Órgãos tratam a ‘causa’ ou a ‘doença’ ao construírem um Casep no município?

Por Claudia Weinman, para Desacato. Info. 

“Não é ruim ter um espaço para os menores infratores, desde que seja adequado e possa reabilitar. Fazer com que o jovem saia de lá melhor, com outra forma de pensar a sociedade. Mas ele sai mudado? E aqui fora? A realidade dele muda também? Têm políticas públicas para as famílias mudarem de vida e possibilitarem aos jovens esse pensar diferente a sociedade”? Estas questões foram levantadas por meninos que residem nas periferias de São Miguel do Oeste/SC, que possuem contato direto com jovens infratores e que norteiam a discussão sobre a instalação de um Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório (Casep), no município.

No final do ano de 2014, representantes de diferentes órgãos no município, sentiram a necessidade de criar o Casep em São Miguel do Oeste, em consideração a falta de vagas para adolescentes que cometem atos infracionais. Os gastos com o deslocamento desses jovens até o Casep de São José do Cedro/SC, até então, o único mais próximo do município, e outras despesas com o deslocamento de alguns adolescentes até o litoral, somaram-se ao desejo da sociedade de obter uma ‘resposta rápida’, em caráter de repreensão para esta parcela de jovens que vivem na contravenção.

Estes argumentos foram utilizados pelo Poder Judiciário, Prefeitura, Estado, entidades do município de São Miguel do Oeste, para justificar a importância da instalação do Casep. Com base nisso, esta reportagem inicia com a realidade de quem deseja fazer com que os jovens não precisem chegar até o processo de internação para então reeducar-se, e a visão dos órgãos oficiais, que acreditam na eficácia dessa instituição.

“Nenhum jovem acorda e diz: Hoje vou ser um infrator”. 

Paulo Fortes tem 21 anos de idade, mora na comunidade Vila Nova I de São Miguel do Oeste. Os mais próximos o conhecem como “Paulinho”. Há mais de 10 anos ele e a família ‘Fortes’ vivem ali. “Os moradores aqui precisam reinventar a sua cultura, a educação, porque isso não chega na periferia. Os governos prometeram um campo de futebol, uma praça, mas até agora, nada disso tem”, conta.

Paulinho convive com meninos e meninas que já praticaram atos infracionais. Ao perguntar para ele sobre o que passa na cabeça de um jovem quando “desobedece a lei”, ele responde: “A falta de conhecimento traz manipulação e esse é apenas um fator para cometer algum tipo de crime. A gente sabe que o assistencialismo que fazem com a gente não funciona. As vezes tu ganha um arroz, um azeite, mas quando tu quer autonomia para fazer o rancho para a família? Daí a firma não te quer para trabalhar porque tu mora na periferia. Mas tu sonha em comprar as coisas para a casa. Chega a pensar: Porque os outros tem e você não? E na falta de conhecimento, na alienação, muitos jovens se perdem no processo”, argumenta.

casep II
Jovens argumentam sobre a construção do Casep.

Quando um desses jovens cometem atos infracionais, e a medida é o Casep por exemplo, o Jovem Eliezer Antunes de Oliveira, 21 anos, salienta: “As vezes as pessoas pensam que vão curar esse jovem, que é uma simples doença o ato cometido, quando na verdade, ele é um fruto gerado a partir do sistema que tá aí. Esse sistema que não muda a realidade desse jovem. Daí ele vai para o Casep e aprende a ver o mundo diferente. Mas e aqui fora? A realidade dele muda também? Têm políticas públicas para as famílias mudarem de vida e possibilitarem aos jovens esse pensar diferente a sociedade”?

Paulinho defende a prevenção. “Vários jovens entraram por furto no Casep e voltaram para os presídios por cometerem assassinatos. Algo está falhando. Há inclusive relatos de abusos de poder ‘lá dentro’, mas a sociedade nem sempre fica sabendo, enquanto isso, tratam a doença sem resolver a causa, dão o remédio mas sem saber da doença”, alerta.

Políticas públicas para atender as famílias desses jovens, segundo Eliezer, não são sinônimos para assistencialismo. “Não é ruim ter um espaço para os menores infratores, desde que seja adequado e possa reabilitar. Fazer com que o jovem saia de lá melhor, com outra forma de pensar a sociedade, mas é preciso que os direitos sejam garantidos para a família mudar, para a realidade desse jovem mudar. Alguns órgãos tratam as periferias com assistencialismo, e como o próprio nome diz: O assistencialismo apenas ‘assiste’ os problemas, não busca emancipar as pessoas”, reflete.

“Não é questão de ser contra ou a favor, mas existem outras medidas a serem trabalhadas antes do Casep”.

O Centro de Referência Especializado de Assistência Social, Creas, é o órgão que atende entre outras situações, os casos de adolescentes que cometeram ato infracional, a partir de uma medida socioeducativa em meio aberto, que é a Prestação de Serviço a Comunidade (PSC) e a Liberdade Assistida (LA). Essa explicação foi feita pela Assistente Social, Graciele Herschaft Thiel, de São Miguel do Oeste.

Atualmente, o Creas realiza trabalhos com 30 jovens/mês, os quais cometeram algum tipo de ato infracional. O contato com estas realidades proporciona a ela, autonomia para dizer que o Casep, por exemplo, pode não trazer o resultado esperado pela e para a sociedade. “Muitos estudos revelam que a medida socioeducativa em meio fechado (no caso do Casep) não traz muitos resultados, no sentido de que a reincidência de adolescentes que estavam em Casep e voltaram a cometer atos infracionais é grande. Não funciona da forma como deveria”, argumenta.

Para a Assistente Social, essa não é uma questão a ser entendida como “ser contra ou a favor”, mas, que, segundo ela, existem outras medidas a serem trabalhadas antes do Casep. “Quando um adolescente chega no Casep, é sinal de que houveram falhas das políticas públicas e geralmente também muitos direitos foram violados. O histórico de violação de direitos, como a falta de alimentação, moradia, saúde, educação, apesar de não justificar o fato deste jovem cometer o ato infracional, explica muitas vezes, o porquê disso. Me preocupa os governantes e autoridades terem a visão de proporcionar uma “resposta imediata” para a sociedade. Mas quais são as garantias que essa instituição vai proporcionar? Ela irá funcionar efetivamente com profissionais (equipe técnica e estrutura física, por exemplo) para isso? A sociedade vai acolher esses jovens depois e reinserí-los? Ou vamos construir mais uma instituição para separar ‘os bons’ dos ‘ruins’”? questionou.

Graciele acrescenta ainda, salientando que não se pode defender o cometimento de um ato infracional, no entanto, é necessário pensar medidas preventivas para que o adolescente não precise ser internado, por exemplo. “Precisamos de mais políticas antidrogas efetivas, cursos profissionalizantes, políticas públicas de geração de trabalho e renda, mudanças quanto às concepções, imagem e preconceito que a sociedade tem para com esses adolescentes, enfim, precisamos ofertar algo para estes jovens, medidas de fato socioeducativas, e não apenas ter a ideia imediatista da punição pela punição”, considera.

Obras do Casep iniciam neste mês de abril e previsão de término é para agosto.

A instalação de um Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório (Casep), em São Miguel do Oeste, teve sua garantia assegurada a partir de alguns diálogos e reuniões feitas no último ano. Representantes do Departamento de Administração Socioeducativa (Dease), também visitaram a estrutura da antiga Casa Lar, localizada na BR-163, onde será efetivado o Casep.

Segundo a Promotora de Justiça, Larissa Mayumi Karazawa Takashima Ouriques, a região do Extremo-oeste Catarinense é defasada em estrutura para atender a demanda de jovens que cometem atos infracionais. Segundo ela, diante da necessidade de conseguir algum local para atender os adolescentes tanto em medidas de internação definitiva, quanto provisória, construiu-se a possibilidade de instalação de um Casep em São Miguel do Oeste.

Larissa destaca que no estado, mais de 300 jovens aguardam internação sendo que, em regime provisório, há sempre uma demora também para a liberação das vagas. Conforme ela, grande parte dos adolescentes que necessitam de internação definitiva, acabam permanecendo no Casep até cumprir a sentença, sendo que o Centro seria uma medida socioeducativa provisória.

A promotora acredita que a construção de uma estrutura maior para atender os adolescentes em Chapecó-SC, seja uma das alternativas para a retirada de adolescentes que hoje encontram-se cumprindo a medida em regime definitivo no Casep de São José do Cedro, por exemplo. Em Chapecó, ela acrescenta que são 90 vagas disponibilizadas, sendo 60 para o cumprimento da medida em regime definitivo e 30 vagas para provisório.

Além disso, ela defende que a construção do Casep em São Miguel do Oeste será, segundo ela, importante para suprir com parte da demanda na região. Serão 15 vagas disponibilizadas. Em fevereiro deste ano, Larissa explica que foi firmado um convênio com a Prefeitura, que cedeu a área da antiga Casa Lar para a construção do Casep. A reforma do local tem parte das verbas oriundas dos fundos de transição penal de diversas comarcas da região. “O estado também se comprometeu a realmente efetivar a medida depois de fixado o estabelecimento, fazendo a sua manutenção”, detalha.

A mão de obra para a construção do Casep também foi disponibilizada pelo exército. Os soldados receberão certificados após a qualificação que receberão por meio da Fiesc e Senai. A previsão de término da obra, garantida pela promotora, é de que até agosto esteja concluída.

O juiz da Vara Criminal e diretor do Foro de São Miguel do Oeste, Márcio Luiz Cristofoli, entende que a instalação de um Casep no município, além de atender uma demanda da região, ainda reduzirá custos com o deslocamento de adolescentes. Segundo ele, quando se trata de internação provisória ou definitiva de adolescentes, há sempre dificuldades. “Em decorrência disso, a sociedade tem em mente que com os adolescentes não acontece nada, mas, na verdade, existem as penalidades proporcionais aos casos, a questão é a internação que ainda é uma grande demanda”, disse ele.

Cristofoli acredita que as 15 vagas para o Casep de São Miguel do Oeste não vão resolver o problema da região, no entanto, amenizarão a situação, além de deixar o jovem mais próximo de sua família. Ele defende ainda a participação da sociedade na ressocialização dos adolescentes. “As entidades também precisarão contribuir com esses jovens. Temos em São Miguel do Oeste universidade, entidades, associações, organizações que podem acolher esses adolescentes, inserindo no mercado de trabalho, contribuindo com a sua educação”, pontua.

O delegado Regional de São Miguel do Oeste, Henrique Gonçalves Muxfeldt, também acredita que a internação ‘pura e simples’ não vai resolver a problemática que envolve adolescentes e familiares na região. Segundo Muxfeldt, o Casep possui dupla finalidade, uma de caráter repressivo e outra preventivo. “O repressivo é a internação de quem comete o ato infracional e o preventivo é a existência de um espaço como esse, para a reeducação desses adolescentes”.

Em dezembro de 2014, o Delegado aponta que a ideia de construir um Casep perpassou uma situação junto a um menor infrator. “Não sabíamos onde deixá-lo. Depois disso, passamos a desenvolver esse projeto”, acrescentou.

Estado

Conforme apontado pelo secretário Executivo da Agência de Desenvolvimento Regional (ADR), Wilson Trevisan, o Casep de São Miguel do Oeste já está em fase de implantação com o início das obras na antiga Casa Lar. Ele destaca que diversas entidades também estão fazendo campanhas para arrecadação de móveis e utensílios. Trevisan aponta que o estado também se compromete com a manutenção do Casep. Para cada jovem atendido mensalmente, o valor destinado é de aproximadamente R$ 8 mil. Ele garante que além da estrutura física, profissionais preparados para atender os adolescentes serão contratados e devem desenvolver atividades educativas.

Trevisan destaca ainda que o estado também possui a pretensão de fazer reuniões com o conselho das entidades para que possam trabalhar o acolhimento dos jovens após saírem do Casep. “É preciso que o mercado de trabalho acolha e que a sociedade em si aceite esses jovens, temos que saber romper com o preconceito”.

Na Câmara de Vereadores de São Miguel do Oeste, um projeto de lei do Poder Executivo que possibilita o crédito para a instalação e manutenção do Casep foi votado e aprovado. Segundo encaminhado pela assessoria de imprensa da Câmara: “O Projeto de Lei 40/2016 altera o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária através da abertura de um crédito adicional especial na importância de R$ 267.681,17. O objetivo é instituir dotações orçamentárias suficientes ao atendimento das despesas a serem realizadas à conta das transferências de recursos financeiros oriundos do Poder Judiciário de Santa Catarina, para instalação e manutenção de um Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório (Casep)”.

Uma grande parcela da sociedade espera uma “resposta rápida” para os atos infracionais cometidos pelos adolescentes, no entanto, o Casep é realmente a solução para todos os problemas sociais que atingem os adolescentes infratores? Volta-se a questão: “Ele sai mudado? E aqui fora? A realidade dele muda também? Têm políticas públicas para as famílias mudarem de vida e possibilitarem aos jovens esse pensar diferente a sociedade”? Será que todos e todas estão refletindo sobre isso? Vale uma análise mais profunda para toda a sociedade sobre essa medida.

 

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