante?

Por Marco Damiani.

A partir da maior ilha do Caribe, cercada de capitalismo por todos os lados, o comandante Fidel Castro ainda parece estar, aos olhos de muitos, de boina militar, grossos óculos de grau e metralhadora em punho. No auge da forma, ao lado de Guevara e Cienfuegos. Afinal, continua a maior potência econômica da terra a querer derrubá-lo. É assim desde a imposição pelos Estados Unidos, em 1958, às vésperas da vitória da revolução popular, do boicote econômico. Obra do presidente republicano (e general) Dwight Eisenhower, ampliada pelos democratas John Kennedy e Bill Clinton, mantida sem cerimônia por Barack Obama. Lá se vão 54 anos jogando contra.

Agora, a estratégia econômica de cerco a Cuba é acrescida de uma jovem face política. Sob os auspícios da Sociedade Interamericana de Imprensa, entidade fundada em Washington D.C., em 1926, com sede permanente na Flórida, em Miami, e cuja próxima assembléia geral está marcada para Denver, no Colorado, a blogueira Yoani Sánchez começou pelo Brasil uma viagem a nove outros países. Tem um recado na ponta da língua: quer democracia para Cuba.

A que tipo de democracia ela se refere não fica bem claro. Seria, por exemplo, o regime que os americanos implantaram no Iraque, com George W. Bush e Barack Obama? Ou, antes, na década de 1980, naquela que resultou da invasão a outra ilha caribenha, Granada, sob os mariners de Ronald Regan? Talvez a democracia que vigore na vizinha Jamaica, que ostenta na capital Kingston a considerada maior favela do mundo, Trenchtown? Ou a democracia como a monitorada no Líbano, onde qualquer um pode vencer as eleições sem protestos, à exceção do Hizbollah, preferido da maioria? A democracia imposta à Palestina? Quem sabe democracias como as existentes nos países africanos, entregues à própria sorte?

Não. O modelo democrático ideal da blogueira parece ser mesmo o dos Estados Unidos, onde qualquer um que junte mais de US$ 100 milhões tem alguma chance de se eleger presidente.

Cuba é, sem dúvida, o país do globo que mais sofre interferência em seus assuntos internos. Todos falam da ilha, de seu regime, de seus líderes. E por que? Porque trata-se, ainda agora e uma vez mais após a revolução de 1º de janeiro de 1959, de uma referência para o igualitarismo. Tome-se, como critério de verificação, o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, cujos critérios de avaliação são feitos pela ONU. No último ranking divulgado, de 2011, a ilha socialista, boicotada economicamente e desdenhada politicamente, aparece na 51ª posição, com IDH considerado “alto”. À frente das badaladas Bahamas (53), do privilegiado, pelos EUA, México (57), das aqui citadas ilhas Granada (67) e Jamaica (79). Sim, também a frente do Brasil (84). A lista tem a Noruega e a Austrália no topo. Muita gente a aceita como o padrão mais moderno de medição de situação social das populações nacionais – mas com Cuba, é claro, é diferente. Sempre junto a seus resultados surgem as críticas ao regime político.

Em que pesem os EUA, a SIP e sua darling Yoani, Cuba segue na berlinda porque mantém-se de importância referencial. Com seus defeitos sempre ressaltados e qualidades quase nunca apontadas, a ilha ainda galvaniza também os sentimentos do que apostam no surgimento do homem de novo tipo, menos consumista, mais solidário, pacífico e, neste sentido, moderno. Paciente em crescer junto a todos. Fiel aos valores fundamentais da vida, não àqueles vendidos pelos comerciais de televisão. O que, estando à frente, não se afasta do fim da fila.

O que se pede, entre os admiradores de personagens como Yoani, é que Cuba dê um salto triplo mortal em direção à democracia convencional. Uma volta aos anos 1940-50, quando se notabilizou como um quintal americano. E isso, é claro, o regime socialista da ilha não vai fazer. Não há a menor garantia de que as conquistas sociais alcançadas pela revolução sejam preservadas, quanto mais ampliadas. A experiência aponta que uma abertura no melhor estilo ‘vamos que vamos’ significa retrocesso na certa. E lá iria Cuba virar uma Jamaica, uma Granada, um Líbano.

Os EUA que procuram sufocar Cuba há mais de 50 anos não conseguiram exportar seu modelo de maneira bem sucedida a nenhum outro país. Na década de 1960, conforme vasta documentação, interferiram nos assuntos internos do Brasil, ao estimularem e bancarem o golpe militar de 1964, no que resultou numa ditadura de 20 anos.

Hoje, em razão da estabilidade política da América Latina, situação jamais estimulada pelos EUA, eleições populares tornam Cuba um ponto cada vez mais referencial. Foi em Havana, na semana passada, que o governo do presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, sentou-se para negociar a paz com as Farc. Ali também esteve o presidente da Venezuela, segundo país mais rico do continente, Hugo Chávez, para tentar salvar sua própria vida. O ex-presidente Lula escolheu, também nos últimos dias, a capital Havana para se posicionar favoravelmente sobre a crescente importância das mídias alternativas, dando novo impulso ao chamado foro de São Paulo, criado em 1990 por ele, Fidel e outros líderes no combate ao modelo de pensamento único então em voga.

É também de Cuba que, no passo de uma cuidadosa abertura, sai para andar por onde quer e dizer o que quer, sob o patrocínio da SIP, a blogueira Yoani. Sem abrir mão de seu modelo econômico, o regime presidido por Raúl Castro está se movimentando, ao seu modo, por um vetor político mais arejado. É paradoxal, mas tanto os críticos que querem ver a ilha melhorar sem risco de retrocesso, quanto os que querem derrubar o governo cubano, comemoram o momento. Em meio a esses aplausos e vaias, por sorte Cuba segue seu caminho de autodeterminação.

Fonte: Brasil 247

Imagem: Technorati.com

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