Palco de tiros em caravana de Lula já sediou assassinatos de sem-terra

Por Carol Scorce.

Quedas do Iguaçu, pequeno município localizado na região centro-sul do Paraná, contabiliza um triste histórico de violência. Há quase dois anos, em 7 de abril de 2016, dois trabalhadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Vilmar Bordim e Leonir Orback, foram assassinados em confronto com a polícia. Os 128 tiros disparados pela polícia feriram ainda outros sete assentados do acampamento Dom Tomás Balduíno, dois deles ficaram hospitalizados em estado grave.

Na noite da quarta-feira 27 a cidade voltou à cena com a emboscada feita para a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um dos ônibus – que levava jornalistas e militantes do Partido Trabalhadores (PT) – foi atingido por quatro tiros. Lula estava no ônibus que puxava a comitiva. Ninguém se feriu.

O ex-presidente e seus apoiadores tiverem que lidar com manifestações extremistas, que repudiavam a presença do ex-presidente, em boa parte do percurso da caravana pelo Sul do país.

Até a última semana, as investidas se resumiram a faixas, ataques verbais, bonecos infláveis com Lula caracterizado como presidiário e ovadas. No domingo 25, os ovos foram trocados por pedras, e pregos jogados no asfalto. Agora, a ofensiva para que Lula não circule pela região veio com balas.

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Rivalidade e morte

Na época dos assassinatos no assentamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu, o MST afirmou que o confronto foi também uma emboscada, armada enquanto os trabalhadores circulavam de caminhonete e motocicleta, a seis quilômetros do acampamento – dentro do perímetro da área decretada pública pela Justiça – quando foram surpreendidos pelos policiais e seguranças entrincheirados.

O comando da polícia insistiu que o primeiro tirou foi disparado pelos assentados. Os trabalhadores apresentaram como contraprova os autos de apreensão das armas que supostamente pertenciam às vítimas. As pistolas apreendidas, descrevem os boletins de ocorrência da época, “estavam com as munições intactas”. Nenhum policial saiu ferido.

A tensão entre o MST e a Araupel S.A., empresa especializada em reflorestamento e beneficiamento de produtos em madeira e antiga proprietária de parte da terras onde está o assentamento, já dura mais de duas décadas.

No início dos anos 90, por causa do não cumprimento da função social da terra, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desapropriou perto de 27 mil hectares e instalou o primeiro projeto de assentamento para cerca de mil famílias.

O clima de guerra na cidade agravou-se uma semana antes dos assassinatos, mais de dez anos depois. Em 31 de março, cerca de 20 policiais da Força Nacional de Segurança Pública, instalados na região desde janeiro a pedido do governo do Paraná, deixaram a cidade. Enquanto estiveram na área, durante 90 dias, nada aconteceu.

Em 1º de abril, em uma reunião na prefeitura de Quedas do Iguaçu, foi anunciado o aumento do número de policiais militares na cidade. A pauta da reunião era a questão da terra, mas nenhum integrante do MST foi convidado a participar. Após a reunião, uma força-tarefa de 60 policiais desembarcou na cidade.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) formalizou a criação de vários assentamentos na zona rural da cidade nos anos 1990, mas cerca de 20 mil hectares continuam em disputa. A maior parte são áreas de acampamentos do MST, como o Dom Tomás Balduíno.

Fabiana Braga, de 22 anos, integrante do movimento que testemunhou as mortes dos amigos, foi acusada de participar da formação de uma organização criminosa e está presa desde novembro de 2016. Além de Fabiana, outros quatro trabalhadores foram presos. Na investigação, a Polícia Civil concluiu que os sem-terra se articularam para não deixar a PM entrar no acampamento no dia 7 de abril.

O MST afirma que nos últimos 25 anos, 17 agricultores sem-terra foram assassinados no Paraná. Além de Bordim e Orback, outras 59 pessoas foram assassinadas em conflitos agrários no país em 2016. O número foi um recorde no Brasil, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que estimou um aumento de 26% nas ocorrências em relação ao ano anterior.

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