Petrobras: a raposa no galinheiro

"O primeiro escalão do time do capitão está permeado de quadros que exibem uma relação íntima com o financismo internacional e com os interesses do Departamento de Estado norte-americano".

Castelo Branco será presidente da Petrobras (Foto: WILTON JUNIOR / Estadão Conteúdo)

Por Paulo Kliass*.

Muito já foi dito e escrito a respeito dos interesses geopolíticos e econômicos que operaram ao longo do processo do golpeachment de Dilma Roussef e todo o período que veio a seguir com o governo Temer. Na verdade, o discurso contra a corrupção operava como cortina de fumaça para promover uma profunda mudança nos rumos das políticas públicas. Tendo em vista a impossibilidade de chegar ao poder por meio das eleições, as forças conservadoras optaram pela ruptura em total desrespeito às regras constitucionais.

Uma vez confirmado o impedimento da eleita e com a chegada oficial do vice ao Palácio do Planalto, tem início um duro processo de desmonte das estratégias estatais em curso até o momento. De um lado, aprofunda-se o austericídio com implementação de política monetária de juros elevados e política fiscal restritiva de corte rigoroso de despesas orçamentárias de natureza não-financeira. De outro lado, o governo leva a cabo uma política de desmonte da presença do Estado na economia, promovendo privatizações e concessões à mancheia.

Mas o foco prioritário das forças que se apoderaram dos gabinetes de decisão sempre foi a questão energética. A Petrobrás já vinha sendo objeto de destruição e enfraquecimento por conta da maneira irresponsável como foi desmoralizada a partir das denúncias e dos processos da Operação Lava Jato. A intenção declarada da força tarefa instalada em Curitiba era inviabilizar a existência da maior empresa brasileira. Assim, foi desencadeada uma verdadeira operação de guerra, que foi montada na articulação entre os grandes meios de comunicação e setores do Judiciário e do Ministério Público.

Junto à missão de destruição da Petrobrás, o governo ilegítimo de Temer se encarregou de abrir à exploração das multinacionais do setor petrolífero as reservas estratégicas do Pré Sal. Esse verdadeiro crime de lesa pátria, transfere aos países desenvolvidos (em especial, aos Estados Unidos) o poder completo sobre as condições de extração de nosso óleo da plataforma submarina profunda. Essas reservas são potencialmente as maiores do globo e podem se constituir em um importante colchão de riqueza nacional para nossas gerações futuras. Antes da mudança de governo, a legislação estabelecia a exclusividade da nossa estatal na exploração do petróleo pressalino.

Meta é a destruição da Petrobrás

Em continuidade a essa política de eliminação do poder da Petrobrás, a equipe de Temer também promove profundas alterações nas políticas relacionadas à empresa. Esse é o caso da inviabilização da política de conteúdo nacional, que existia até então. Com isso, desfaz-se também toda a cadeia de empresas brasileiras que operavam em torno da grande petrolífera, em áreas estratégicas como fornecimento de insumos, desenvolvimento tecnológico e outros serviços associados ao ramo. Por outro lado, a nova orientação quanto à política de refino reduziu drasticamente a capacidade de produção interna dos derivados nas refinarias da Petrobrás e passou a orientar para a importação de gasolina e diesel.

Finalmente, a nova política de preços – sob o falso discurso de uma pseudomodernidade – transformou o petróleo e seus derivados em simples mercadorias, comparáveis às bananas e aos tomates vendidos nas feiras. Em mais um desses rompantes de genialidade, tão característico dos tecnocratas cheios de ideias e poder de caneta, os novos dirigentes resolveram praticar o dogma liberaloide levado ao extremo: “liberdade de preços em uma economia aberta”. Para não serem acusados de conciliadores com nenhum resquício da política anterior, qualificada por eles mesmos como populista, os novos dirigentes resolveram inovar de vez. Assim passaram a atrelar os preços internos da Petrobrás às variações diárias de preços do barril de petróleo na cotação da OPEP no mercado internacional. Uma loucura, que não durou muito tempo, mas causou prejuízos irreparáveis à economia de nosso País.

Enfim, esses foram alguns dos devaneios praticados por Pedro Parente à frente da empresa. Ao nomear um quadro do financismo para a presidência da nossa gigante petrolífera, à época o nome apresentado por Temer foi saudado com loas e vivas pelos grandes meios de comunicação. Mais uma vez vinha à baila o surrado argumento do “perfil técnico”. Parece que ninguém queria se lembrar que o tucano havia ocupado postos importantes no primeiro escalão do governo FHC e depois foi para alta direção de conglomerados importantes do setor privado.

Em razão das trapalhadas cometidas durante a greve dos caminhoneiros, Parente abandonou a Petrobrás e foi direto para a BRF, outro gigante privado da carne e das commodities. Foi substituído por Ivan Monteiro, que não alterou nada de substancial na política de liberalização e desmonte da empresa.

Castello Branco: mais privatização

E agora o capitão anuncia o nome de Roberto Castello Branco para o posto. Tal indicação evidencia que nessa transição de governo as coisas mudam para continuarem exatamente como eram antes. As propostas do economista da FGV para a Petrobrás são por demais conhecidas. Coerente com seu perfil liberal e sua formação conservadora, Castello Banco sempre defendeu a privatização completa das estatais, incluindo a própria Petrobrás nesse pacote. Em um dos seus artigos, nega a própria História da empresa que pretende liquidar e desconhece o elevado nível da eficiência alcançada na atividade de extração de petróleo:

(…) “Empresas estatais não possuem nenhum incentivo para maximizar eficiência. Seus gestores não são defrontados com metas alinhadas com a geração de valor para os acionistas. Seus empregados recebem elevada remuneração fixa, gozam de benefícios generosos e na prática de estabilidade no emprego.” (…)

Em outro momento do texto, chega a propor a privatização completa de todos os bancos públicos federais (BB, CEF, BNB e BASA) e a redução do tamanho do BNDES para tornar o mercado de crédito de longo prazo também atrativo para os bancos privados. Esse é perfil do indivíduo que foi nomeado para gerenciar a maior empresa estatal brasileira. Agora, Castello Branco tenta apaziguar os ânimos da plateia e ensaia um recuo tático diante de tarefa sabidamente impopular. Afirma que não vai privatizar “tudo” logo de cara.

Mas não nos enganemos. O primeiro escalão do time do capitão está permeado de quadros que exibem uma relação íntima com o financismo internacional e com os interesses do Departamento de Estado norte-americano. Os interesses declarados dos ianques em impedir a independência estratégica e financeira de nosso País se confirmam na necessidade de inviabilizar a nossa soberania no uso do Pré Sal e também por reduzir ao máximo a capacidade produtiva da Petrobrás. Para dar cabo de tal tarefa, nada mais eficiente do que colocar outra raposa para tomar conta do galinheiro.

 * Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

 

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