Os Clintons e Wall Street: uma parceria de 24 anos

Por Richard W. Behan – CounterPunch.

Nos últimos vinte e quatro anos, os Clintons estão envolvidos em uma relação conjugal com Wall Street, de imenso benefício financeiro para ambas as partes. Eles receberam $68,72 milhões dos bancos de Nova York em contribuições de campanha e outros $8,85 milhões em honorários de palestras. Em contrapatida, os bancos lucraram centenas de bilhões de dólares em práticas que anteriormente eram proibidas, mas que a administração Clinton conseguiu legalizar.

A extraordinária ambição das carreiras de Bill e Hillary Clinton desafiam qualquer tentativa de descrição. Eles passaram boa parte das suas vidas adultas solicitando dinheiro dos outros para seu próprio benefício. Um artigo de 2014 na revista Time dizia:

“Poucos na história americana foram beneficiados com tantos recursos de tantas maneiras distintas durante tanto tempo(…). Os Clinton receberam pelo menos $1,4 bilhões em contribuições…”

A Time não cavou a fundo. Uma investigação mais exaustivamente detalhada no Washington Post, apenas um ano depois, dobrou essa estimativa para $3 bilhões.

Essa ambição impiedosa, que colocou Bill Clinton na Casa Branca duas vezes e que enviou Hillary Clinton duas vezes ao Senado, mais uma vez se precipita sobre a presidência americana. Ela também fez dos Clintons um dos casais mais ricos do país.

Hillary Clinton detém um patrimônio líquido de $45 milhões de dólares; Bill Clinton detém $80 milhões. Se mensurado pela riqueza da família, isso coloca o casal no top 1% dos EUA.

Os Clinton reconfiguraram o Partido Democrata a serviço próprio, antes defensor dos trabalhadores, agora mero cãozinho de Wall Street e das grandes coorporações. Inteligentemente, os Clinton ainda apelam ao seu eleitorado tradicional; mas, para servir a sua nova clientela, o partido abandonou os estratos menos favorecidos da sociedade americana, especialmente as comunidades negras.

Bill Clinton teve grande importância no Democratic Leadership Council (Conselho da Liderança Democrata) e se tornou o primeiro presidente eleito em seus moldes.

Depois de uma vitória esmagadora pelos republicanos em 1984, alguns líderes democratas propuseram uma guinada ao centro, isto é, uma postura mais conservadora para o partido. Seria uma política menos ameaçadora para interesses empresariais e poderia inclusive atrair apoio financeiro das corporações. O Conselho da Liderança Democrata nasceu para promover essa nova visão dentro do partido e gradualmente conquistou influência, até que a presidência de Bill Clinton tornou o centrismo conservador dos democratas uma postura quase definitiva.

Como governador do Arkansas, Bill Clinton presidiu o Conselho da Liderança Democrata de 1990 a 1991, cortejando empresas americanas que mais tarde lhe serviriam muitíssimo bem. Amparado por $11,17 milhões em contribuições de campanha de Wall Street, Clinton tornou-se o primeiro presidente do DLC em 1993. Hillary Clinton estava ao seu lado como ministra de fato, embora sem-pasta.

Aquele era o “Novo Partido Democrata”, disse o presidente Clinton. E ele logo demonstraria o quão longe para a direita ele direcionaria sua agenda.

Alegando que “a era do grande governo acabou”, o presidente Clinton prometeu “acabar com o Estado de bem-estar social como o conhecemos”. E assim ele fez, mediante assinatura do Personal Responsibility and Work Opportunity Reconciliation Act. A lei prejudicou severamente as famílias de baixa renda, sobretudo as comunidades negras. Clinton também se orgulhou do Violent Crime Control and Law Enforcement Act, que vertiginosamente culminou no encarceramento em massa contemporâneo e gerou o atual complexo prisional privado com fins lucrativos. Mais uma vez, uma lei que impactou profundamente sobre as comunidades negras e latinas.

Era hora, então, de favorecer a América corporativa.

O presidente Clinton promoveu vigorosamente o “livre comércio”, assinando o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) e apoiando fortemente a Organização Mundial do Comércio. Esse “livre comércio” foi extremamente benéfico para as grandes corporações americanas. Entre as exportações do país, durante os anos Clinton, incluem-se os postos de trabalho industrial de 9,2 milhões de trabalhadores americanos.

O amplo favorecimento a Wall Street veio em seguida.

Em janeiro de 1995, Clinton nomeou Robert Rubin, o co-presidente da Goldman-Sachs, como seu secretário do Tesouro. Rubin trabalhou arduamente em duas leis de estupendo valor para os bancos de Nova York, mas o primeiro mandato do presidente Clinton terminou antes que pudessem ser promulgadas.

Diante da necessidade de garantir a reeleição de Clinton, Wall Street quase triplicou seus investimentos de campanha, de $11,17 milhões em 1992 para $28,37 milhões em 1996.

Prosseguindo com sua pasta, o secretário Rubin triunfou com a aprovação da Lei de Modernização dos Serviços Financeiros de 1999 [Gramm–Leach–Bliley Act], que revogou a legislação de Glass-Steagall (1933). Agora era mais uma vez legal que as instituições financeiras combinassem bancos comerciais, bancos de investimento e seguradoras; em essência, permitiu a utilização dos fundos dos depositantes para negociações do próprio banco no mercado de ações.

Um ano mais tarde, o Presidente Clinton assinou a Commodity Futures Modernization Act. Esta lei acabou com a regulamentação sobre os derivativos, liberando Wall Street para fabricar títulos lastreados em hipotecas e vendê-los sem restrições. Esses derivativos complexos iriam alimentar a fraude do “subprime” que explodiria em breve.

Enquanto isso, no Departamento de Justiça de Clinton, um vice-procurador-geral nomeado Eric Holder, em 1999, escreveu um memorando intitulado Bringing Criminal Charges Against Corporations [“Entrando com ações penais contra corporações”]. Essa tornou-se a Doutrina Holder, que depois da crise financeira de 2008 seria de valor incalculável para os bancos de Wall Street. Ao deixar a Administração, Holder entrou na Covington Burling, o maior escritório de advocacia em Washington, DC. Entre seus clientes, estavam Morgan Stanley, Citigroup, JP Morgan Chase, UBS, Bank of New York Mellon, Deutsche Bank, Wells Fargo e o Bank of América.

(…)

A gratidão de Wall Street rapidamente encontrou sua expressão. Quando os Clinton deixaram a Casa Branca, eles compraram uma residência de 7 cômodos perto do Embassy Row em Washington, com uma hipoteca no valor de $1,995 milhões. Deve ter sido um protótipo de “subprime”, porque os Clintons “(…)não apenas estavam falidos, mas tinham uma grande dívida”, como o Sr.Clinton recordou mais tarde. Robert Rubin, no entanto, tinha saído do Departamento do Tesouro e entrado para o Citigroup, onde os quase $2 milhões em crédito foram rapidamente concedidos.

Os Clintons deram conta dos pagamentos da hipoteca. Dezesseis dias depois de deixar a Casa Branca, Bill Clinton fez uma palestra para um das empresas de Wall Street, Morgan Stanley, em que recebeu $125 mil dolares. Esse foi apenas o primeiro de muitos discursos que proferiu aos bancos de Wall Street nos anos seguintes. Até maio de 2015, o Sr. Clinton tinha recebido $1,69 milhão da UBS, $1,55 milhão da Goldman Sachs,, $1,075 milhão do Bank of America, $770 mil do Deutsche Bank e $700 mil do Citigroup. No total, $5.91 milhões.

Mas Hillary Clinton ainda embarcaria em sua própria carreira política.

Ao deixar a Casa Branca, os Clintons não ocuparam sua casa em Washington de imediato. Ao invés disso, mudaram-se para uma casa de 5 quartos em Chappaqua, Nova York, no valor de $1,7 milhões de dólares. Por que Nova York? Os últimos seis ex-presidentes haviam retornado para seus estados de origem, tranquilamente fora do olhar público. Mas Hillary Clinton queria concorrer ao Senado, e de Nova York, não do Arkansas. Será que a simpatia de Wall Street ainda esperava mais dos Clintons?

Certamente que sim. Os bancos de Wall Street subscreveram a ambição senatorial da Sra Clinton, contribuindo com $2,13 milhões para sua campanha. Entre os agradáveis bancos estavam Citigroup, Goldman Sachs, UBS, JP Morgan Chase, CIBC e Credit Suisse.

Com o novo século se desenrolava o esquema das hipotecas subprime habilitado pelas leis de “modernização” do Clinton e se inflava uma bolha épica nos preços dos imóveis. Em 2008, a bolha estourou. Os valores de propriedade caíram, seguidos pela economia americana. $13 trilhões em riqueza das famílias americanas desapareceram. Nove milhões de trabalhadores perderam seus empregos. Cinco milhões de famílias foram expulsas de suas casas. Isto é o que “Novo Partido Democrata” de Bill Clinton acarretou. Os trabalhadores como um todo foram prejudicados, com destaque para as comunidades negras.

Muitos bancos de Nova York enfrentaram insolvência, com carteiras inchadas de títulos lastreados em hipotecas quase sem valor – os chamados “ativos problemáticos”.

No entanto, os bancos tinham um campeão. O presidente George Bush, seguindo a linha de Bill Clinton, também nomeou um CEO da Goldman Sachs como seu secretário do Tesouro. Henry Paulson não perdeu tempo em obrigar os contribuintes norte-americanos a cobrir as perdas dos bancos nova-iorquinos – a sua própria perda enquanto Goldman Sachs e a do restante dos vigaristas. A Lei de Estabilização Econômica Emergencial de 2008 – o “Troubled Asset Relief Program” [ou “programa de apoio aos ativos depreciados”] – foi promulgada em 01 de outubro pelo presidente Bush. A lei destinou $700 bilhões para que Paulson comprasse títulos depreciados dos bancos.

A senadora Clinton votou a favor do projeto de lei, dizendo a uma emissora de rádio de Nova York no dia seguinte: “Eu acho que os bancos de Nova York (…)provavelmente são os maiores vencedores nesta situação(…)”.

Paulson começou a comprar ativos problemáticos imediatamente e a observação da senadora Clinton se mostrou correta. Um painel de supervisão do Congresso mais tarde descobriu que Paulson estava superfaturando o pagamento aos bancos: o Tesouro, por exemplo, comprou um pacote de “ativos problemáticos” por $254 bilhões, cujo valor de mercado era de $176 bilhões; o Tesouro pagou ao Citigroup $25 bilhões por títulos no valor de $15,5 bilhões. E assim se deram tantos outros casos. Um partidário dos democratas poderia dizer: “O que mais você esperava da administração de Bush?”

Mas a campanha presidencial de 2008 já estava em andamento. A lista dos candidatos democratas incluíam Hillary Clinton e Barack Obama. Wall Street se impressionou com ambos os candidatos. A Goldman Sachs contribuiu com $1.035 milhão para a campanha de Obama; a JP Morgan Chase, com $847,855 mil; o Citigroup, com $755.057 mil; o UBS, com $534.166 mil; e a Morgan Stanley, com $528.182 mil. Foram $3,7 milhões de dólares no total. Mas Wall Street estava mais impressionada com a senhora Clinton: os bancos lhe ofereceram $14,6 milhões.

Barack Obama tomou posse como outro “Novo Democrata”, infundido pelo legado da presidência de Bill Clinton. Os $3,7 milhões de Wall Street não seriam esquecidos.

Nunca foi debatida na campanha do Obama (ou na de Hillary), no entanto, a transformação do partido democrata que Bill Clinton engendrou. Os bancos de Wall Street, que despejaram cerca de $18,3 milhões nas campanhas presidenciais, seriam recompensados pela Administração Obama de uma forma verdadeiramente espetacular, e naturalmente o eleitorado histórico das famílias trabalhadoras dos EUA e as suas comunidades negras seriam largamente ignorados. E, assim, o eleitorado tradicional votou no Obama, com um entusiasmo sem precedentes no caso das comunidades negras.

Os dois postos mais importantes do gabinete, para os interesses de Wall Street, foram o Tesouro e a Justiça. O presidente Obama indicou os ex-nomeados Clinton: Timothy Geithner para chefiar o Departamento do Tesouro e o Eric Holder para a procuradoria-geral. Assim, a continuidade do favoritismo para Wall Street estava assegurada.

Timothy Geithner foi uma exigência de Wall Street, então presidente do Federal Reserve Bank of New York no momento da sua nomeação. Eric Holder veio direto do Covington Burling, escritório de advocacia dos gigantes de Wall Street.

Hillary Clinton tornou-se Secretária de Estado. O investimento da Wall Street nela tampouco seria desperdiçado.

Agora era a vez do Geithner de administrar o programa de apoio aos ativos depreciados. Ele não foi menos eficaz do que o Paulson em regar Wall Street com dinheiro dos contribuintes.

Neil Barofsky, um promotor federal, foi nomeado Inspetor Geral Especial do programa. Seu trabalho consistia em auditar a execução da lei, a fim de inibir fraudes, e em garantir a responsabilidade dos bancos. Sendo repetidamente frustrado pelo secretário Geithner, Barofsky finalmente renunciou em desgosto e escreveu uma exposição intitulada “Bailout: An Inside Account of How Washington Abandoned Main Street While Rescuing Wall Street” [“Resgate Financeiro: um relato interno sobre como Washington privilegiou Wall Street”]. A contra-capa do livro diz o seguinte:

“Barofsky revela como, ao servir os interesses dos bancos, o secretário Geithner(…) compactuou com executivos de Wall Street para projetar programas que canalizassem vastos recursos do contribuinte para suas empresas, permitindo que jogassem com os mercados e fizessem enormes quantidades de dinheiro, com quase nenhuma responsabilidade, (…)enquanto repetidamente burlavam os esforços de Barofsky para instituir as proteções necessárias contra fraude”.

Enquanto Geithner distorcia o programa para beneficiar os bancos, o Departamento de Justiça protegia seus executivos de qualquer tipo de sanção, fossem multas ou encarceramento.

Não há dúvida de que os bancos de Nova York agiram criminosamente, mas o procurador-geral apenas reafirmou a diretiva que ele havia escrito oito anos atrás, na administração Clinton. A Doutrina Holder levou o Departamento de Justiça a considerar “conseqüências colaterais” em seus processos. Se essas consequências fossem suficientemente graves, acusações criminais deveriam ser rejeitadas em favor de outras remediações.

O departamento de Holder escolheu, portanto, negociar com cada banco uma sanção financeira, em vez de avançar com um processo penal. Os acordos não exigiam admissão de culpa ou continuidade da acusação. E a documentação da conduta ilegal foi permanentemente lacrada.

As sanções foram pagos com fundos das empresas. (A multa da Goldman Sachs foi de $550 milhões, que poderiam ser recuperados tranquilamente em cerca de três semanas de negócios). Nenhum executivo foi preso, nenhum registro pessoal de comportamento doloso foi estabelecido, nenhuma sanção pessoal foi cobrada, nenhum salário foi reduzido, nenhum bônus foi negado. Em abril de 2015, após autorizar todas as ilegalidades de Wall Street, Holder deixou a administração de Obama e voltou para o Covington Burling.

Hoje os bancos são maiores e mais poderosos do que nunca.

A Administração Obama ainda concedeu mais um pequeno favor pra indústria financeira. Algumas semanas após a tomada de posse, a secretária de Estado Clinton foi chamada à Suíça pelo ministro de Relações Exteriores do país. Eles discutiram uma ação movida pela Receita Federal americana contra o UBS, o gigante internacional bancário suíço (com 761 unidades nos EUA). De volta a Washington, a secretária Hillary Clinton intercedeu. O impacto da ação foi reduzido em 90%.

Nos anos seguintes, o UBS pagou Bill Clinton em $1,5 milhão por suas palestras. Hillary Clinton recebeu $225 mil por um discurso. Também nos anos subsequentes, o UBS contribuiu com $540 mil para a Fundação Clinton.

A secretária Clinton renunciou no final do primeiro mandato do presidente Obama, provavelmente para preparar terreno e levantar recursos para sua campanha presidencial.

Desde então, ela recebeu $2,9 milhões em palestras para Goldman Sachs, Bank of America/ Merrill Lynch, Morgan Stanley, Deutsche Bank, Ameriprise, Apollo Management Holdings, CIBC, Fidelity Investments, Golden Tree Asset Management e UBS.

Hillary Clinton anunciou sua candidatura presidencial em 12 de abril de 2015. Até 30 de Setembro, os bancos de Wall Street haviam contribuído para sua campanha com um total de $6,42 milhões.

Durante os 24 anos das últimas três administrações de Washington, Wall Street floresceu enquanto vandalizava a economia americana, os contribuintes e a justiça.

Com um secretário do Tesouro de Wall Street, a administração Clinton aprovou leis que permitiam aos bancos que lançassem foguetes financeiros. A administração Bush, também com um secretário do Tesouro de Wall Street, cobriu as perdas com dinheiro dos contribuintes quando esses foguetes cairam por terra. A administração de Obama, novamente com um secretário do Tesouro de Wall Street (e também com um procurador-geral de Wall Street) concedeu grandes favores financeiros para os bancos e absolveu suas condutas criminosas.

Durante todos esses anos, os Clintons se beneficiaram imensamente com as contribuições políticas de Wall Street: $11,17 milhões para a campanha de Bill de 1992; $28,37 milhões para sua reeleição em 1996; $2,13 milhões para o financiamento de Hillary (Senado, 2000); $6,02 milhões para sua reeleição em 2006; e $14,61 milhões para sua primeira campanha presidencial. Sem contar os $8,85 milhões pagos pela indústria financeira em palestras.

A interação íntima da ambição e da cobiça entre os Clinton e Wall Street continuou por quase um quarto de século. É uma história de mau gosto, ignorada ou banalizada pelos Clintons, que anseiam por obscurecer esse debate.

Mas agora, com uma nova infusão dos bancos de Nova York no valor de de $6,42 milhões (por enquanto), Hillary Clinton está concorrendo à presidência mais uma vez.

Em 13 de julho de 2015, ela disse o seguinte:

“Nosso sistema bancário ainda é demasiado complexo e arriscado. (…)Embora as instituições tenham pagado pesadas multas, (…)muitas vezes os responsáveis saíram impunes ou embolsaram os ganhos. Isso é errado e, na minha administração, isso vai mudar”.

Aparentemente, Hillary Clinton espera que acreditemos nela.

*Tradução por Allan Brum

Fonte: Carta Maior

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.