Origens da Sustentabilidade e Capitalismo pintado de verde

sustentabilidadePor Elissandro Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

Alguns léxicos são tão difundidos pela importância que alcançam no cotidiano das pessoas que viram ordem discursiva, tornam-se necessidade e questão ética. Assim se dá em relação à palavra Sustentabilidade; ela é, talvez, uma das mais difundidas em todo o globo.

Acerca da sustentabilidade, mundialmente, começou a ser propagada a partir da realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano – United Nations Conference on the Human Environment (UNCHE), em junho de 1972, em Estocolmo. A partir deste evento, que foi o primeiro encontro mundial promovido com o objetivo de discutir assuntos relacionados ao meio ambiente e soluções para a preservação da humanidade, o conceito de sustentabilidade passou a ganhar uma maior importância. No Brasil, a expressão “sustentabilidade”, ganhou dimensões maiores após a realização da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO), em 1992, no Rio de Janeiro[1].

Conforme Teixeira et al, no livro Decifrando a Terra, estudos sobre desenvolvimento iniciaram-se por volta de 1950, quando muitos territórios coloniais tornaram-se independentes. A Organização das Nações Unidas (ONU) denominou a década seguinte como a Primeira Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento, acreditando que a cooperação internacional proporcionaria crescimento econômico pela transferência de tecnologia, experiência e fundos monetários, resolvendo, assim, os problemas dos países menos desenvolvidos.

A história nos provou que isso não ocorreu. Ao contrário, os países mais ricos valeram-se das posições para alargarem seus produtos internos brutos cada vez mais e o discurso que nascia em torno da sustentabilidade naquela fase de 1950, tornou-se ilusório, não profícuo.

Ainda segundo Teixeira et al, a questão ambiental, fundamental para qualquer plano de desenvolvimento, começou a ganhar destaque nos meios de comunicação por volta de 1960. Na época, vários países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, consideravam inviável incluir grandes programas de conservação ambiental em seus programas nacionais, pois acreditavam que poluição e deterioração ambiental eram consequências inevitáveis do desenvolvimento industrial.

Para entender a mentalidade brasileira em relação à poluição ambiental na relação com as indústrias, Warren Dean, no livro A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira, cita uma fala de José Sarney, um político do Nordeste que se tornou presidente do Brasil em tempos passados, “Que venha a poluição, desde que as fábricas venham com ela”.

Conforme o referido historiador, no ano de 1972, na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o representante do governo brasileiro apresentou uma fórmula populista dissimulada a qual constantemente seria repetida “A pior forma de poluição é a pobreza”.

Mas, retornando à tentativa de historicização do termo Sustentabilidade, é oportuno recorrer mais uma vez a Teixeira et al para compreender que a palavra, aqui em análise, adquiriu peso mesmo a partir de 1972, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo. Naquele momento, foi reconhecido o relacionamento entre os conceitos de conservação ambiental e de desenvolvimento industrial, além de terem sido discutidos os efeitos causados pela falta de desenvolvimento e surgiram as ideias de “Poluição da pobreza e de ecodesenvolvimento”. Na década seguinte, a ONU resolveu criar uma comissão para efetuar um amplo estudo dos problemas globais de meio ambiente e de desenvolvimento. Em 1987, essa mesma comissão apresentou o relatório de Brundtland (Nosso Futuro Comum).

Como o sistema capitalista sempre dá um jeito de travestir-se, de renovar-se, de pintar-se, de suavizar-se, de parecer “sustentável”, ao passo que o vocábulo sustentável ganhava força, o capitalismo pintou-se de verde e conseguiu enganar até ambientalistas, os moderados, evidente, pois aqueles que seguem a linha do cuidado pleno com a Casa comum, ou seja, com o planeta terra, estão muito envolvidos com a noção de que é preciso conservar e preservar nossas riquezas naturais para que, assim, seja possível o futuro.

Atualmente, é legal e ético ser sustentável, ainda que em muitos casos tudo não passe de aparência. É cool falar de sustentabilidade, mas o fato é que, na prática, pouca mudança se faz para um mundo sustentável. Em meio a tudo isso, o movimento socioambientalista acompanha o que ocorre, em vertentes complexas, fazendo leituras e críticas que ultrapassam o campo de atuação das empresas, das indústrias e das organizações, alcançando, inclusive, os cidadãos. Na hodiernidade, não somente as empresas são vigiadas e criticadas, mas a própria sociedade, caso esta se comporte de forma insustentável.

 Mesmo diante da luta do movimento socioambientalista que contribui para a transformação das arquiteturas mentais em torno das construções e dos sentidos sociais operantes no Brasil e no mundo, as empresas desenvolveram mecanismos de marketing verde para se promoverem como sustentáveis perante seus Stakeholders. Sendo assim, infelizmente, a sustentabilidade não acontece de fato, mas a luta continua e o sistema capital será combatido em algum ponto da história. Só espero que isso não ocorra quando for tarde demais, quando já não seja viável devolver a capacidade de resiliência ao planeta.

Há alguns anos, o querido presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, Evo Morales, critica a economia verde, mostrando ao mundo que ela não passa de mais uma manobra do capitalismo para manter-se ativo e imperativo. Para aqueles que não possuem leitura sobre essa problemática, à primeira impressão, parece que a fala do presidente boliviano não é justa, mas aqueles que compreendem os elementos das políticas econômicas clássicas e dialogam com vertentes socioambientais, socioecológicas e sociobiocêntricas conseguem captar o tal movimento verde como mais uma forma que se tornou lucrativa em várias partes do globo.

Arrisco-me a dizer que o termo sustentabilidade virou moda, está na boca de todos e é evidente que o capitalismo soube valer-se disso, pois ele não perde tempo.

Para seguir ativo, pintou-se de verde e engana a muitos, por isso, é preciso ter cuidado ao se utilizar a palavra sustentabilidade, para não se fomentar ainda mais novas formas de exploração de nossos recursos na Mãe Terra. Há muita gente lucrando com a sustentabilidade e o planeta, que deveria estar se beneficiando, segue sendo explorado por tudo e todos.

Atualmente, fala-se em sustentabilidade empresarial, industrial, comercial e, dessa forma, o neoliberalismo vai se alimentando do novo, driblando sentidos e permanecendo vivo nas consciências daqueles que fortalecem dessas estruturas de exploração, de produção e de relação com Pachamama.

A tal “Economia Verde” parece sustentável e solução para a crise ecológica pela qual atravessamos, mas não se enganem, pois, para fins de reiteração, a expressão modal desponta como mais uma das formas que o capitalismo encontrou para seguir explorando a Terra. A economia verde virou armadilha verde.

Feitas as discussões anteriores, é profícuo mencionar que a discussão em torno da sustentabilidade é imprescindível, mas é preciso ter muito cuidado para não cair nas arapucas da exploração do sistema depredador capital.

Por fim, faz-se necessário lembrar que Casara nos informa que o discurso da sustentabilidade é o vetor mediático da ecologia sobredeterminada pelo consumo, o ser humano ‘sustentável’ está docemente integrado às estruturas de dominação e mercantilização da vida, onde se é livre para fazer o que se queira, desde que se faça a coisa certa, não atrapalhar os negócios. O papa Francisco, em sua passagem pela Bolívia durante a recente viagem à América do Sul, chamou o capitalismo de “ditadura sutil” e perguntou ao público que o escutava: reconhecemos que este sistema impôs a lógica dos lucros a qualquer custo, sem pensar na exclusão social ou na destruição da natureza?

Referências utilizadas para a construção do texto

O discurso do desenvolvimento sustentável, marketing e simulacro. Vida Pastoral, janeiro-fevereiro/16, p. 13, de Marques Casara

Capítulo “Desenvolvimentos insustentáveis” do livro “A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira”, de Warren Dean.

Livro “Decifrando a Terra”, de Wilson Teixeira et al

[1] Fragmento retirado do site http://www.brasilsustentavel.org.br/sustentabilidade

Foto: Frei Marcos.

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