Os lutos do Brasil de 2016

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Por Jones Gaio*, de Caxias do Sul, para Desacato.info 

 

Conforme afirmava Trotsky, “a mentira, a calunia, a corrupção a venalidade, a coerção e o assassinato cresceram a níveis nunca antes vistos […] na verdade eram manifestações do declínio Imperialista. A decadência do capitalismo significa a decadência da sociedade contemporânea, com seu direito e sua moral. A síntese disso tudo é o fascismo, gerado diretamente da bancarrota da democracia burguesa diante dos problemas da época imperialista.” (TROTSKY, A moral deles e a nossa).

Em tempos de crise econômica e política, e acirramento na luta de classes em escala mundial, o afloramento de casos de corrupção e imoralidade são objetos de grandes jogadas políticas. Na disputa pelo poder, ocorre um verdadeiro vale tudo no interior da institucionalidade parlamentar em decadência. Basta nos lembrarmos das cenas de comédia pastelão, em que os deputados votaram o impeachment em nome da família, de Deus etc…

É muito comum para os moralistas liberais e para a grande mídia em geral, uma reivindicação superficial e abstrata: o clamor pelo “fim da corrupção”. Podemos perceber o vazio político que esta reivindicação tem, pois até Hitler foi capaz de um dia discursar “contra a corrupção”. Contudo, esses filisteus caem no discurso moralista, ao invés de descer até a raiz do problema através de uma análise profunda do próprio sistema. Evidentemente, esses ideólogos não poderiam penetrar até o fundo da questão, pois o conservadorismo é moralista por excelência, sendo assim, não poderiam adentrar até a essência do problema, já que seria a sua própria negação. É a anti-política por excelência.

Entretanto, o que deveríamos nos perguntar seria: se o próprio sistema econômico e político não encerram em si elementos e tendências corruptoras? Quando falamos em sistema econômico, estamos sugerindo o capitalismo na sua fase imperialista, o capitalismo dos monopólios. Quando falamos em sistema político, nos referimos à frágil e decadente democracia liberal burguesa, no caso, controlada pelos monopólios.

Afinal, o capitalismo não engendra na consciência a satisfação individual e a competição implacável? Não estimula a busca pelo lucro privado? O acúmulo de riqueza? Não se pauta na especulação e na jogatina financeira? Na concorrência ilimitada? Bem, isso leva em conta o interesse público ante o particular? Essas premissas não impulsionariam tendências “individualistas” em detrimento de tendências “coletivas”? E quanto a um punhado de bancos que colocam a humanidade inteira em crise, a beira da falência e da miséria? Ou então, quando estes sugam, através da agiotagem nacional e internacional, grande quantidade de riqueza socialmente produzida? Isso não se caracteriza corrupção?

De forma alguma, diriam os defensores do capitalismo, afinal são os “riscos do mercado”. Mas esses elementos são punidos? Não, porque estavam dentro da lei. Mas o que é a lei, senão mais uma abstração? E quem cria as leis? São os próprios capitalistas, através dos seus serviçais: os parlamentares. É óbvio que os burocratas e políticos carreiristas, toda essa camarilha, junto às empreiteiras, banqueiros e lobistas de toda espécie, que financiam suas campanhas, estão imersos em seus próprios interesses, contribuindo assim, para a reprodução da lógica do sistema capitalista.

Marx argumentava em 1846, no livro “A ideologia Alemã”, que a consciência social é formada através da ideologia, ou seja, um conjunto de idéias morais, culturais, filosóficas que constroem a visão de mundo e subjetividade dos indivíduos de dada sociedade. Porém, Marx chamava atenção para o fato de que “as idéias dominantes de cada época histórica sempre são as idéias da classe dominante”. Disso, podemos deduzir que vivemos em uma sociedade moldada pelas idéias burguesas, porque a burguesia molda o mundo de acordo com seus ideais, surgidos a partir da ideia fabricada pela consciência a partir do mundo real e as relações estabelecidas entre os indivíduos enquanto membros ativos de classes sociais que participam do processo de produção da vida material. A ideologia é o cimento que entrelaça o tecido social. Sem a ideologia, toda construção do mundo burguês desmoronaria por completo, pois as contradições seriam desveladas. Mas, a ideologia dominante é uma inversão da realidade, devido ao fato de esconder suas contradições e mostrar o mundo burguês com seus valores como sendo algo supra histórico, eterno e harmonioso. Na consciência dos indivíduos a ideologia opera uma dominação simbólica onde o dominado não se vê como dominado.

Dessa forma, de onde surge a consciência social, a moralidade e a ética? Essas ideias caem do céu? Por acaso são verdades eternas e absolutas? De modo algum. A moral, o direito, a ética, ou seja, todo edifício ideológico que forma a consciência social, se constrói determinada pelas condições materiais geradas pelo modo de produção, ou seja, provém da construção ideológica da classe social que domina esse modo de produção. Assim, o que existe de fato, é uma moral, um direito de classe. Logo, caso do capitalismo, um direito burguês e uma moral burguesa.

Nesse sentido, a própria democracia representativa, com seus financiamentos privados dos partidos por mega empresas, bancos, as alianças e trocas de cargos e ministérios pelos partidos da burguesia, está impregnada de corrupção em seu cerne. Muitos poderão gritar: “é hora de uma Reforma Política!”. Seria a burguesia inocente a ponto de abrir mão do controle no seu jogo de dominação? O reformismo, por exemplo, é uma manobra clássica dos agentes da burguesia infiltrados no movimento operário para iludir os trabalhadores, ganhar tempo diante de uma situação de crise e deixar tudo como sempre esteve. Outra manobra clássica, é transformar o debate político em caracterizações pessoais e moralistas, como é o caso do “discurso contra a corrupção”.

Lênin afirmava no início do século XX que o imperialismo, a atual etapa do capitalismo inaugurada no final do século XIX, era a “última fase do capitalismo, época de guerras e revoluções proletárias”. É evidente, que um sistema mundial em crise e decadência econômica, destrói seu edifício de abstrações morais e éticas, pois não carecem de nenhuma base real e muito menos absoluta. É na decadência da democracia liberal frente à crise estrutural do capital, assim como numa derrota ou um impasse da esquerda, que tendências obscurantistas e primitivas como o fascismo brotam. O niilismo do final do século XIX era uma dessas manifestações da decadência da sociedade burguesa na filosofia, arte e literatura da época. O fascismo com todos seus elementos reacionários era outra manifestação que se nutria da decadência da sociedade burguesa. O fascismo é a síntese do mal estar político de uma classe média desesperada diante do perigo da crise e de uma revolução social. O irracionalismo e a anti-política imperam. O perigo se torna grave quando o fascismo ganha as massas populares.

E as massas populares no Brasil estão imensamente atrasadas culturalmente e politicamente, graças aos 13 anos de desconstrução da consciência de classe promovida pelo governo petista de conciliação de classes. A desconfiança com o “estado democrático de direito” e o jogo eleitoral é grande e não podia ser diferente. O problema, é que não foi construída uma alternativa de esquerda para superar a institucionalidade burguesa e pior, o “Partido dos Trabalhadores”, desarticulou a consciência de luta da classe trabalhadora e as organizações de classe como a CUT e a UNE que foram forjadas na luta de classes, e que foram convertidas em correias de transmissão da burocracia partidária. O desafio colocado para os setores da esquerda é romper essas amarras.

Discursos morais contra corrupção ou sobre uma suposta ética na política não levarão a lugar algum. Só servem para chantagem no jogo partidário pelo poder do estado burguês. Esse não é o verdadeiro debate histórico. O que devemos considerar é a base real, material que determina questões morais. Toda questão filosófica, ética, moral e de direito, tem suas bases na vida material e na luta de classes. O fortalecimento de setores fascistas tem sua base material na crise do capitalismo e a conseqüente instabilidade econômica e política. O conservadorismo reacionário surge, sobretudo, diante do limite dos governos ditos reformistas, “populares” que esgotam suas possibilidades democráticas, de tentar conciliar interesses de classe antagônicas e chegando a um impasse diante das contradições geradas pelas crises cíclicas do capitalismo a nível mundial.

A política e a luta de classes estão tomando as ruas. Os partidos e principalmente os blocos de classe estão em deslocamento, tomando suas posições. O tempo avança mais rápido em conjunturas de crise política e essas posições serão colocadas à prova através da experiência histórica. Penso que a tarefa urgente da esquerda seja, mais do que nunca, retomar a dialética marxista e toda sua força de análise histórica, no sentido de construir uma frente anti-capitalista, impulsionar o debate acerca de um programa estratégico e tático diante da conjuntura atual, unificar as lutas, mobilizar e manter uma relação orgânica e de diálogo com as massas trabalhadoras e a juventude para uma saída pela esquerda diante do impasse político que está colocado. O caminho é a elevação da consciência de classe, transpor o limite da “classe em si” para a “classe para si”, ou seja, independência de classe. Mas, somente com a experiência das lutas reais dos trabalhadores, da juventude e de todos os setores explorados, diante do esgotamento da velha estratégia reformista de conciliação de classes (já diria Marx, que o capitalismo é irreformável), a esquerda poderá organizar a vanguarda dos trabalhadores e dos estudantes, no sentido de construir uma direção e um programa revolucionário contra a ofensiva do capital.


*historiador marxista

Legenda da imagem: domínio público

 

 

 

 

 

 

 

 

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