Paralisação e Saúde dos caminhoneiros

Com uma semana de paralisação do transporte rodoviário no Brasil, precisamos fazer algumas reflexões que qualifiquem o momento em que vivemos e tragam um olhar mais claro da realidade.

Por Douglas Kovaleski, para Desacato. info.

Para isso, começo a discutir esta mobilização a partir das suas aparências locais: na grande Florianópolis (segundo minha constatação in loco, a partir de muitas horas a observar e conviver nos pontos de paralisação) os caminhoneiros pedem diminuição do preço do óleo diesel e uma intervenção militar, sob a alegação de que apenas a intervenção militar seria capaz de “desmontar o esquema”, ou seja, nas palavras dos caminhoneiros, apenas os militares seriam capazes de destituir a presidência da república, o congresso nacional e o supremo tribunal federal. Desta forma, os problemas estariam resolvidos e o país estaria sendo passado a limpo.

Obviamente essa aparência não é apenas local, mas se repete em outros rincões do Brasil. Ao mesmo tempo, não se pode afirmar que essa seja uma característica geral das mobilizações. O que é sabido e sentido são as condições de vida dos caminhoneiros, muito aquém daquilo que um ser humano necessita. Elementos que não explicam, mas ajudam a entender a revolta instalada no país.

Os estudos realizados na Índia, na África e no Brasil https://www.scielosp.org/article/rsp/2002.v36n4suppl0/61-67/pt/ mostram que o grande período que os caminhoneiros de rota longa passam fora de casa é facilitador para práticas de risco, pelo grande número de parceiras sexuais casuais e pelo uso de drogas, principalmente o “rebite” (combinação de anfetaminas e álcool).

O uso de álcool e anfetaminas entre caminhoneiros cresce nos últimos anos e se tornando um sério problema de saúde pública. Os caminhoneiros de estrada representam uma categoria profissional de grande relevância na economia do Brasil. Assim, encontrar alternativas para minimizar o consumo abusivo dessas substâncias e conscientizar sobre seus riscos constitui importante desafio, assim como melhorar suas condições de trabalho e qualidade de vida.

A bebida alcoólica é muito consumida entre os caminhoneiros, além de ser uma das principais causadoras de acidentes e mortes no trânsito. Ganhando baixos salários, com dívidas pessoais, vivendo uma crise na economia e no setor de transportes, a rotina destes trabalhadores é cheia de exigências, como reduzidos prazos de entrega. Por conta disso, muitos caminhoneiros chegam a rodar mais de 18 horas por dia para cumprir prazos. Eles recorrem ao uso de anfetaminas e álcool para reduzir o sono e aliviar a ansiedade.

Dessa forma, o uso de anfetaminas e álcool, bem como a suscetibilidade às DSTs entre os caminhoneiros é um sério problema para a saúde pública em todo o território nacional. Embora a legislação proíba a venda de bebidas alcoólicas e a comercialização de anfetaminas em postos de combustíveis, há a necessidade de campanhas preventivas e educativas voltadas para esta categoria profissional. E a primeira dessas medidas é a valorização do trabalho dos caminhoneiros e o respeito aos limites do corpo.

No entanto, não é possível estimular que uma importante categoria profissional, como são os caminhoneiros sejam fisicamente mal tratados e politicamente ludibriados por uma mídia entreguista. Não podemos esquecer do desmonte da Petrobrás realizado de forma acelerada pelo governo Temer. Nem de um dado que marca a posição de servilidade internacional do Brasil, pois o petróleo cru é o produto mais exportado pelo Brasil para os EUA, enquanto o produto número 1 das importações do Brasil com os EUA é o óleo diesel e a gasolina.

Os caminhoneiros e o povo brasileiro precisa ter clareza do que precisa: autonomia, solidariedade e valorização do seu trabalho e de seus recursos naturais. Não há soluções mágicas. Só o diálogo e a politização podem fazer o país avançar.

Imagem tomada da: Blog da Proteauto

Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

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