Os riscos da redução da maioridade penal

Foto: Reprodução/Fundação Casa.

Por Natália Silva.

“Pode ter certeza que reduzindo a maioridade penal, a violência tende a diminuir”, declarou Jair Bolsonaro à TV Bandeirantes após o final do segundo turno.

O presidente eleito afirmou também que se dependesse de sua vontade a idade penal seria reduzida para 14 anos. Como acredita que a medida não será aprovada, propôs uma redução gradativa começando com 17 anos.

O debate sobre a idade penal volta a ganhar espaço com a eleição do ex-militar, mas está longe de ser uma proposta nova. Sob comando do ex-deputado Eduardo Cunha, atualmente preso por corrupção, a Câmara aprovou em dois turnos a redução da maioridade penal para 16 anos em 2015.

Quando o projeto seguiu para a apreciação do Senado, acabou sendo encostado diante da oposição da maioria da Casa. Com a nova configuração ainda mais conservadora do Congresso, e o apoio direto do presidente eleito, a pauta pode voltar à tona.

A relação feita por Bolsonaro entre a idade penal e os índices de violência, no entanto, não é confirmada pelo levantamento ”A redução da maioridade penal diminui a violência? Evidências de um estudo comparado”, realizado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

De acordo com a conclusão dos pesquisadores Rodrigo Lins, Dalson Figueiredo Filho e Lucas Silva não há sinais de que haja um impacto positivo da redução da maioridade penal nos índices de violência.

Para chegar a esse resultado, o estudo levou em conta as taxas de homicídio por 100 mil habitantes de países com diferentes idades de maioridade penal e responsabilização penal. Na média, essas idades correspondem a 18 e 11 anos, respectivamente. O Brasil se aproxima da tendência global, com maioridade penal de 18 anos e responsabilização penal de 12 anos.

Não é só Jair Bolsonaro que apoia a redução. De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto DataFolha em janeiro de 2018, 84% dos brasileiros são a favor da mudança.

Rafael Custódio, coordenador do programa de justiça da ONG Conectas Direitos Humanos, acredita que esse resultado pode ser explicado por uma sensação de impunidade. No entanto, aponta que essa não é a realidade.

“É importante a gente quebrar essa falsa premissa de que não há responsabilização. Ela existe, mas ela é diferenciada”, explicou.

No Brasil, infratores menores de 18 anos estão sujeitos ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que prevê medidas socioeducativas no lugar do encarceramento do sistema penal adulto. Entre essas medidas está a internação, que pode variar entre 45 dias e três anos.

Custódio afirma que a falta de punição não se sustenta ao observar o sistema criado pelo ECA e por isso classifica o debate acerca do tema como falso.“Pelo que a gente conhece da realidade do sistema de Justiça socioeducativo, a internação do adolescente, o equivalente à sua prisão, é regra. Ou seja, mesmo atos infracionais mais leves são punidos pela internação, que é a punição mais séria”

Recordes brasileiros

De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, entre 2006 e 2016 a população carcerária do Brasil dobrou, enquanto a população geral cresceu aproximadamente 10%. Ao alcançar a marca de 726 mil presos, o Brasil passou a ocupar o 3º lugar no ranking mundial de população carcerária, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

Dados do Atlas da Violência apontam que nesse mesmo período a taxa de homicídios subiu 25%, batendo recorde em 2016 com 30 assassinatos por 100 mil habitantes. “Se prisão resolvesse alguma coisa nós deveríamos ser um país muito mais seguro”, comenta Custódio.

O sistema prisional brasileiro atravessa problemas históricos, como a superlotação e o alto índice de reincidência criminal. De acordo com dados do Conselho Nacional do Ministério Público do primeiro trimestre de 2018, a taxa de ocupação do sistema prisional atingiu 162,41%. Com capacidade para 31.463 pessoas, o Brasil aprisiona hoje 671.520.

Informações divulgadas pelo Conselho Nacional de Justiça em 2015 revelam que 1 em cada 4 condenados volta a cometer crimes. A pesquisa foi feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e levou em consideração os dados de indivíduos que voltaram a ser condenados num prazo de cinco anos. Índices de reincidência mais altos são revelados por pesquisas que levam em consideração também os presos provisórios.

Nesse cenário, Rafael Custódio aponta que inserir menores de idade no sistema penal adulto contribuiria para que a violência aumentasse ao invés de diminuir. “O Brasil criou um sistema carcerário que viola direitos, não recupera ninguém e só produz mais violência. Diante da realidade nós queremos trazer os adolescentes para essa lógica? Não faz sentido.”

Heloísa Dantas Souza, mestre em Psicologia Comunitária pela Michigan State University, também afirma que a redução da maioridade penal não é o caminho para combater a violência. Além de investimentos em educação e saúde, a psicóloga defende que a sociedade deve mudar o tratamento dado a esse assunto. “É um país que precisa olhar os adolescentes como seus filhos e não como inimigos.”

Cortina de fumaça

Os dois especialistas entrevistados por CartaCapital são contra a PEC 33/2012, que prevê a redução da maioridade penal em caso de crimes hediondos. Heloísa Souza argumenta que os adolescentes não devem ser inseridos na lógica penal adulta, pois o efeito poderia ser o contrário do esperado pela população que apoia a mudança. “Se você coloca um adolescente com outros adultos em uma condição precária e violenta, você está ajudando a produzir criminosos.”

Sobre o debate acerca da redução, a psicóloga acha que está se formando uma “cortina de fumaça” que desvia as atenções do problema real. A maioria dos atos infracionais cometidos por jovens estão relacionados ao tráfico de drogas, enquanto crimes hediondos representam um número menor.

Souza aponta que um investimento maior em inteligência policial ajudaria a pegar os “peixes grandes” do tráfico de drogas ao invés de manter a política de encarceramento em massa que não tem ajudado a reduzir os índices de violência no Brasil.

Custódio aponta que há ainda outro problema em segundo plano no debate da violência. Segundo dados do Ministério da Saúde, das 60 mil pessoas assassinadas por ano no Brasil 67,9% têm entre 15 e 19 anos. “Os números mostram que os adolescentes no Brasil são vítimas da violência e não autores da violência. Se nós quiséssemos tratar da questão dos jovens e da violência, deveríamos focar numa política de prevenção da morte dos próprios jovens.”

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