Políticas públicas de combate à violência contra a mulher no RS: o que os candidatos têm a dizer?

Por Julia Giles Wünsch e Cristina Pereira Vieceli, para Desacato.info.

Com a aproximação das eleições em outubro, ressurge no debate político a discussão sobre as políticas públicas para as mulheres. Esta pauta tem sido abordada pelos candidatos aos cargos executivos, principalmente através de dois eixos: igualdade salarial e violências contra a mulher. Quanto a esta última temática, o Atlas da Violência de 2018, recentemente publicado pelo IPEA, denuncia e destaca dados estarrecedores: entre 2006 e 2016 a taxa de homicídios de mulheres aumentou em 6,4%, sendo que em doze estados a taxa de homicídios de mulheres negras teve um aumento maior que 50%[1]. No Rio Grande do Sul, sobre este mesmo dado, houve um aumento de 84%. Essas informações ilustram não apenas a necessidade do foco em políticas específicas, como também apontam para a urgência em analisar os dados das outras violências que afetam as mulheres – ameaça, agressão, lesão, estupros, feminicídio – e o que está sendo proposto diante deste cenário.

Se analisarmos os últimos anos da política brasileira percebemos alguns fatores que estão atrelados a esse retrocesso. No plano nacional, desde o início do governo interino de Michel Temer foi dado o tom de sua posição: com a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos e a composição de um Ministério sem a participação de nenhuma mulher. Posteriormente, com o recrudescimento da crise econômica, a redução de investimentos e de direitos sociais – marcados principalmente pela PEC 55 e a reforma trabalhista – atingindo sobretudo as mulheres negras, dada a dificuldade histórica no acesso a emprego e renda.

De forma similar, no estado do Rio Grande do Sul (onde a taxa de homicídios de mulher cresceu 9,8% de 2015 a 2016), uma das primeiras medidas do governo de José Ivo Sartori, em 2015, foi a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e, como consequência, a redução dos recursos públicos para políticas específicas voltadas para as mulheres. Contribuindo, assim, gradativamente com a deterioração dos serviços da Rede de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência (chamada de Rede Lilás), já afetados pela redução de recursos federais.

Como podemos perceber, o combate à violência contra a mulher esbarra em uma série de empecilhos que se entrecruzam com a falta de recursos e de prioridade nas agendas dos atores políticos. Uma das dificuldades está na falta de dados robustos capazes de subsidiar políticas e estudos na área. Apesar das iniciativas legais, as principais estatísticas sobre a violência doméstica permanecem insuficientes e restritas. Uma das razões está ligada ao fato dos dados serem provenientes de registros de inquéritos policiais e hospitalares. Esse levantamento não capta, portanto, os casos de mulheres que sofreram violência e não denunciaram à polícia ou não foram atendidas em hospitais. Além disso, existe uma falta de informações nos boletins de ocorrência devido ao despreparo dos policiais em identificar e acolher as denúncias. A subestimação dos dados é percebida em especial nos registros de feminicídios, tipificado pela Lei 13.104/2015, já que o registro nessa modalidade depende da compreensão do agente que recebe a denúncia.

Pesquisas de maior fôlego e detalhamento poderiam ser aplicadas por domicílio, a exemplo da “Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”, realizada através de uma parceria entre a Universidade Federal do Ceará e Instituto Maria da Penha, entre 2016 e 2017, aplicada em nove capitais nordestinas. Apesar da notória iniciativa, o momento é de retrocesso na elaboração de pesquisas e estatísticas capazes de captar as transformações sociais e características da população. Esse quadro é ilustrativo no Rio Grande do Sul, com a extinção da sua principal instituição de pesquisa, a Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser (FEE), cuja existência data de 1973. A extinção da FEE incorreu na vergonhosa não mensuração de um dos indicadores mais importantes de desempenho econômico do Estado, o Produto Interno Bruto (PIB). O fechamento da FEE foi acompanhado pelo fim da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) na Região Metropolitana de Porto Alegre, que investigava as características do mercado de trabalho na região desde 1992.

Ainda que as estimativas sejam insuficientes, os dados provenientes da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, apontam para, por um lado, a queda de violências como ameaça e lesão corporal, no período de 2013 a 2017, mas por outro, o aumento dos crimes mais graves como estupro e casos de feminicídio tentado. Em relação ao primeiro grupo, as ocorrências de ameaça passaram de 26.137 para 22.960 o que corresponde a uma diminuição de 13,5%, a queda foi constante no período. No caso da lesão corporal, houve uma diminuição menos intensa, de -12,2%, além disso, na passagem de 2016 a 2017, houve um crescimento de 293 vítimas (Gráfico 1).

Em relação aos crimes de maior gravidade, os casos de estupro no estado passaram de 1.448 em 2013, para 1.661, o que corresponde a um crescimento de 14,7%, a partir de 2014, há um crescimento constante no número de estupros na variação anual. Quanto aos feminicídios consumados, houve uma queda de 9,8% no período, passando de 92 registros para 83, por outro lado, há um aumento importante no número de feminicídios tentados, passando de 229 registros para 322, um crescimento de 40,6% (Gráfico 2).

Os dados indicam, portanto, que, o aumento das mobilizações e da sensibilização da população em relação à questão da violência surtiu efeito para os crimes de ameaça e lesão corporal, o mesmo que não ocorre entre os crimes extremos. Esse fator pode ser explicado pela diminuição de recursos e políticas voltadas para as mulheres, o que leva à sensação de impunidade dos agressores. O maior detalhamento dos dados permitiria análises mais acuradas sobre os perfis das vítimas e dos agressores, a fim de elaboração de políticas públicas. A maior probabilidade, pelos motivos anteriormente citados, é que os dados disponíveis estejam subestimados o que reforça a gravidade da situação.

É neste contexto que se destaca o papel de iniciativas como a da Ocupação Mulheres Mirabal, hoje uma casa de referência que abriga mulheres vítimas de violência doméstica ou em vulnerabilidade social e seus filhos. A ocupação em Porto Alegre foi realizada pelas militantes do Movimento Olga Benário em 2016, e apesar de não receber nenhum recurso público, representa um local de encaminhamento até para os órgãos municipais, uma vez que a cidade conta com apenas um abrigo destinado a vítimas de violência doméstica.

Apesar da experiência da Mirabal estar sendo bem-sucedida, a ocupação sofre constantes ameaças de reintegração de posse, provando mais uma vez o descaso do Estado com o combate à violência contra a mulher. Afinal, a Mirabal poderia ser tomada como um referencial de política pública transversal, já que congrega também uma questão de produção democrática do espaço da cidade.

Reiteramos que a importância e urgência de políticas públicas voltadas para as mulheres não fazem parte da agenda e das prioridades políticas de boa parte de nossos governantes. Olhando para possibilidades futuras, destacamos abaixo as políticas públicas para as mulheres nos programas de governos lançados pelos candidatos ao cargo no estado do RS:

– O candidato Eduardo Leite (PSDB) não possui nenhuma proposta específica em seu plano voltada para equidade de gênero, a única menção que faz sobre o tema em seu projeto é no parágrafo “Mais justiça social é dar equidade de tratamento para todos”, em que cita de forma genérica a promoção de equidade através do fortalecimento da vigilância do governo estadual e campanhas educativas.

– O candidato José Ivo Sartori (MDB) possui um parágrafo específico sobre o tema de políticas para mulheres em seu programa, visando fortalecer os programas “Mulher Vida e Direitos”, “Mulher do SUAS” e ampliar a rede de atendimento psicossocial, fortalecendo as Salas Lilás e centros de referência de atendimento às mulheres.

– O candidato Miguel Rosseto (PT) possui no seu programa uma subseção dentro da parte de direitos e cidadania voltada para políticas para mulheres. As propostas abarcam diversos eixos: no eixo institucional, destaca-se para a re-implementação da Secretaria de Políticas Públicas para as mulheres. Quanto a participação, destaca-se as ações afirmativas voltadas para a igualdade. No eixo combate à violência destaca-se a articulação do Pacto pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, entre o Estado e os Municípios. Para a educação temos por exemplo o fortalecimento do EJA com a implementação de Salas de Acolhimento para os filhos das jovens estudantes junto à rede pública estadual. No que tange a autonomia financeira temos propostas como resgatar e apoiar o Programa de Documentação da Mulher Rural Trabalhadora. Para a saúde, destaca-se a promoção a humanização do parto com HIV/AIDS, assim como atenção especial às mães que não podem amamentar. Além das propostas voltadas para as mulheres negras e LBT.

– O candidato Jairo Jorge (PDT) possui uma proposta específica para mulheres e meninas visando promover a inserção profissional da mulher, equilíbrio entre família e trabalho, formação de lideranças femininas a prevenção, monitoramento, formação de banco de dados e acolhimento de meninas vítimas de violência e assédio.

– O candidato Roberto Robaina (PSOL) possui um programa com capítulo específico que trata sobre o tema. Dentre as prioridades e compromissos listados, estão: a recriação da Secretaria de Políticas para as Mulheres; a ampliação das delegacias das mulheres; treinamento das delegadas; ampliação da rede de educação infantil visando a permanência das mulheres no trabalho; promover a educação sexual; tensionar pela legalização do aborto; estabelecer redes de assistência social e ampliação de casas de apoio, criação de um plano estadual de políticas públicas para as mulheres.

– Já o candidato Mateus Valente (NOVO), cita quatro vezes a palavra mulher em seu programa, mas para exemplificar a suposta precocidade das aposentadorias, especialmente as femininas, o que levaria à distorções e déficits previdenciários.

Finalmente, chamamos atenção para a representação inteiramente masculina da cabeça de chapa das coligações candidatas ao governo do RS. Novamente o espaço formal de política reflete o ainda distanciamento e os empecilhos para a participação feminina.

Esperamos que o movimento #Elenão liderado pelas mulheres impulsione a formação de lideranças e a maior participação feminina na política institucional.

[1]http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf

Cristina Pereira Vieceli

Cristina Pereira Vieceli é  doutoranda em economia (UFRGS). Possui graduação em Ciências Econômicas pela UFRGS e mestrado em Economia do Desenvolvimento pela UFRGS. É técnica do Dieese, onde assessora a categoria metalúrgica do Rio Grande do Su. É integrante do Movimento Economia Pró-Gente. Seus principais temas de pesquisa são: mercado de trabalho, desenvolvimento econômico, economia feminista, relações de gênero e raça.

Julia Giles Wünsch é mestra em Políticas Públicas pela UFRGS. Possui graduação em Ciências Econômicas pela UFRGS e é bacharela em Ciências Sociais pela PUCRS. É integrante do Movimento Economia Pró-gente. Tem experiência na área de Economia Política, Política Urbana e Política Habitacionais. Atualmente, seus principais temas de pesquisas  são: implementação de políticas públicas, feminismo e relações de gênero e raça.

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