Participação social é condição para uma educação de qualidade

Por Thais Paiva.

Constituir um espaço de interlocução entre os interesses e anseios da sociedade civil e as decisões do Estado brasileiro nos temas tocantes às políticas de educação. Foi com esse propósito que o Fórum Nacional de Educação (FNE) ganhou corpo por meio de uma portaria do MEC, em 2010, como resultado da Conferência Nacional de Educação (Conae) daquele ano. Quatro anos depois, era garantido por lei com a sanção do Plano Nacional de Educação (PNE). Uma vitória para o exercício da participação e pluralidade de ideias no País.

No último mês, no entanto, a conquista história sofreu um grave revés. Em 27 de abril, por meio de portaria publicada no Diário Oficial da União, o ministro Mendonça Filho (DEM) alterou a composição e regulamento do FNE sob a alegação de que este vinha sendo usado para finalidades político-partidárias.

De forma arbitrária, excluiu importantes entidades representantes da sociedade civil como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), substituindo-as por outras ligadas diretamente ao governo e ampliando a presença do empresariado. Além disso, impôs a disputa de vaga para os membros do colegiado e concedeu à sua figura a palavra final sobre os integrantes da entidade.

O caráter abusivo da mudança, no entanto, não passou despercebido. Na quarta-feira (10/5), o Ministério Público Federal (MPF) pediu a imediata revogação da portaria, alegando que a medida desrespeita a Constituição Federal ao violar os princípios da gestão participativa e democrática.

“Decreto da Presidência da República ou portaria do Ministério da Educação, não precedidos de deliberação prévia do colegiado e que trate de qualquer tema relacionado às funções ou organização do FNE, padece de vício de forma, por carecer da participação e da deliberação colegiada”, informou o texto assinado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

Outra alteração feita pelo MEC que encontrou reprovação foi a alteração, também via portaria, do calendário da terceira edição da Conferência Nacional de Educação (Conae 2018). Antes prevista para ocorrer no primeiro semestre de 2018, a conferência, que tem como função acompanhar a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), além de avaliar e propôr políticas, ficou passível de ser adiada.

Participação ameaçada

 Para os especialistas ouvidos pelo Centro de Referências em Educação Integral, o imbróglio é mais um exemplo da indisposição do MEC para o diálogo. “É lamentável que o atual governo invista no desmonte dos espaços públicos de participação. Nestas circunstâncias, não há como dar andamento ao Fórum. As decisões agora passam pelo crivo do ministro, que já mostrou sua postura autoritária e de aversão ao debate, por exemplo, com a MP da reforma do Ensino Médio”, observa Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Antes da publicação da MP 746/2016, tramitava no Congresso desde 2013 o Projeto de Lei (PL) 6840 que trazia reformulações para a última etapa da Educação Básica. Apesar de conter pontos questionáveis, a proposta seguia o procedimento democrático: havia passado por todas as comissões e se encontrava pronta para votação desde fevereiro de 2015 e com pedido de urgência protocolado desde agosto de 2016. Com a MP, no entanto, foi extinta.

Cara também comenta os prejuízos feitos à Conae 2018. “A etapa nacional sequer está inserida no calendário, isso é muito grave. Creio que o receio do MEC é, mesmo controlando o Fórum, perder a conferência”, diz.

Na visão de Claudia Bandeira, assessora de Educação da Ação Educativa e membro da equipe da iniciativa De Olho nos Planos, a interferência do MEC no FNE constitui um ataque ao próprio PNE e ao princípio constitucional de gestão democrática.

“Isso vai ter um forte impacto nos fóruns estaduais e municipais de educação e na própria Conae, além de fragilizar o monitoramento da implementação das metas do Plano. O Fórum é o responsável pelo seu monitoramento, é umas das instâncias”, lembra.

A institucionalidade participativa, defende Claudia, é uma conquista e uma condição não só para que as metas sejam concretizadas, mas, sobretudo, para que estes planos sejam políticas de Estado e não de governo. “Independentemente do partido que estiver no poder, é preciso garantir que esses planos sejam assumidos como uma responsabilidade, que suas metas sejam cumpridas”.

Poder da mobilização

 Apesar de lamentar a decisão, a socióloga Helena Singer não se diz surpreendida. “É até coerente com esse governo, que busca desmobilizar a sociedade civil, os movimentos organizados”. Para ela, não há dúvida de que a ação é uma estratégia para barrar o debate e desmobilizar as organizações que estavam antes coordenadas no Fórum.

“Espero que isso não aconteça, que as entidades busquem agenda, se articulem. O movimento das ocupações das escolas, por exemplo, mostrou essa necessidade de diálogo entre cidadãos e governos, mostrou que os estudantes querem participar das decisões que os afetam”, aponta.

Claudia concorda. Para a especialista, a participação civil nestes temas é um direito e uma forma de aprimorar as políticas, pois só por meio da participação é possível identificar problemas, disseminar boas experiências e ampliar o entendimento da população sobre essas questões. “Quanto mais pessoas envolvidas na discussão educacional maior será a qualidade dessa política. Quanto mais a população se envolver no debate, mais vai compreender e exigir seus direitos”, conclui.

Fonte: Educação Integral.

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