Perséfone no jardim de Epicuro. Por Carlos Weinman.

Imagem: Pixabay.

Por Carlos Weinman, para Desacato. info.

A alma e o corpo diante da consciência, das sensações e das paixões revelam o desejo e a busca pela satisfação, por momentos prazerosos, não havendo a harmonia necessária, muito menos a possibilidade de realização, o desespero e a angústia tomam conta do ser. Muitas vezes, a possibilidade de realização, do continuar exige o atravessar, passar por dificuldades, o que costuma gerar aflições diante das expectativas, dado o fato da finitude, da possibilidade de não ser concretizada, o que corresponde a condição humana.

Deméter e Perséfone são a representação vívida da angústia do atravessar. No entanto, encontraram familiares e um amigo para auxiliar na travessia, o que amenizava e dava forças para a jornada. A serenidade, diante dos acontecimentos, envolve uma capacidade sobre o modo como encarar não apenas os fatos, mas, principalmente, as emoções, as sensações e as paixões. Como diria o filósofo Epicuro (341 a.C.-271 a.C.): o desafio está em cuidar de si e enfrentar a si mesmo, para tanto, saber trabalhar com as emoções interiores torna-se um grande desafio.

Perséfone quando foi até o hospital estava tranquila, a noite anterior com a boa música tinha causado um bom efeito sobre seu ser, mas um pouco de receio surgiu antes de ir para cirurgia, conversou com Roberto, o qual ela já considerava como um pai. Esse disse a ela:

Não se preocupe, faça de conta que estás em um outro lugar, uma representação, como se estivesse em um teatro ou cinema, que você falou que gostaria de atuar.

Perséfone – Por quê? Não é realidade, aqui é um hospital!!!

Roberto – Qual o motivo de não usar a imaginação, a criação a seu favor? Você sabia que na antiguidade grega o teatro era visto como um remédio, inclusive tem um que é muito famoso, conhecido como Teatro de Epidauro. Esse teatro era visto como uma forma de terapia médica, os gregos antigos acreditavam que as pessoas ficariam melhores ouvindo e assistindo o teatro, que era composto por muita música.

Perséfone – Interessante! A representação, o sonhar pode aliviar o meu sofrimento, posso trazer isso ao meu favor?

Roberto – Isso é outra coisa, Epicuro que foi um filósofo, dizia que as circunstâncias podem trazer medo e até mesmo muita dor, o que não tem como fugir e, por outro lado, se houvesse como, a fuga só piora a situação. Todavia, o espírito humano pode usufruir de uma liberdade interior, para poder permanecer sereno e feliz, podemos usar os nossos prazeres e as boas lembranças passadas e até mesmo as expectativas de bons momentos futuros para construir imagens boas para superar as dificuldades. Essa técnica de evasão possibilitaria ao ser humano superar as mais adversas circunstâncias. Agora, pense nas aventuras que faremos, depois da cirurgia, vai ter um tempo de recuperação, quando estiveres plenamente recuperada vamos juntos achar, com a Combi dos esperançosos, os teus outros tios, que ainda não encontramos.

Perséfone- Vocês recuperaram a combi?

Roberto – Sim, recuperamos, devolvemos o dinheiro que peguei emprestado, amanhã vou buscá-la, poderá voltar para casa de Combi, não é muito bom?

Perséfone- Você está certo, não vejo a hora de viajarmos! Só uma coisa, você não acha que sou muito nova para ouvir essas coisas de filosofia, de história, de arte?

Roberto – Epicuro diria a você que nunca se é jovem demais e nem velho demais para filosofar, como ele disse em um dos seus textos: “ninguém é jamais pouco ou demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz”.

Perséfone – Interessante! Ele associa a felicidade e a filosofia.

Roberto – Sim, pois a felicidade é um dos grandes temas da filosofia de Epicuro, juntamente as questões ligadas a busca e satisfação dos prazeres.

Perséfone – Então, poderia dizer que ele é o filósofo que prega que devemos satisfazer nossos desejos e prazeres?

Roberto – Sim, mas com cuidado para evitar a dor, a vida feliz envolve a busca pela morada do nosso espírito com calma, serenidade e prazer. Desse modo, a filosofia pode auxiliar os seres humanos a ter acesso a verdadeira felicidade.

Perséfone – Faz sentido, podemos nos equivocar, fazer coisas que poderão ser agradáveis em um determinado momento e depois ter vários sofrimentos.

Roberto – Isso mesmo! Segundo Epicuro, a filosofia seria uma espécie de instrumento para liberdade, que é consequente da serenidade, onde o ser humano é capaz de ter o domínio de si mesmo, o autodomínio.

Perséfone – Parece-me algo difícil, visto que muitas vezes somos escravos dos nossos desejos e paixões, por exemplo, eu, em alguns momentos, não consigo evitar e como todo o bolo que minha mãe faz, aí passo mal, sem contar, o sentimento de culpa que me consome!

Roberto – Exatamente, nem sempre a satisfação de um prazer será benéfica para alma e para o corpo, não podemos sofrer pelo fato de não ter algo, temos o desafio em aprender em como usufruir, o que implica uma noção de cuidado de si e para com os outros.

Perséfone – Então, posso afirmar que os filósofos epicuristas são hedonistas?

Roberto – Pelo visto você ouviu e estava atenta as conversas dos seus tios!

Perséfone – Sim, mas também as conversas suas com a mamãe!

Roberto – O Hedonismo prega a busca pela satisfação dos prazeres, o hedonismo de Epicuro parte do princípio que a felicidade está de fato na satisfação dos desejos, dos prazeres, das sensações, que são naturais para nós seres humanos, não é nenhum pecado. No entanto, a satisfação não pode levar ao sofrimento, deve ser contida, restrita ao que é necessário. 

Perséfone- Sendo dessa forma, quando passo em frente uma vitrine e sofro pelo desejo que tenho em satisfazer ou ter algo, estou perdendo o equilíbrio, o domínio que posso ter sobre mim, o que me faz ser uma escrava?

Roberto – Você está certa! Teve um filósofo que chegou afirmar que se você quer ter o domínio sobre alguém tenha o desejo desse, pois ela fará tudo o que você quiser!

Perséfone – Faz sentido, não é necessário ter grades ou correntes para aprisionar, basta ensinar ou despertar o desejo das pessoas que elas farão tudo o que você ambicionar!

Roberto – Por isso, que a liberdade proposta por Epicuro pressupõe uma capacidade que é a ataraxia, que podemos dizer que corresponde a ausência de perturbação, isto é, quando temos muitos desejos, ficamos inquietos, não conseguimos ser felizes.

Perséfone – Do mesmo modo, quando temos muitas preocupações e medos!

Roberto – Exatamente, pois o medo do que virá não tem sentido, se estamos preocupados não conseguimos agir com serenidade as adversidades da vida.

Perséfone – Eu confesso que não tenho medo da morte, ao contrário da minha mãe, que está mais preocupada, pois nesse momento estou muito bem, tenho dores, vou fazer uma cirurgia, acredito que vou ficar bem melhor!

Roberto – Claro que vai, minha querida!  Epicuro diria que não há sentido em temer a morte, por ela não ser nada para nós, já que toda dor e todo bem estão na sensibilidade e a morte é ausência dessa. Além disso, se tememos a morte, fazemos sobre aquilo que ainda não é uma realidade e quando for para nós, não teremos sofrimentos, pois não existiremos. Temos o desafio de aprender a viver e não sofrer pelas coisas que não chegaram ou que não podemos usufruir.  Segundo Epicuro, sábio é aquele que sabe viver com pouco, busca evitar a dor e não deixa de lado os prazeres da vida. Por exemplo, para ouvir uma boa música não importa se é em um iphone mais caro ou outro smartfone, um rádio, o que interessa é o prazer que a música, a melodia, a letra e o ritmo possa trazer!

Perséfone – Isso não quer dizer que ele defendesse que a sociedade deveria ser desigual!

Roberto – Não, na realidade quem busca o poder para si sem necessidade da comunidade, da cidade, acaba se tornando um escravo, poderíamos dizer que até mesmo da vaidade. O que busquei dizer corresponde ao fato em que para apreciar as coisas boas da vida não temos a necessidade de grandes fortunas, que por sinal não são a condição da felicidade, muitos com pouco poder e sem muitos bens, mas dotados de uma sabedoria, poderão alcançar uma vida feliz e prazerosa.  Enquanto outros, perturbados, como seres famintos pelo poder, serão insaciáveis e infelizes, por esse motivo tenderão promover muitas injustiças.

Perséfone – Interessante, mas gostaria de voltar na questão da música, pois eu adoro! Lembrei da música “Somos Quem Podemos Ser” dos Engenheiros do Hawaii, que tal cantarmos baixinho?

Nesse momento, Roberto e os Irmãos começaram a cantar, Perséfone estava encantada, não parecia que estava para ir para uma cirurgia, o ambiente estava muito agradável. Ela pensou consigo, que os hospitais não precisariam trazer apenas o silêncio e o medo, mas poderiam trazer o entusiasmo e o vigor como pensavam os antigos gregos, nos rituais feitos no teatro de Epidauro, com as práticas em relação ao que foi considerado o deus da medicina, isto é, Esculápio,  o que ela queria do ritual era ouvir a música como possibilidade de terapia para a alma e por consequência para o corpo. Quando terminaram de cantar, Perséfone olhou para Roberto, sorriu e disse:

Ainda falta algo, acredito que antes de viajarmos com a combi, como você mencionou, terás que fazer uma coisa, contar um segredo que só eu sei!!

Roberto – O que é isso menina?! Não há segredo nenhum!!!

Nesse momento, Perséfone olhou para Deméter e para os tios e disse:

Sério! Eu vi ontem de noite você e mamãe em uma cena de cinema ou de teatro, era um beijo de casal!!

Roberto e Deméter ficaram sem reação, não conseguiam esconder o fato. Nesse momento, Ulisses falou:

Roberto e Deméter não é mais surpresa para nenhum de nós que vocês estavam cada vez mais próximos, agora não tem mais como esconder!!!

Nesse momento, o médico chamou Deméter e Perséfone, chegou a hora,  um novo marco para as vidas da menina e da mãe, que a muito tempo esperavam e não sabiam se iria acontecer, mas a solidariedade estava facilitando a travessia não apenas em relação a possibilidade de viver, mas de ter mais qualidade de vida. A menina foi levada para sala de cirurgia com olhar esperançoso, a vida fluía pelo seu ser.

Alguns dias depois da cirurgia, Moira, a dona do Supermercado foi visitá-los no hospital, era o dia que Perséfone iria receber alta, todos estavam alegres, a cirurgia foi um sucesso, bastaria alguns meses para poder viajar e ter uma vida normal. A dona do Supermercado propôs para que eles confraternizassem a conquista em sua casa, Deméter não se conteve e a abraçou, pois ela não era apenas a sua empregadora, mas também uma grande amiga, afinal foi quem estendeu a mão quando perdera seu marido, ajudou na luta pela cirurgia da filha, sendo uma das pessoas responsáveis por um novo ciclo da sua história, com muita esperança, um novo vigor e um novo amor que descobrirá no meio do desespero e da ameaça da morte, mas o que se revelou foi o fato em que a condição humana de finitude não deve ser temida, apenas deve ser vivida com serenidade.

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Carlos Weinman é graduado em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: Estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.

 

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