Passeio no inferno

Por Elaine Tavares.

Florianópolis, sexta-feira, véspera de feriadão do sete de setembro. Vindo da UFSC para o centro, num trajeto que demora em média 15 minutos, amarguei 50. Tudo muito lento e nem eram cinco da tarde. Fila no túnel, final por todo lugar. No centro da cidade aquele burburinho de bandeiras e sons, coisas da política. Desci do ônibus e fui dar uma fuçada na vida que se espraiava pelas ruas.  De repente, uma infinita tristeza, uma saudade imensa dos tempos em que fazíamos política com amor e gosto.

Quantos namorados perdidos por conta das intermináveis reuniões, os briques de venda de materiais na esquina democrática, as passeatas com a Banda de Amor à Arte, aquele orgulho de carregar a bandeira vermelha. Tudo era tão cheio de paixão. Nas ruas, abundavam os militantes, pessoas que trabalhavam sem parar em nome de uma mudança sonhada. Éramos tão felizes naquele esperar…

Agora não é mais assim, as bandeiras ainda tremulam nestas épocas de eleição, mas as pessoas que as seguram não o fazem por amor ou crença. Estão ali ganhando seu pão. 10 ou 20 reais por dia. Não há passeatas, nem venda de badulaques na esquina democrática, não há militantes nas ruas. Tudo está esterilizado. Não há paixão. É mesmo um tempo de seca política. Falta tesão!

Sozinha e perdida no mar do vazio decidi voltar para o meu Campeche. Quarenta minutos esperando o ônibus no terminal central. Filas quilométricas de gente. Quando finalmente chega o coletivo parece que dá um frisson, as pessoas se acotovelam, se empurram e há uma corrida aos lugares, para que a viagem seja menos terrível, pelo menos sentado. Entra mais gente que cabe no ônibus. Bolsas gigantes nos roçam a cara, bundas e pernas se amassam.  Os vidros fechados, o ar não funciona. Um sufoco danado.

Lá vamos nós para a viagem que deveria durar 20 minutos. O ônibus se arrasta. O povo bufa. As caras são de profunda tristeza. Os olhares são vazios, não há sorrisos nem buliço. As pessoas vão quietas, com o rosto sem expressão. Cada um está sozinho no seu mundo interior. Boa parte ouve alguma coisa no mp3, mas nada animado, pelo jeito. Ninguém ri. A viagem dura hora e meia e ainda há mais um terminal para enfrentar, outro ônibus para entrar, antes que a acolhedora imagem da nossa casa apareça.

No terminal do Rio Tavares o ônibus acabou de sair, o que significa que ficaremos mais meia hora na fila. E ela se agigantando. As mesmas pessoas sem expressão, como zumbis, naquela espera sem fim. Enfim, o ônibus. E lá vão todos se empurrando, tentando garantir um banco. Serão mais 30 minutos de viagem até chegar ao Jardim Castanheira, vindo pela Eucalipto. O ônibus parte, tem um cheiro estranho no ar, de queimado. As pessoas se olham. Hum!!! Isso não vai dar certo. O ônibus supera toda a Pequeno Príncipe e dobra na rua dos Eucaliptos. Numa das paradas, ele apaga. O povo começa a murmurar. O cobrador diz que tem um probleminha elétrico, o motorista insiste em dar a partida. O motor geme e arranca. O povo suspira aliviado, rezando para que ninguém mais aperte a campanhinha. Azar. Mais alguém quer descer. O ônibus para e novamente apaga. Ai Jesus. De novo a partida, geme, geme, geme e vai… E assim vai se arrastando o coletivo numa viagem que também se arrasta. Os que ficam no fim da linha estão em pânico. Não vai chegar. Alguém começa a xingar. Outro reclama sozinho e “la nave vá”… 45 minutos depois de sair do segundo terminal o ônibus finalmente para no Castanheira, meu ponto. Eu desço e fico olhando para ver se os demais terão sorte de chegar ao destino. O ônibus não dá partida, geme, geme, geme, e morre. As pessoas descem, gritam com o motorista. “Não tenho culpa”, ele diz, desolado. E o povo segue à pé. O cobrador pega o celular e chama o guincho. Fica ali, igualmente desacorçoado. “É a terceira vez esta semana”.

E assim termina o dia. Vou andando, cheia de mau humor. Dia duro. Lágrimas escorrem, para ver se afogam a raiva, a impotência, a solidão. O transporte coletivo em Floripa é sempre um passeio no inferno. Minha casa assoma na escuridão das ruas de areia. O cachorro acolhe, alegre. Os gatos enroscam seus corpos peludos. As estrelas brilham sob minha cabeça, o cheiro de dama-da-noite invade as narinas. Jogo as coisas no chão – livros, pão, mel, revistas  – e fico ali no escuro. Amanhã é sábado e eu vou estar no Campeche, com minha bicicleta, a praia, o sol, os bichos, os meus. Ai que bom!!!

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