“Paraula”, de Flávio Carvalho, uma fascinante viagem entre o Brasil e a Catalunha

Flávio Carvalho. Foto: Reprodução do Facebook

Por Patrícia Cassemiro.

Paraula, palavra em catalão, é mais que o título do novo e primeiro livro do sociólogo pernambucano, Flávio Carvalho. É na verdade, uma ponte entre dois mundos. Ou melhor, um rio entre mundos geográficos e mundos interiores. Mundos diferentes que muitas vezes somos obrigados por nossa rotina a viver, e quanto distante é de como vivemos nosso dia a dia. Talvez uma salvação ou uma afirmação que somos nomes, pessoas além dos números que a burocracia a cada dia teima em nos definir.

Com seu olhar e sentir poético um funcionário de um órgão público, que mora desde o ano 2005 na Catalunha: vê, sente e relata poesia, acreditando no personagem que vive em cada um. Usando o pseudônimo de Quixote-Macunaíma pega emprestado grandes protagonistas históricos da literatura de dois mundos para nos contar um pouco de sua trajetória. Porém, alerta: a história não é dele e sim do personagem que vive em você! Como diz o poema do espanhol Antonio Machado: o olho não é olho porque tu o vês; é olho porque te vê.

Patrícia Cassemiro – Flávio como surgiu Paraula?

Flávio Carvalho – De várias formas. Como homenagens a pessoas que extrapolaram os limites de serem importantes para mim. Logo, para juntar-me: eu me sentia espalhado em vários textos que publicava ou não, por aí… Mas o que só as pessoas mais próximas sabiam é que eu já não sou quem eu era quando escrevi tudo que há nesse livro, onde me exponho profundamente. É um livro que culmina um ciclo vital, circular: eu nasci três vezes. Numa maternidade do Recife, num 27 de fevereiro de 1971; no aeroporto de Barcelona, no dia 5 de agosto de 2005; e nos dois verões deste ano – o primeiro em Olinda, em janeiro passado e agora na passada noite de São João, em Barcelona. Este livro renasceu comigo. Deu-me a luz, e não ao contrário. Mas o pai verdadeiro é um poeta pernambucano, chamado João Cabral – que não por acaso tem o nome do santo aquele da noite mágica (e do meu primeiro filho).

PC – Atualmente com tantas obras online, qual a importância de publicar um livro físico?

FC – Cortázar, Cabral, David Monteagudo, Raimundo Carreiro, García Márquez, Clarice, Machado, Milena Busquets, Pessoa, Lula Côrtes. Vou contar um segredo. Escrevo sem Internet. Eu a desligo. Para escrever, conectá-la me atordoa, me desconcentra e me atrapalha. Todas as inspirações e citações diversas vieram de levantar a bunda do computador e pegar um livro nas estantes (estantes que eu tenho demais). Porém, para isso, eu precisava acreditar que elas existiam e que estavam lá, esperando por mim, para me rever. Só as revisitei porque já havia passado por elas. Ou melhor: elas já haviam passado por mim. Todas as melhores pessoas que eu conheço são boas leitoras. E a Internet deve cumprir e reservar-se ao seu papel de detonador: a pólvora e a verdadeira explosão acontecem menos na pouca vida que há no quadrado dessa tela luminosa do que nas mãos de quem segura um livro pra ler. Faça uma prova: levante a cara da tela do computador e tente ver algo mais além. Agora pegue um livro, leia e saia dele, girando a cara pra qualquer lado, pra cima ou pra baixo. A vida que se encontra será ou diferente – ou melhor.

PC – Sente-se que você fala intensamente de sua mudança, do Brasil pra Barcelona. O que você diria a centenas de brasileiros que pensam em mudar de país?

FC – Antes de tudo, pergunte-se o que está buscando. Quanto mais perdido a gente se perde da gente mesmo, mais fora e mais longe quer buscar. E mais perto e mais dentro pode estar o que a gente realmente precisa. Eu, por exemplo, só segui o meu coração. Foi assim que eu vim parar aqui. Porque se não fosse por isso eu tenho certeza que ainda estaria em Olinda. Em seguida, pode esquecer o que eu acabei de falar. Nenhuma experiência pode ser comparativa. A imensa maioria de migrantes que eu já conheci são absolutamente diferentes entre si. Nas suas principais motivações e inquietudes principalmente. Cada pessoa já é um mundo diferente do outro. E quando a gente muda esses mundos se multiplicam. Ampliar os horizontes é sempre algo mágico. Por isso eu defendo a migração como um direito humano e um bem para toda a humanidade. Se na primeira frase eu parecia estar desestimulando, metamorfose ambulante, eu sempre acabo pensando que deveria haver uma política pública de incentivo a toda pessoa ousada, curiosa, inquieta. Migrar (por quanto tempo? Depende…) é o melhor que lhe pode acontecer. 

PC – Mesmo tendo um trabalho que podíamos definir como burocrático e muitas pessoas trabalharem em setores que talvez não seja a área por que estudaram ou que queriam, como encontrar a própria missão pessoal em  empregos que parecem mecânicos ou diferentes do que muitos sonhavam?

FC – Todos que me conhecem sabem e eu sempre digo que odeio burocracia. Por isso, eu nunca trabalhei com ela. Eu sempre trabalhei com gente. Mesmo não negando que ela existe, está aí, está lá, cada vez mais poderosa e desumana. Mas não há mal que não venha para o bem. Eu adoro essa frase. E a outra é uma que está no livro, no conto chamado Outro verão: no fundo tudo depende mais da gente. E de como a gente se sente. É essa coerência que nos facilita a vida, em vez de complicar. Por isso, contra a buRRocracia, eu sou Freireano: pedagogia, pedagogia e mais pedagogia.

PC – O que você espera que o leitor encontre em seu livro?

FC – Que se encontre consigo mesmo, antes de tudo. Mas eu resumo esse meu primeiro livro, sobretudo, em três aspectos. Sabe aquela agradável sensação que a gente tem quando conhece uma pessoa interessante? Foi o que eu tentei fazer, ao escrevê-las. Também que seja uma leitura leve, agradável, prazerosa. Sem densidades desnecessárias que não sejam as angústias de alguns personagens, protagonistas, como Sandro, Álvaro, Omar… E depois que transite, percorra, viaje entre o Brasil e a Catalunha, sem precisar gastar gasolina de avião e somente viajando na Paraula.

PC – O museu de literatura da língua brasileira mostra o Português como o mesmo braço da língua catalã. Como você percebe a importância desse idioma e a situação da Catalunha na Espanha?

Escutei um companheiro, David Minoves, dizer assim (e nunca mais esqueci): a Catalunha é uma nação milenária reivindicando o direito de ser um Estado próprio, soberano e livre. O Brasil é o exato contrário: um Estado – constituído forçosamente pelos colonizadores – em busca do seu próprio projeto de nação. Paraula é um livro escrito e até mesmo assim intitulado, em catalão, como uma clara opção de respeito e admiração por um idioma que foi perseguido e ameaçado. A maioria dos catalães quer exercer a liberdade de não se sentirem mais impedidos de ser quem eles querem (queremos!) ser. Para mim é só uma questão de tempo. Provocas um sentimento mais forte quando negas a sua própria existência. Com esse meu livro, faço uma clara aposta: que as pessoas transitem pelas proximidades que existem entre os três idiomas, português, castelhano e catalão. Dei muita aula de português pra catalão e tento provar, com este livro, que as coincidências entre esses idiomas são sempre surpreendentes. Mas eu não acredito em coincidências. As coisas acontecem porque elas têm que acontecer. Poucas pessoas no mundo pararam pra analisar a importância dos catalães no processo de colonização e descolonização do Brasil.

PC – E no Brasil, em sua opinião, como anda atualmente a literatura?

FC – A arte e a cultura salvarão o Brasil desse novo fascismo institucionalizado. A literatura nos fará livres. Os fascistas, se pudessem, queimariam livros. Não é preciso ser muito inteligente para saber que quanto mais incultos, mais fácil de sermos manipulados.

PC – Algum novo escritor brasileiro chama sua atenção? Por quê? 

FC – Muitos! Novos e não tão novos. Rodrigo Ciriaco é muito potente. Tem também o imenso movimento de poetas feministas e todas as escritoras reveladas pelos organizadores de festivais literários europeus: o que se organiza em Berlim, na Livraria, de Edney; o que se organiza na Sorbonne, em português por Leo Tonus; os encontros de escritoras brasileiras migrantes… Aliás, não paro de ler os brasileiros escritores migrantes como Gustavo Behr, Danielli Cavalcanti, Mara Parrela, Viviane de Santana… Um mexicano pai de brasileirinhos, aqui em Barcelona, chamado Juan Pablo Villalobos… Agora mesmo estou louco pra começar a ler Thiago Lee, muito mais que o filho da Maria Dantas (o que já é muito, conhecendo a mãe como eu conheço!).

PC – Onde encontrar seu livro?

FC – Como a impressão dos primeiros exemplares não foi suficiente para a demanda surpreendente (e gratificante), estou agora mesmo falando com uma amiga editora sobre o tema de distribuição e nova impressão. Peço que me escrevam, por favor, pro [email protected] para ver se já poderei lhes adiantar boas notícias.

PC – Já podemos esperar de ti um novo projeto literário? Qual?

FC – O título provisório é Guia Sentimental da Catalunha. Por enquanto só posso explicar-lhes esse nome, que já diz tudo. Além de um dos contos do livro Paraula, que está me insistindo pra se tornar romance, já não mais um relato curto. Por enquanto me concentrarei mais nas apresentações de Paraula, no Brasil e na Europa, em outras cidades – além de um novo Sarau, em Barcelona. Sem dúvida faremos algo no Festival Día de Brasil, em setembro. Mas antes também, em meados de agosto. Enquanto isso, agora mais que nunca, com os sentimentos à flor da pele, voltei a escrever poesia…

Contato – Flávio Carvalho: [email protected]

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