Os desafios das escritoras brasileiras do século XIX

O “Panthéon Feminino” das Letras.

Por Laila Correa e Silva.

Josephina Alvares de Azevedo (1851-1913) e Maria Ignez Sabino Pinho Maia (1853-1911) foram duas mulheres de letras com destaque na imprensa feminista brasileira de fins do século XIX. Essas duas mulheres além de dedicarem-se profissionalmente à escrita, travaram lutas políticas em prol da emancipação feminina. A imprensa foi um campo de batalha profícuo para conquistas e o simples ato de escrever e publicar textos já era, em si, uma atitude subversiva para as mulheres.

Uma das vias pelas quais Josephina Azevedo e Ignez Sabino atuaram pela causa feminista consistiu em escrever e registrar a história das mulheres que as antecederam. Assim como hoje pensamos que a memória feminina deve ser escrita e presente em todos os meios de comunicação, bem como no âmbito acadêmico, Josephina e Ignez mostraram que essa preocupação foi constante.

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Acervo da Fundação Biblioteca Nacional, s.d.

Ignez Sabino, escritora baiana, dedicou-se com afinco à causa da escrita de autoria feminina. Uma de suas obras mais interessantes é Mulheres Ilustres do Brasil (1899), composta por pequenas biografias de mulheres que se destacaram publicamente na história do Brasil desde o período colonial e, mesmo assim, não encontraram notoriedade na memória brasileira- ainda em fins do século XIX. É notável que tal questão aparentemente tão atual preocupasse as mulheres do século XIX de forma tão especial, pois, além de Sabino, Josephina Azevedo, nascida no Recife, também adotou essa estratégia para evidenciar a presença feminina na sociedade e na política, publicando sua Galeria Ilustre (mulheres célebres) em 1897.

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Acervo da Fundação Biblioteca Nacional (Retrato publicado em A Família, 1889).

Ao contrário de Ignez Sabino, Josephina Azevedo escreveu sobre mulheres europeias, tais como Joana D’Arc, Heloisa, George Sand, dentre outras não europeias como Cleópatra e Pocahontas. A grande motivação de Josephina foi reunir em um único volume as notas biográficas publicadas em seu jornal A Família, periódico feminista que começou a circular em São Paulo (1888) e no ano seguinte foi transferido para o Rio de Janeiro e sobreviveu até o fim dos anos 1890, nele Ignez Sabino também publicou poesias, contos e editoriais. Segundo Azevedo, a sua obra era “um pequeno contingente (…) para a história das mulheres célebres, que é muito grande, quase tanto a dos homens que mereceram este epiteto”. Ainda assim, continua a jornalista, “é um subsídio à propaganda de emancipação que se universaliza”.

Ignez Sabino, narrando a história de suas conterrâneas, as mulheres brasileiras, definiu da seguinte forma o seu objetivo como “obscura historiadora”:

“Eu quero ressuscitar, no presente, as mulheres do passado que jazem obscuras, devendo elas encher-nos de desvanecimento, por ver que bem raramente na humanidade se encontrará tanta aptidão cívica presa aos fastos da história”.

Com isso, a escritora baiana evocou também a necessidade de exaltar as mulheres “que mais se sobressaíram nas letras”. O seu propósito era claramente político e seu registro reafirmou que as mulheres não deveriam viver apenas por suas “virtudes” e “graças”, mas, principalmente, necessitavam “agir pela inteligência, de acordo com seus deveres morais e cívicos”. Há certamente a conclamação para uma ação política e conjunta das mulheres! “São quarenta e tantos vultos deixados nesse livro” pela “obscura pena” de Ignez Sabino. Sim, cara leitora, mais de quarenta escritoras brasileiras pesquisadas por Sabino, desde o período colonial até o Brasil Republicano de fins do século XIX. E isso era muito pouco, dado que Ignez citou apenas as escritoras mortas até o período de publicação do livro, deixando de fora do relato suas companheiras de escrita na imprensa carioca e em outros locais do Brasil: que foram muitas.

O “Panthéon Feminino” das escritoras brasileiras era imenso, no entanto, ainda hoje, precisamos resgatá-las do lugar marginal que ocupam em nossas letras nacionais. “E isso tem explicação?”- perguntaria a paciente leitora que teve a bondade de me acompanhar até aqui…

Josephina Azevedo destacou a distância existente entre homens e mulheres de letras. A fundadora, redatora-chefe e proprietária do jornal A Família escreveu um breve editorial em seu jornal no dia 17 de maio de 1890, com o título “Homens de Letras”. Seu objetivo era comentar as primeiras movimentações para a criação da Academia Brasileira de Letras. Dentre outras observações, Azevedo disse:

“A associação dos Homens de Letras muito poderá conseguir, e se realizar as ideias contidas na propaganda feita pelo Sr. Pardal Mallet, constituirá a mais gloriosa das sociedades brasileiras. Quando farão as mulheres o mesmo? Nunca, decerto.”

Há, certamente, a constatação de que as mulheres estariam menos articuladas do que os homens de letras, mas, há também um tom provocativo, irônico e dúbio: as mulheres nunca fariam o mesmo, pois não têm o mesmo reconhecimento. É necessário buscá-lo… Por outro lado, Josephina Azevedo deixou transparecer certo desânimo diante da falta de apoio feminino amplo à propaganda pela emancipação da mulher brasileira. Por exemplo, em 31 de maio de 1890, no artigo publicado em A Família com o título “Negação para o bem” a redatora-chefe traçou um quadro da indiferença cruel de muitas mulheres da “grande” sociedade perante o compromisso de seu jornal, sintetizando os julgamentos emitidos por algumas dessas senhoras com os seguintes exemplos: a mulher não deve perder tempo lendo jornais, a mulher deve ser boa mãe de família e não boa literata. E, dessa forma, “muitos outros disparates, e todos eles se resumem a este bárbaro e lamentável conceito: a mulher não deve ter direitos e deve ser estúpida”.

Os julgamentos que pesavam sobre as mulheres de letras refletem a pressão social exercida sobre todas as mulheres. O que a sociedade de fins do século XIX esperava de uma mulher? Ser a esposa, ser a mãe. Mas, o que podemos constatar de modo patente é que: muitas mulheres queriam mais do que isso. Por isso, Josephina Azevedo, Ignez Sabino e tantas outras mulheres dedicaram-se à escrita e, junto com a escrita, assumiam o compromisso de lutar pela emancipação feminina. O que nos cabe agora? Sugiro que continuemos escrevendo e lutando também. Mas, sobretudo, não vamos nos esquecer de mulheres como Josephina Alvares de Azevedo, Ignez Sabino e tantas outras que têm nome, obras e tiveram o impulso notável de lutar para que hoje pudéssemos ter consciência da potência que nossa escrita sempre teve. Vamos valorizar as mulheres de ontem e hoje.

Referências.

A Família (São Paulo-Rio de Janeiro), 1888-1894. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx

AZEVEDO, Josephina Alvares de. Galleria Illustre (mulheres célebres). Rio de Janeiro: Typ. a Vapor, 1897.

SABINO, Ignez. Mulheres ilustres do Brasil. Florianópolis: Editora Mulheres, 1996.

 

Laila Correa e Silva é filósofa e historiadora. Atualmente é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História Social da UNICAMP.

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