Os jornais e os operários, por Antonio Gramsci

Desenho de Gianluca Costantini para o Instituto Gramsci de Turim

Socialista Morena.- É a época da publicidade para as assinaturas. Os diretores e os administradores dos jornais burgueses arrumam as suas vitrines, passam uma mão de tinta na tabuleta e chamam a atenção do passante (isto é, do leitor) para a sua mercadoria. A mercadoria é aquela folha de quatro ou seis páginas que todas as manhãs ou todas as tardes vai injetar no espírito do leitor a maneira de sentir e de julgar os fatos da atualidade política que mais convém aos produtores e vendedores de papel impresso.

Iremos tentar discorrer, para os operários especialmente, sobre a importância e a gravidade daquele ato aparentemente tão inocente que consiste em escolher o jornal que se pretende assinar. É uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão.

Antes de tudo, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja a sua tinta) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma ideia: servir à classe dominante, o que se traduz num fato: combater a classe trabalhadora. E, realmente, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação.
Mas o pior reside nisto: em vez de pedir dinheiro à classe burguesa para subvencionar a obra de defesa feita em seu favor, o jornal burguês consegue fazer-se pagar pela própria classe trabalhadora que ele combate sempre. E a classe trabalhadora paga, pontualmente, generosamente.
Centenas de milhares de operários contribuem regularmente todos os dias com seu dinheiro para o jornal burguês, aumentando a sua potência. Por quê? Se perguntarem ao primeiro operário que encontrarem no bonde ou na rua, com a folha burguesa desdobrada à sua frente, ouvirão esta resposta: “porque preciso saber o que há de novo”. E nem sequer lhe passa pela cabeça que as notícias e os ingredientes com as quais são cozinhadas podem ser apresentados de uma forma que dirija o seu pensamento e influa no seu espírito num determinado sentido. E, no entanto, ele sabe que tal jornal é conservador, que o outro é interesseiro, que o terceiro, o quarto e o quinto estão ligados a grupos políticos que têm interesses diametralmente opostos aos seus.
Todos os dias, pois, ocorre a este mesmo operário a possibilidade de constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe operária. Estoura uma greve? Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre os desordeiros, os partidários, os vândalos. O governo aprova uma lei? É sempre boa, útil e justa, ainda que seja o oposto. Desenvolve-se uma campanha eleitoral, política ou administrativa? Os melhores candidatos e programas são sempre os dos partidos burgueses.
E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou omite ou distorce ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disto, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês não tem limites. É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente na mão do jornaleiro é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária.
Se os operários se convencessem desta elementaríssima verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais dos operários, isto é, a imprensa socialista. Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pelas campanhas de assinaturas feitas por todos os jornais burgueses. Boicotem, boicotem, boicotem.

Antonio Gramsci, no Avanti! em 1916

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