Onde estão os negros?

Por Paulo Mileno.

O filósofo francês Jean – Paul Sartre ao final de mais uma palestra em solo brasileiro pergunta “onde estão os negros?” após se dar conta que falava para “uma platéia louríssima, alvíssima, sardenta e de olho azul”, segundo descrição do jornalista Nelson Rodrigues. Alguém fez o seguinte comentário em tom de cochicho “Os negros estão por aí assaltando algum chauffeur!” Corta para o novo filme de João Salles ‘No Intenso Agora’ (2017). Sartre está na mesa da plenária universitária na Sorbonne em meio ao maio francês e no lado de fora se questiona, no filme, a quase que rara adesão dos negros e seu quase que completo silêncio diante o movimento revolucionário. Sartre e seu existencialismo não nos dá uma referência até então.

O próprio Sartre se aproximou da ‘Négritude,’ um movimento de poetas e intelectuais negros francófonos que vigorou até a década de 60, onde os estudantes e proletários (no melhor jargão da esquerda) tomaram as ruas naquele ano que ficou conhecido por não “terminar”. Ao redor do mundo.

Esse movimento cultural expressou o espírito de seu tempo e nesta breve contextualização da ‘Négritude’ poderemos entender como reverberou nas lutas de emancipação da África e como esse referencial histórico influenciou os negros americanos frente a conquista de seus direitos civis. É essencial que um povo participe do desenvolvimento das ideias sobre seu próprio mundo e assuma seu destino, ao passo que deixa de ser objeto de pesquisa para se tornar protagonista histórico.

Destarte, na concepção da esquerda francesa (e por tabela, mundial) será que a consciência política não foi despertada nos negros que se aproximaram das lutas sociais ou essa mesma esquerda não quer abrir os olhos para sua própria civilização decadente?

Como diz Aimé Césaire  “O fato é que a então chamada civilização europeia – civilização ocidental – como tem se formada por dois séculos de regra burguesa, é incapaz de elucidar dois dos maiores problemas do qual a existência tem levantado: o problema do proletariado e o problema colonial; que a Europa é incapaz de justificar ela mesma o juízo da “razão” ou antes o juízo da “consciência”;  e que, crescentemente, é tomado refúgio na hipocrisia do qual é tudo mais infame porque é cada vez menos  provável  iludir.”

Essa fala de Césaire, observando que é do século passado, aponta para uma perspectiva do pensamento progressista se reinventar e contemplar em seus espaços de discussão os anseios, os medos, os desejos e a força das etnias que compõem a diversidade da civilização como os índios, os asiáticos e os negros. Em um mundo que se liberta da colonização e  costumes arraigados do patriarcalismo, quando a crítica é feita, em sua maioria, são análises superficiais das lutas desses povos e, em particular do cidadão que por não se engajar em movimentos, acaba sendo tachado como sem consciência política por aqueles que falam em nome de seus próprios interesses(?). Aqui, retomando a crítica de Césaire, vemos como o oportunismo, a demagogia e a hipocrisia são características predominantes entre esses que se “organizam” em partidos ou que mesmo fora da vida partidária defendem uma suposta ideologia.

O próprio Sartre ao se voltar para as lutas anticoloniais e de independência no continente africano tentou explicar aos brancos o que o negro já sabia, fato que através da experiência literária e poética é que o negro tomaria consciência de sua negritude e vice – versa, “pourquoi la poésie noire de langue française est, de nos jours, la seule grande poésie révolutionnaire” (Porque a poesia negra de língua francesa é, hoje em dia, a única grande poesia revolucionária, em tradução livre).

Seria muito mais construtivo, ao invés de procurar soluções para omissão dos negros, alguém se questionar qual é sua contribuição para o combate ao racismo. Modus operandi e estruturante do capitalismo essa questão se trata muito mais subjetiva do que se revela aos olhos de quem quiser ver.

A dialética histórica entre raça e classe faz saber quais são as revoluções matrizes de novos tempos. Na esteira da Revolução Francesa, o então Haiti colonial liderado por Toussant L’Ouverture apeou do poder o império Francês e se estabeleceu como a primeira Revolução nas Américas. Essa foi, de fato, a única revolução dos escravos. Um momento decisivo para a história afro – descendente. Por quê os chamados materialistas históricos não contemplam esse acontecimento?

Vemos mais uma vez como o racismo estrutural é base do pensamento ocidental. Essa lacuna é observada por Sartre para reformular o projeto revolucionário, enfatizando o aspecto da ‘Négritude’. Empurrados para as margens da humanidade, a mitologia negra preserva seu patrimônio cultural imaterial. Essa sinergia é reconhecida em toda as praias da diáspora.

Onde estão os negros? Se até o século passado o negro lutava isoladamente contra os mesmos problemas que seus irmãos também lutavam, hoje a comunidade negra, seja nos Estados Unidos, no Brasil, na América Latina, nas ilhas do Caribe, na França e na Europa, nas Ilhas Salomão e na Oceania, no Timor Leste e na Ásia, assim como no continente africano, sua luta principal acaba também sendo a luta de todos. Brancos, indígenas, asiáticos e negros. Uma vez que o sistema capitalista é fomentado pela própria ideologia racista. Se os brancos estiverem mesmo dispostos à mudar o mundo devem por princípio começar a descolonizar suas mentes e corações. Quando esse dia chegar, ressignificaremos o que um dia chamamos “Humanismo”.

*Paulo Mileno é ator.

Fonte da Foto: Sebastião Salgado.

 

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