Pobres vivendo no centro são ‘obstáculos’ para o mercado e precisam sair

Para Erminia Maricato, projeto de Doria é “mais do mesmo” e falta um debate sobre as prioridades de São Paulo (Foto: Reprodução/Youtube)

Por Luciano Velleda.

 Para a arquiteta Ermínia Maricato, projeto “Centro Novo” de Doria visa apenas ao interesse privado e não ao público. “Os obstáculos são os pobres, os cortiços, os imóveis abandonados, a Cracolândia, e tudo isso já foi atacado pela prefeitura”

São Paulo – Anunciado pelo prefeito João Doria (PSDB) no último dia 26 de setembro, o projeto Centro Novo, “que propõe uma mudança urbanística e a modernização da região central”, é na prática mais uma tentativa do Executivo municipal de “tirar os pobres” do centro e favorecer os interesses do mercado imobiliário.

A análise, sem meias palavras, é da arquiteta e urbanista Ermínia Maricato. “A melhor localização de transporte sobre trilhos é a região da Luz. Aquilo é um tesouro e o mercado imobiliário sabe disso. Só que precisa tirar os pobres, e o prefeito já começou a fazer isso”, afirma, lembrando as ações realizadas recentemente na Cracolândia, uma tentativa de expulsar pessoas em situação de rua e uso abusivo de drogas.

Tendo como clientes preferenciais as classes média e alta, a urbanista define o mercado imobiliário como “preconceituoso”, para o qual a proximidade de populações pobres junto aos seus empreendimentos derruba o preço.

“Para eles (o mercado imobiliário e seus apoiadores), é preciso tirar os obstáculos para o preço dar um salto. E os obstáculos são os pobres, os cortiços, os imóveis abandonados, cheios de dívidas e hoje ocupados, a Cracolândia, a favela do Moinho. Esses são os obstáculos e tudo isso já foi atacado pela prefeitura”, enfatiza.

A ex-secretária executiva do Ministério das Cidades e professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP), analisa as cidades brasileiras como tendo a característica estrutural de uma “sala de visitas”, bairros onde o metro quadrado é mais alto, a população é prioritariamente branca e as ações de zeladoria, como poda de árvores, sinalização, recapeamento do asfalto e limpeza de ruas e bueiro, são sempre priorizadas, em detrimento das regiões periféricas, onde a população é mais pobre, de origem negra e menos escolarizada.

Ermínia Maricato também critica o termo “revitalização”, sempre empregado quando se trata de projetos para o centro da cidade. Para ela, o centro de São Paulo já é “muito vivo”. A questão, pondera, é fazer com que a região não seja tão erma durante a noite. Para conseguir isso, ela acredita que o caminho é combinar a vocação empregatícia da área central com mais moradias, sem expulsar as famílias de baixa renda que já moram na área.

“É fundamental que o centro abrigue um mercado popular de moradia, em função do grande número de pobres que ali vivem e da grande oferta de emprego”, avalia. Ela defende que o crescimento imobiliário ocorra em direção ao centro, até mesmo como um modo de preservar os recursos naturais nas “franjas” da cidade, como a Serra da Cantareira e as represas Billings e Guarapiranga.

Segundo a arquiteta e urbanista, o debate deveria ser orientado pela pergunta: “O que é prioridade na cidade?”. Uma discussão que envolveria diversos segmentos da sociedade, mas que, todavia, não tem acontecido.

“O problema é que as decisões são tomadas visando ao interesse privado e não ao público. Em vez de salvar a represa Billings, a Cantareira, se coloca dinheiro no centro”, afirmou. Como exemplo, cita o grave problema da mobilidade urbana em São Paulo e que, nesse sentido, um ônibus circular no centro, como anunciado pelo prefeito Doria, não é prioridade.

“A ignorância é tão grande que é possível eles fazerem a pauta que querem porque a população não conhece o que está em jogo. É importante mostrar não só a natureza dessa pauta, mas também colocar outra. Estamos numa cidade profundamente desumana e vamos fazer mais do mesmo?”, questiona, para logo em seguida destacar que a expectativa de vida no bairro de Itaquera é de 54 anos, enquanto nos Jardins é de 80 anos.

Para ela, o centro de São Paulo ainda é o único lugar democrático da cidade, com convivência de diferentes classes sociais. Um espaço que, se depender da gestão do prefeito Doria e do Sindicato da Habitação (Secovi/SP), que encomendou o projeto Centro Novo e ofereceu-o “sem custos” à prefeitura, pode estar ameaçado.

“Nossa elite é tão avessa à democracia que não consegue conviver com pobre, a menos que trabalhe para ela”, definiu a arquiteta e urbanista Erminia Maricato.

Fonte: Rede Brasil Atual.

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