Os limites da mídia e o futuro de Israel

Por Marino Boeira*.

Quando você quiser arrumar algum incômodo fale de um desses temas: a necessidade de submeter a mídia ao controle da sociedade e a opressão do Estado de Israel faz sobre os palestinos. Vão dizer que você é contra a liberdade de expressão, mesmo que você prove que o controle social sobre os veículos de comunicação é uma forma de garantir esse direito à maioria das pessoas e que – suprema ofensa – você é antissemita, mesmo que você defenda a existência livre de todos os povos, inclusive os judeus. Agora, juntar os dois temas no mesmo artigo é pedir para que pedras e raios caiam sobre sua cabeça. Essa junção não é, porém, gratuita. Ela nasce de duas leituras sobre estes temas. Primeiro a questão da mídia, posta em evidência mais uma vez no Brasil, principalmente pelas matérias da revista Veja contra os petistas e o ex-presidente Lula em particular.

Que os grandes veículos de comunicação na história recente do Brasil sempre se comportaram como partidos políticos de direita não é novidade. Foi assim no apoio ao golpe de 64, na eleição de Collor, depois abandonado quando se tornou inconfiável para o sistema e no apoio aos candidatos derrotados por Lula e Dilma nas últimas eleições. Essa tentativa de uma imprensa comprometida com os grandes negócios do sistema capitalista de interferir na vida da sociedade, obviamente não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Na semana passada, a confirmação de que este é um tipo de atividade que existe no mundo inteiro, veio da Inglaterra.

Falando perante a Comissão Leveson da Corte de Justiça Britânica, que examina as interferências dos veículos do magnata Rupert Murdoch nos negócios do governo, o ex-primeiro ministro Tony Blair disse que precisou cortejar os meios de comunicação para não ser alvo da ira dos poderosos magnatas do ramo.

-“Se você é um líder político e tem grupos de comunicação muito poderosos e deixa de cair nas graças de um deles, as consequências disso são que (…) você está efetivamente impedido de difundir sua mensagem”

O ex-premiê disse que a relação próxima entre políticos e mídia foi inevitável, mas se converteu em algo “não saudável” quando os grupos tentaram usar os jornais como instrumento de poder político.

— “Se você se desentende com o elemento controlador do “Daily Mail”, você será alvo de um grande e sustentado ataque”

Descritos por Blair como “animais selvagens” os grandes grupos de mídia – principalmente o Sun, de Murdoch, um tablóide sensacionalista, foram responsáveis pela eleição de Blair como primeiro ministro em 1997, depois que ele foi a Austrália negociar o fim das críticas dos jornais de Murdoch aos trabalhistas e seu apoio ao Labor Party.

Aparentemente, qualquer semelhança com acontecimentos no Brasil envolvendo interesses da mídia e do governo será mera coincidência.

O outro tema espinhoso – a legitimidade das ações do governo de Israel na Palestina – foi motivado pela leitura do livro “A Invenção do Povo Judeu” (editado originalmente em francês em 2011, com o título de “Comment le peuple juif fut invente?” e editado no Brasil pela Benvirá, um selo da Editora Saraiva)  de Shlomo Sand, professor de História Contemporânea da Universidade de Tel-Aviv. Em alentadas 570 páginas, o professor demonstra, contra antigos mitos e crenças históricas, que os judeus contemporâneos descendem em sua maioria de povos convertidos, originários de diversos pontos do meio oeste e da Europa Oriental, principalmente os khazares, rompendo assim a linha de pensamento que coloca os judeus atuais como descendentes diretos de Abrahão, Isaac e Moises, de acordo com os ensinamentos do Velho Testamento. Essa linha de descendência mitológica serve como justificativa para o Estado de Israel, desde a sua fundação em 1948, permitir que tenham direito à plena cidadania apenas as pessoas consideradas como judeus, mesmo aquelas que vivam fora de Israel, de acordo com a chamada Lei do Retorno, ao mesmo tempo em que exclui uma boa parcela de árabes israelenses nascidos dentro de suas fronteiras após a independência. Analisando praticamente todas as fontes – principalmente as originárias de historiadores comprometidos com a visão sionista da criação do Estado de Israel – Shlomo mostra a incompatibilidade entre o fato de Israel se definir como um Estado do Povo Judeu e ser uma democracia.

No final do seu livro, Shlomo propõe uma alternativa para a atual situação na Palestina, ainda que ele mesmo considere uma utopia.

“A solução ideal, que, consideradas a ligação e a promiscuidade territorial entre judeus e árabes, permitiria resolver um conflito de cem anos, seria evidentemente a criação de um Estado democrático binacional, que se estenderia do Mediterrâneo ao Jordão, mas não seria particularmente razoável esperar do povo judeo-israelense, depois de tão longo e sangrento conflito, e em razão da tragédia vivida por um grande número de seus fundadores imigrados no século XX, que ele aceite tornar-se da noite para o dia uma minoria em seu país. No entanto, se fosse aberrante, no plano político, pedir aos judeus-israelenses liquidar seu Estado, seria preciso em compensação exigir que deixem de considerá-lo sua propriedade indivisa e de fazer dele um Estado segregacionista que discrimina uma grande parte dos seus cidadãos, visto como estrangeiros indesejáveis.”

Certamente, o professor Shlomo não pode ser considerado como um antissemita, nem discutir os temas que ele propõe receber este rótulo.

*Marino Boeira é professor universitário.

Fonte: http://sul21.com.br/

Foto: Livro de Shlomo Sand.

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