Entregam projeto de lei por matrimônio igualitário na Venezuela

venezuela3Por Luciana Taddeo.

No meio de bandeiras com arco-íris e cartazes reivindicando o matrimônio igualitário na frente da Assembleia Nacional da Venezuela, uma jovem carrega um pedaço de pano com o desenho de uma cédula de identidade local na qual se lê, no lugar do estado civil: “Solteira (por discriminação)”.

Namorada da médica que exibe o pano, a advogada Yaury Mejías Galarraga explica que um dia pretende formalizar sua relação e espera que o direito esteja previsto na legislação do país. “Como temos deveres cidadãos, é hora de que tenhamos os mesmos direitos. Quero que meu matrimônio seja respaldado legalmente, que tenhamos segurança social e que nossos filhos nasçam com os direitos que lhes correspondem”, diz.

Segundo o artigo 44 do Código Civil da Venezuela, vigente desde 1982, o matrimônio só pode ser contraído entre “um só homem e uma só mulher”. Para alterar este artigo, mais de 20 mil assinaturas coletadas por 47 organizações foram entregues na última sexta-feira (31/01) a legisladores venezuelanos, com um projeto de lei de matrimônio igualitário.

“Há uma quantidade de artigos posteriores que têm vinculação com o matrimônio, que em sua maioria fazem referência a gênero, como esposo e esposa, e propusemos mudanças”, disse a Opera Mundi Giovanni Piermattei, presidente Associação Civil Venezuela Igualitária. Segundo ele, esta é a primeira vez na história do país que os movimentos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,Transexuais e Transgêneros) se unem por uma mesma causa e entregam ao Legislativo um projeto de lei para a modificação dos artigos.

Os militantes admitem que, a passos lentos, houve avanços nos últimos anos. Em 2008, a Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela interpretou que a Constituição não permite discriminação individual em razão da orientação sexual das pessoas, apesar de ausência de referência explícita ao aspecto no artigo que determina que todas as pessoas são iguais perante a lei. Na mesma sentença, a instituição afirma que a norma constitucional “não proíbe nem condena” as uniões entre pessoas do mesmo sexo.

A não discriminação por orientação sexual também aparece em leis como a do poder popular, do setor bancário, dos aluguéis de moradia e do trabalho. Porém, em diferentes ocasiões, termos relativos a orientação sexual são usados como qualificações pejorativas entre as pessoas, como no Brasil, o que aconteceu recentemente até mesmo na política venezuelana. No ano passado, a suposta orientação sexual do opositor Henrique Capriles, por exemplo, foi tema de insinuações.

Mais direitos

Presente na mobilização da última sexta, a transexual Desiree Pérez conta que seu nome legal é masculino e que não pôde alterá-lo. “Sou uma mulher e meu nome deveria ser feminino para ser mais coerente, mas isso não se permite”, explica ela.

De acordo com a lei de Registro Civil, porém, uma pessoa pode mudar o nome próprio “quando este seja infamante, a submeta a escárnio público, atente contra sua integridade moral, honra e reputação, ou não corresponda com seu gênero”.

Apesar de a palavra “sexo” ter sido substituída por “gênero” no artigo, a interpretação aplicada é a de que estes são sinônimos. “Quando a pessoa com problemas com sua identidade de gênero vai solicitar a mudança de nome, não consegue”, lamenta Piermattei.

Segundo ele, a questão vai muito além do nome próprio, já que as pessoas com identidade de gênero diferente do sexo com que nasceram biologicamente precisam de tratamento psicológico, hormonal e, se necessário, operações de mudança de sexo, que deveriam ser proporcionados pelo Estado.

Para Pérez, integrante da Associação Civi Transvenus de Venezuela, a luta pelo reconhecimento da diversidade sexual e de gênero tem sido difícil. “Estamos como últimos da fila. Esperamos que de verdade as pessoas assumam o assunto, porque não há políticas de Estado para que nossos direitos sejam velados. Nós, trans, somos a comunidade mais vulnerável do LGBTI porque nossa questão é identidade, não sexualidade”, diz.

Os manifestantes concordam que o matrimônio igualitário dá visibilidade à causa e abre portas para outras conquistas importantes. “O que o matrimônio nos dá é igualdade, estar inscritos nas leis como pessoas iguais e livres e que temos os mesmos direitos dos demais. Com isso, o Estado está reconhecendo minha dignidade como ser humano, minha capacidade de amar é respeitada, que minha família é digna, portanto eu posso eu posso expressar minha orientação livremente sem transgredir”, explica.

A reação de algumas pessoas que passavam pelo lugar da mobilização é um exemplo de que há resistência à luta pelos direitos LGBT na Venezuela e que ainda há necessidade de discussão e conscientização da diversidade. “Homem não pode casar com homem”, gritou uma mulher quando passava pelo grupo. A frase gerou vaias dos presentes.

Um vendedor ambulante assistia com expressão de reprovação os cantos do grupo a favor do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. “Não gosto disso”, disse antes que a reportagem se identificasse. Quando questionado se daria uma entrevista, saiu andando para trás, temeroso, enquanto sinalizava “não” com a mão.

Uma senhora parou para ler os cartazes do grupo com reivindicações como “deputados, coloquem-se do lado correto da história”, “meus filhos merecem os mesmos direitos” e “eu defendo a família, todas as famílias”, e perguntou para uma das manifestantes do que se tratava. Após a explicação, à qual escutou atentamente, disse não ser a favor nem contra”.

Para Piermattei, a questão deveria ser mais abordada pelos meios de comunicação locais. Além disso, segundo ele, também é preciso trabalhar na tipificação de crimes de ódio contra a comunidade LGBT para que estes já não sejam tratados como comuns. Sobre a alteração no Código Civil, conta houve receptividade por parte dos deputados que receberam o projeto de lei e se diz otimista.

Fonte: Ópera Mundi.

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