Os bancos digitais são uma alternativa viável aos tradicionais?

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Por Dimalice Nunes.

A combinação de altas taxas e tarifas com um atendimento que, via de regra, deixa a desejar, criou uma legião de clientes insatisfeitos com o sistema bancário tradicional. A tecnologia deu um jeito e nos últimos cinco anos vem ganhando força as chamadas fintechs, os bancos digitais. Há uma semana, porém, ocorreu o primeiro susto nesse mercado promissor: a liquidação do banco Neon, anunciada pelo Banco Central.

Na sexta-feira 4 o Banco Central decretou a extinção das atividades do Neon, antigo Banco Pottential, alegando problemas de liquidez da instituição e “graves violações” das normas do sistema financeiro.

Existem duas empresas nessa história: Banco Neon e a Neon Pagamentos. A Neon Pagamentos – empresa de tecnologia fundada em meados de 2016 – emprestou seu nome temporariamente ao Banco Neon, até então Pottencial, que não tem participação acionária na fintech.

Seus diretores, como pessoas físicas, foram investidores-anjo  da startup e possuem participação pequena, sem poder de voto, na empresa, que se manteve em atividade mesmo quando as operações do homônimo do “mundo real dos bancos” fechou. Eram instituições separadas e com estruturas
acionárias diferentes.

Para os clientes, porém, parecia uma coisa só, o Banco Neon. Para que uma empresa de tecnologia opere como um banco, mesmo que virtualmente – sem agências como no caso das fintechs – elas precisam de uma instituição financeira constituída no mundo real, seguindo todas as normas de operação do Banco Central.

“Tudo o que houve foi no sistema tradicional. Foi o banco do ‘mundo real’ que veio a falir. É preciso desassociar as coisas. O modelo de negócio do Neon exige um banco por trás e a falha foi em escolher esse banco. Foi um ponto isolado, não pode generalizar”, explica Gustavo Cunha, professor de inovação e Finanças do IBMEC-SP.

É essa empresa do “mundo real” que será a responsável pela custódia – por guardar o dinheiro dos clientes – e pelas liquidações, que são as transações financeiras dos clientes, como pagamentos de contas e transferências de um banco para outro.

“O próprio Banco Central, sabiamente, bateu muito nisso, deixou bem claro que o problema estava no banco e não na empresa de tecnologia”, reforça Fernando Meirelles, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV-EAESP)

A solução veio rápido: a segunda-feira 7 a Neon anunciou que seu novo parceiro é o Banco Votorantim. Site e aplicativo voltaram ao normal e os clientes puderam voltar a movimentar seus recursos e respirarem aliviados.

Banco digital para quem?

“As fintechs nasceram de um nicho de insatisfação dos clientes com os bancos tradicionais”, afirma Meirelles. Ele lembra que os clientes mais jovens, especialmente os da geração millenials, têm outro tipo de relação com as empresas, eles querem agilidade, atendimento virtual eficiente e não pagam por aquilo que não veem sentido, como é o caso das tarifas bancárias.

fintech queridinha desta geração é a Nubank, que oferece cartões de crédito totalmente isentos de anuidade desde 2013. A base de clientes do Nubank mais do que dobrou no ano passado, para 3 milhões, ante o 1,3 milhão um ano antes. Esse nível de crescimento prova como startups financeiras estão ganhando espaço no Brasil, onde a indústria bancária é extremamente concentrada. O Neon, por oferecer conta corrente digital, foi apelidado de ‘Nubank das contas’. No final de 2017 o Nubank lançou sua conta para disputar, com sua marca forte, também esse mercado.

O Brasil tem cerca de 150 bancos autorizados a funcionar, mas dados do Banco Central mostram que apenas os quatro maiores – Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Itaú – detêm 73% do total de ativos do sistema e 80% do crédito concedido no País. Excluídos Banco do Brasil e Caixa Econômica, bancos públicos, o Santander entra no ranking. As fintechs autorizadas a operar no Brasil pelo BC já passam de 500.

Se beneficia das fintechs aquele perfil de cliente que não quer – e muitas vezes detesta – ir pessoalmente às agências e não tem a menor vontade de tomar um café com o gerente. É esse perfil também que corre menos risco caso uma dessas empresas venha de fato a quebrar, possibilidade considerada remota pelos especialista consultados pela reportagem.

Depósitos de até 250 mil reais em conta corrente, poupança ou CDBs são garantidos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), mantido pelos próprios bancos. Ou seja: se o banco quebra, é o Fundo que devolve ao correntista valores dentro deste limite. Dos 600 mil clientes do Neon, nenhum tinha mais que 250 mil reais. No fim de 2017 o banco tinha 182,7 milhões em depósitos de clientes.

Os efeitos sobre esse mercado são difíceis de medir, mas os especialistas apostam que a agilidade da Neon Pagamentos em encontrar um novo parceiro e a preocupação em separar as empresas conta pontos a favor e não devem afastar um público que não encontra o que procura nos bancos convencionais.

“Vamos ter que ver daqui a um mês ou dois: o Neon perdeu clientes? Para onde eles foram? Pode arranhar um pouco, mas ainda se trata de um porcentual muito reduzido desse público”, avalia Meirelles. Ele lembra que mesmo os bancos tradicionais estão cada vez mais digitais, mas ainda há a diferença estrutural da cobrança de tarifas. “A regulamentação está funcionando e com o nível de concentração bancária há ainda muito espaço para instituições pequenas”, completa.

Muito antes das techs

Fundado em 1994 pela família mineira Géo, o Banco Pottencial mudou de nome em 2016 após joint-venture com a carteira digital Controly. Desde antes do novo batismo a empresa já apresentava irregularidades.

Em 2010, o Pottencial foi acusado de registrar em seus balanço ativos fictícios de mais de 6 milhões de reais com objetivo de incrementar artificialmente suas receitas. Na época, foram processados seis diretores da instituição por gestão fraudulenta e gestão temerária: Argeu de Lima Géo, Carlos Géo Quick, Cássio Dolabella França e Lauro Baptista Machado Júnior.

Desde essa época, o Pottencial figura na lista de bancos sob “acompanhamento especial pelo BC”. O fechamento agora, em 2018, atribuído a deficiência patrimonial, descumprimento de regras de combate à lavagem de dinheiro e irregularidades “graves” com o dinheiro dos correntistas, parece ser o fim dessa história.

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