Para especialistas, ocupação é nova forma de fazer política (sem partidos)

Por Janaína Garcia.

Movimentos de ocupação para protestar contra propostas do governo são ações antigas na forma, mas novas no conteúdo. E a tendência é que, em um cenário de crise política e desconfiança nas instituições, elas não recuarão tão cedo –é o que preveem especialistas em movimentos sociais ouvidos pelo UOL.

No caso das ocupações das escolas, as ações partiram de São Paulo, no ano passado, mas se espalharam neste ano para outras instituições e para outros Estados. Em outubro, o levante maior ocorreu no Paraná, que chegou a ter mais de 800 escolas estaduais ocupadas. O movimento se espalhou a ponto de o MEC (Ministério da Educação) ter que adiar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para mais de 270 mil estudantes.

De acordo com o professor de gestão de políticas públicas Pablo Ortellado, da USP (Universidade de São Paulo), as ocupações no Brasil datam pelo menos das décadas de 1970 e 1980, nas fábricas, com o movimento operário. Agora, explicou, é como se os ocupados buscassem não apenas a interdição desses espaços, mas também um novo significado para eles.

As ocupações recentes têm se fortalecido com uma proposta de conteúdo diferente das ocupações promovidas no século passado pelo movimento operário. Nas escolas, por exemplo, os secundaristas ou os alunos das Etecs não queriam basicamente interditá-las, mas fazê-las funcionar de outra maneira –de modo que essas ocupações se apropriaram do espaço e geraram um conjunto de atividades que faziam com que as escolas cumprissem sua função educativa.

Ortellado apontou propósito semelhante por parte do movimento #OcupaMinc, em que shows de artistas consagrados, como Caetano Veloso e Milton Nascimento, em ocupações ajudaram a mobilizar a opinião pública contra o que a classe chamou de “desmonte da cultura”.

Na época, os protestos foram desencadeados, logo após a posse de Michel Temer (PMDB), pela proposta de fundir o Ministério da Cultura com o MEC. Após dias de pressão, o peemedebista recuou.

São ocupações que não impedem o funcionamento desses espaços: elas os fazem funcionar de outra maneira –com as escolas, caso mais emblemático, elas não apenas impediram que a velha escola funcionasse, mas apontaram como a nova escola deve ser.

“Mas as ocupações atuais são muito mais horizontalistas, mais preocupadas com a democracia interna, e isso marca uma ruptura com esses movimentos do passado, como o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto] e o MST [Movimento dos Sem Terra]. Isso as deixa alertas para que disputas partidárias não as tomem, nem que partidos políticos se apropriem de suas causas”, afirmou.

Política fora do âmbito do partido

As ocupações mais recentes são uma forma nova de fazer política, na opinião da professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da Universidad Complutense de Madrid, a cientista política Esther Solano. Mas, a exemplo do pesquisador da USP, ela sublinhou: as características são bastante específicas.

São grupos de jovens que estão se politizando e tomando consciência como atores políticos, mas fora do âmbito do partido ou do movimento social tradicional.

“As ocupações são estruturas organizativas mais típicas da autogestão, mais horizontais, sem líderes determinados e com uma rejeição da hierarquia ou da verticalidade e liderança tradicionais e dos movimentos sociais. São jovens que querem fazer política, mas não se sentem identificados pelas formas institucionais de reapresentação política como os partidos”, afirma.

A pesquisadora lembrou também de outros movimentos autonomistas, nas décadas de 1990 e 2000, com os movimentos antiglobalização. “São formas organizativas que desafiam as hierarquias de representação política; jovens que querem participar em política, mas com outros modelos.”

Para ela, os jovens das ocupações de escolas, por exemplo, têm ideologia mais inclinada à esquerda, mas não necessariamente afeitas a figuras políticas que a marcam –caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal fundador do PT (Partido dos Trabalhadores).

A maioria desses jovens não acredita no projeto petista, por exemplo, porque para eles não há identificação histórica com o lulismo –basicamente, porque são muito jovens. 

“Além disso, o governo Dilma [Rousseff] se afastou muito das causas sociais e foi, inclusive, conivente em diversas ocasiões com a criminalização desses novos movimentos.”

A falta de identificação desses jovens com quaisquer correntes políticas mais definidas, segundo a professora, faz com que as ações de natureza horizontal –caso das ocupações e de grupos como o MPL (Movimento Passe Livre)– representem um desafio ao poder instituído.

“Esses novos movimentos criam um impasse de diálogo, porque o poder instituído não sabe dialogar com esse novo modelo, sem lideranças, mais fluido, flexível e dinâmico. Por outro lado, esses jovens não reconhecem os interlocutores da ‘velha política’. É um grande desafio incluir estes novos modelos na ordem representativa institucional”, avaliou.

Criminalização dos estudantes

Fonte: UOL.

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