Outro não lugar de Cézar, o Novo

Foto: Captura de tela
Foto: Captura de tela

Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.*

Temos alcaide em Florianópolis, ou autoridade semelhante? É possível. Houve um pleito eleitoral três anos atrás e alguém venceu. Que se fez daquela pessoa? Se não lembro mal, um moço claro, mediano, filho de alguém conhecido. Quem era? Que será dele hoje? Costumo ser dono de farta memória para meu desespero (a gente abusa de errar na vida…), no entanto, não me lembro da tal autoridade. Hei de buscar no mundo virtual, certamente nada escapa a essa galáxia. Já, nesta outra, onde os espaços humanos e vitais tendem a desaparecer não reaparecerá o governador do castelo.

E de fato não temos prefeito porque não é necessário. Florianópolis, como a Jangada de Pedra, de José Saramago, foi se separando do continente a caminho de Miami, ou Orlando, Long Beach, ou talvez, com rumo a Las Vegas.

Ficou nela uma nada de vida que não precisa de administrador. Com arautos espertos que criem a realidade eletronicamente é suficiente. Ante algum desajuste na conexão haverá tecnocratas acordados até altas horas meneando pastas que tudo contém. E se a sorte e o desfavor lhes ilumina com um resplendor de realidade, pois, aqui aparecerão as línguas matrizes que explicam o que as pesadas sombras não deixam entrever: o economês, o juridiquês, ora, e se faltar prosápia, que venha o politiquês.

A Corte Estável da Cidade pronunciará e prenunciará o que, de manso e plácido, o alcaide que um dia foi eleito não se atreveu. Com suas línguas ou … na porrada, digamos: na objetiva necessidade de que o progresso se constitua doa a quem doer. Assim funciona o castelo onde um dia viu-se o fantasma de Cézar, o novo, alcaide da Babilônia da modernidade. Novos ricos, atletas famosos, artistas mínimos e inversores de raros idiomas, alguns nativos abastados, e algum que outro chilique cultural em paródias de Disney rodeada de mar.

Cézar, o Novo, acredito que de tal modo era conhecido, tinha uma linha de conduta segura e pressagiável: “Tudo para o Castelo, nada para a plebe”. Ninguém poderá se sentir traído, olhando aquele moço em perspectiva, para trás e para adiante. Por esse invariável e conciso proceder, o Novo, não chamou a atenção de mais ninguém. A cada SIM e perdendo majestade. Sabe-se que corte e plebe precisam de expectativas, incógnitas, esperanças, desafios, algum que outro gesto inesperado, heroico, valente, mas, nada. Cézar só dizia Sim apontando a caneta para o mesmo lado. Perdeu o encanto e despareceu na névoa dos shoppings, entre as marcas e grifes que se esticam desde o Jardim da Paz, no anoréxico corredor da Corporated Polution da SC 401, até o morro que divisa com Santo Antônio. Houve antes de Cézar, o Novo, e da mãe do seu amigo Joãozinho, bela natura onde hoje pasta o cimento. Houve beleza antes dos galpões cinzas e brancos que parecem ossos perdidos no deserto.

Cézar conseguiu, de maneira ousada concluir as obras mais dignas dos seus antecessores alcaides. Escondeu os ricos em condomínios, cheios uns, duvidosamente vazios outros. Contribuiu solicitamente com a insegurança programada que aumentou muros, cercas eletrificadas. Deixou que os investidores de palácio cuidaram alguma das parcas praças do castelo. Certificou-se de que não acontecesse o desnecessário perigo de que a descarnada e metálica construção futurista de andaimes, viadutos, aterros e sinaleiras pertinazes, fosse atingido pela fealdade de parques públicos, gente pobre com mascotes de pobre, roupas e epítetos de pobre, e se agenciassem do que à Corte só pertence.

De tal sorte o Novo fez, que parece insensata a injusta insistência em esquecê-lo que todos tendem a possuir na comarca. Cézar não é necessário implicam e replicam. Cézar fez o que devia fazer, foi austero e encaminhou-se, com a vista fixa no outdoor de Kalvin Klein a jantar no McDonald’s. Cézar olha ao futuro e se marchou em silêncio para que só seja lembrada sua obra.

 Isso, até que um comentarista de variedades resolveu colocá-lo de novo entre a ribalta e o palco, e um prédio de 18 andares, se faz e se desfaz 24 vezes em uma semana. O comentador da classe média o reconstruiu numa dança bufa. Isto depois de se examinar do coração e em close social recheado de nada. Em tal cenário, o falador exibiu um trailer virtual do mais luxuoso NÃO LUGAR, e o espírito de Dubai se empossou do lírico ambiente.

Pobre Cézar, teve que retornar do seu denodado ostracismo e, 10 passos pra cá, 11 passos pra lá, tomou a espada que já pertenceu a Excalibur e disse, rebelando-se de sua habitual e esplendida inexistência: “SIM CACAU, MANTENHO O DECRETO”. Os tecnocratas da Fatma dormiram em paz e os donos do projeto soltaram foguetes, mas, isso é outra história que, naturalmente, Cézar, o Novo, não quer que seja lembrada. Apenas se recordará a sua obra.

*Raul Fitipaldi é jornalista e co-fundador do Portal Desacato e da Cooperativa de Produção em Comunicação e Cultura – CpCC.

1 COMENTÁRIO

  1. De fato, essa obra na ponto do coral, só vai atender a burguesia, mas ainda resta uma chance , se a população se unir e manifestar o seu repudio, pois tal ponto da ilha não pode ser privilegio ou privilegiar uma pequena parcela da população.

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