Pastor confirma convite e Funai deve ter evangelizador em chefia de índios isolados

Órgão quer nomear missionário que trabalha em conversão religiosa de povos originários desde 1997 na Amazônia

“Travamos uma guerra contra esses caras tem uns 30 anos. Se eles entrarem, acabou tudo”, lamenta servidor da Funai / Foto: Agência de Notícias do Acre / Creative Commons.

Por Igor Carvalho.

O pastor Ricardo Lopes Dias pode ser nomeado para assumir a Coordenadoria Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai). O nome do missionário já aparece no Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (SINC) e no Sistema de Informações Organizacionais do Governo Federal (Siorg), pré-requisitos para nomeação a cargos públicos em esfera nacional.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Dias confirmou o convite feito pelo delegado Marcelo Augusto Xavier, presidente da Funai. “Eu fui convidado e entrevistado. Tem muita informação que está mal dada, o pessoal está levando para o lado religioso. Até porque, ainda não recebi a notificação oficial da Funai”, diz o pastor.

A nomeação do pastor é possível desde a última quinta-feira (30), quando o presidente da Funai, mudou o regimento interno do órgão para derrubar a obrigatoriedade de indicar servidores de carreira para o cargo. “É uma pasta interessante para mim, que tenho uma experiência com indígenas e que posso desenvolver melhor, para tomar maior conhecimento da população (indígena) a nível maior, nacional, porque eu trabalhei com apenas uma população (Matses)”, afirma Dias.

A coordenadoria-geral da CGIIRC é ocupada pela indigenista Paula Pires desde o dia 4 de outubro, de 2019, quando Bruno Pereira, servidor de carreira da Funai, foi exonerado depois de 14 meses chefiando a pasta.

Antes de ser demitido, Pereira atuou para desmantelar a atividade garimpeira ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, o que desagradou ruralistas, que pressionaram o governo pela exoneração do indigenista.

Evangelização de indígenas

Ricardo Lopes Dias.

Caso seja confirmada, a chegada do pastor Ricardo Lopes Dias para ocupar a chefia da CGIIRC concretizará um desejo do governo de Jair Bolsonaro, que é intensificar o trabalho de evangelização de indígenas, bandeira de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Dias atua na região amazônica desde agosto de 1997, com o intuito de evangelizar os povos originários da região. A experiência é narrada em sua dissertação As ‘traduções’ Matses do contato histórico com missionárias do Summer Innstitute of Linguistics – SIL, apresentada na Universidade de São Paulo (USP) em 2015.

No texto, o missionário e antropólogo fala da decisão que tomou para a vida ainda na juventude. “Após ouvir um missionário veterano expondo a necessidade de novos voluntários para o trabalho evangelístico de indígenas, decidi empenhar-me especialmente nessa causa”. Em 1992, passou a frequentar o curso “Missão Novas Tribos do Brasil”, que tem duração de cinco anos. “Estudando nos três primeiros anos Teologia (no Instituto Bíblico Peniel, em Jacutinga/MG), um ano de missiologia e treinamento missionário (no Instituto Missionário Shekinah, em Nova Alvorada do Sul/MS) e um ano de capacitação em linguística (no Instituto Linguístico Ebenézer, em Vianópolis/GO)”, conta o pastor em sua dissertação.

Em outro trecho, Dias narra sua chegada a Palmeiras do Javari, onde a Funai mantém uma importante base para proteção de índios isolados. “Até então, o alvo era desenvolver um programa de evangelização dos Matses no Brasil, o que resultaria de um trabalho demorado, meticuloso e sofrível que envolveria jornadas de estudos para aquisição do idioma Matses, coleta de material cultural para análise, e progressivamente, uma elaboração de material linguístico, didático, informativo e religioso.”

Nos agradecimentos de sua dissertação, o pastor faz especial menção “às igrejas que me proporcionaram a ida e a permanência no Amazonas, apoiando tanto a mim e minha família como também a eventuais projetos com os Matses.” Dias é membro da Igreja Batista Fundamentalista Cristo é Vida, de Fortaleza, no Ceará.

“Se eles entram, acabou tudo”

Um servidor de carreira da Funai, que pediu para não ser identificado, falou sobre a preocupação dos indigenistas com a nomeação do pastor Ricardo Lopes Dias. “Travamos uma guerra contra esses caras tem uns 30 anos. Querem, de todas as formas, levar a bíblia para os indígenas. Se eles entrarem, acabou tudo”, lamenta.

Questionada sobre a nomeação de Ricardo Lopes Dias e o receio de indigenistas com a evangelização dos indígenas, a Funai respondeu. “Uma nomeação só é válida a partir de publicação de portaria no Diário Oficial, posse e exercício do nomeado. A Funai não se pronunciará quanto a supostas indicações. Cabe salientar que o cargo é de livre nomeação por parte do gestor e sua ocupação sempre deverá atender aos critérios exigidos pelo Decreto nº 9.727, de 15 de março de 2019.”

Edição: Leandro Melito.

1 COMENTÁRIO

  1. OS INTERESSES ECONÔMICOS QUE ESTÃO EM JOGO NO MERCADO DE “EVANGELIZAÇÃO” DOS INDÍGENAS:

    “É por causa disso que perdemos muito dos nossos traços, da nossa religião e das nossas tradições. Porque, quando índios são evangelizados, eles perdem tudo isso porque a igreja não permite”, reforça.

    Os Pankará lutam pela demarcação de terras há 15 anos. A manutenção da cultura indígena viva é justamente um forte fator para aquisição, demarcação e proteção de seu território. Parte da área está debaixo d’água, foi inundada para a construção da Barragem de Itaparica/Luiz Gonzaga, em Petrolândia, em 1988”.

    http://marcozero.org/indigenas-reagem-a-acao-de-evangelicos-da-igreja-de-silas-malafaia-em-aldeia-pankara/?fbclid=IwAR2jwJuB5QevRkpP69XKYdWelR0Q9r3ppI3nQNspL2Q3vONka0UP9LDeBW0

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