Ofensiva do capital internacional sobre as terras na AL

Por Gerson Teixeira e João Paulo Rodrigues.

(Português/Español).

O mundo se depara com importantes desafios para garantir as condições de vida do planeta, num futuro mais ou menos distante conforme a intensidade e velocidade da evolução do processo de aquecimento global. Segundo a comunidade científica internacional os riscos para a segurança alimentar subjacentes ao processo de mudanças climáticas são muito fortes. Neste caso, biodiversidade, terra e água, assumem significados cada vez mais estratégicos para o futuro da humanidade.

Países da América Latina, a exemplo do Brasil, agraciados pela natureza com a abundância desses recursos, (afora a riqueza mineral), têm o dever de protegê-los em benefício das suas gerações presentes e futuras e, por suposto, para ações solidárias, via comércio, ou não, com o resto do mundo.

A relevância estratégica desses recursos recomenda mesmo que as políticas correspondentes de preservação, acesso e utilização devam integrar os objetos da segurança nacional das nações.

Nesse contexto, os instrumentos regulatórios sobre a posse e o uso da terra na América Latina deveriam refletir essa visão contemporânea que incorpora, portanto, a sua dimensão geopolítica.

Afora a democratização do acesso à terra e a opção por um novo modelo agrícola centrado na busca da soberania alimentar com o protagonismo da produção agroecológica pelos camponeses, nos parece irrenunciável e inadiável a imposição de controle rigorosos à propriedade fundiária por estrangeiros em nossos países, o que não ocorre notadamente no Brasil e na Argentina por herança do neoliberalismo.

Afinal, além de envolver questão imanente ao exercício da soberania sobre os nossos territórios, o conteúdo desse tema passou a adquirir apelo na agenda política global até por envolver impulsos neocoloniais.

Durante toda a década de 1990 o Bird assumiu uma posição protagonista na elaboração e na implementação de políticas agrárias, centralizadas inteiramente na promoção do livre mercado de terras. Com esse propósito o Bird promoveu

“…o estímulo à mercantilização total do acesso à terra rural, a ser viabilizada por mudanças institucionais e legais, com o objetivo de elevar a produtividade da terra, favorecer o livre fluxo da força de trabalho no campo, atrair o capital privado para a economia rural e potencializar a integração subordinada de parcelas específicas do campesinato pobre ao regime de acumulação comandado pela burguesia agroindustrial-financeira”.(1)

E, numa clara estratégia de facilitar ao capital externo o acesso às terras rurais, o Bird não hesitou em influenciar e pressionar o governos nacionais, cooptados pela agenda neoliberal, a promover mudanças no plano político-adminstrativo, jurídico e tributário. Mudanças no aparato institucional voltadas para “…expandir e acelerar as relações de arrendamento e compra/venda de terras rurais” (Pereira, p.22).

A partir da crise do capitalismo internacional, em 2008, a ofensiva do grande capital sobre as terras rurais, em todas as partes do planeta, se tornou ainda mais forte e explícita.

A própria FAO tem alertado para os graves desdobramentos do processo, em curso, de ‘tomada de terras’ nos países do Sul, fruto de ações especulativas, ou não, do capital externo, com forte presença do capital financeiro. Tal processo ganhou fôlego a partir da crise econômica de 2008 nos países do Norte como opção, em particular, à crise dos derivativos.

Essa realidade é retratada nas precisas e alarmantes palavras da assessora da Via Campesina Camila Montecinos:

“Após as últimas crises econômicas, os grandes capitais especulativos não tinham onde investir seu dinheiro e perceberam que investir na compra de terras para produzir comida era um grande negócio. Estão comprando e exigindo que lhes sejam entregues terras da mesma forma como são entregues as concessões mineiras. (…) Isso está acontecendo em todas as partes e, na América Latina, os países mais atingidos são a Argentina e no Brasil. (…) Esses capitais especulativos se apoderam de terras que atualmente estão em mãos camponesas ou do Estado”.

E, ela conclui de forma enfática: “Dessa forma, hoje, há uma intenção consciente e sistemática [do grande capital internacional] de apoderar-se da alimentação, de controlar o comércio, a produção e os territórios”.(2)

Essa ofensiva do grande capital tem sido possível graças a uma conjunção de fatores, como: (i) os efeitos das recorrentes posições de desequilíbrio da oferta alimentar e agrícola, em geral, por conta das frequentes quebras de safras por fenômenos climáticos gradativamente mais severos; (ii) a expansão dos agrocombustíveis; e (iii) a aposta na atratividade econômica dos mercados voluntários e institucionalizados de carbono; neste caso, em gestação nas negociações no âmbito da COP do Clima.

Cabe, aqui, abrir um parêntese para ressaltar que o comércio mundial de créditos de carbono, uma verdadeira mercantilização do ar, serve de instrumento do grande capital para controlar territórios e se adonar das riquezas naturais ali existentes, principalmente, nos territórios indígenas, como ocorrem tentativas hoje no Brasil. Empresas internacionais, como a Celestial Green Ventures (irlandesa) e a Viridor Carbon Services (britânica) buscam firmar contratos (ilegais e inconstitucionais) com povos indígenas da Amazônia brasileira que são verdadeiros atentados a soberania nacional e à cultura desses povos, além da tentativa de usurpar suas riquezas naturais. O cacique Osmarino Manhoari Munduruku não hesita em condenar esse tipo de projeto, uma vez que proíbe seu povo de caçar, pescar, plantar, retirar frutas do mato ou cortar madeira, durante os próximos 30 anos. E, mais ainda, assegura a essas empresas os direitos de uso de absoluto sobreas terras indígenas, realizar todas as análises e estudos técnicos e assegurar, sem restrições, a acesso dos seus técnicos às áreas definidas pelo contrato.(3)

Nas estimativas do Bird, o capital especulativo externo, combinando as diferentes práticas numa estratégica única de se apoderar de territórios, já se apropriou de mais de 65 milhões de hectares nos países do Sul, em especial, na África e América Latina.

Segundo a FAO, o que mais preocupa hoje é a volatilidade dos preços dos alimentos, o que impõe graves ameaças á segurança alimentar principalmente nos países não desenvolvidos. Milho, trigo e arroz, três cereais que compõem a base da alimentação mundial, estão entre os produtos que mais tiveram alta nos preços desde 2008.

Relatório do Banco Mundial, de setembro de 2011, informa que os preços em julho estavam, em média, 33% acima dos registrados no mesmo mês do ano passado. No caso do milho, o aumento foi de 84%; do açúcar, de 62%; do trigo, de 55%; e o do óleo de soja, de 47%.

Nesse cenário no qual os estoques mundiais de alimentos mantêm-se baixos, sem previsão de recuperação e preços voláteis, a fome e a insegurança alimentar transformam-se em componentes de desagregação social e desestabilização política das nações mais vulneráveis.

Agrava a situação a forte expansão dos preços dos insumos agrícolas em consequência direta da alta do petróleo, cuja cotação avançou 45% no último ano, pressionando os custos de produção. Em especial, vale assinalar o valor dos fertilizantes, que subiu 67% na mesma comparação. Isso porque a produção de insumos como agrotóxicos e fertilizantes é muito intensiva em energia. Ademais, a concentração da comercialização tanto dos insumos quanto dos produtos agrícolas nas mãos de poucas empresas transnacionais acaba por promover especulação no mercado de commodities.

Em resumo, caberá ao movimento popular do campo e aos povos indígenas empunhar bandeira de resistência a essa ofensiva do capital internacional sobre as terras do nosso continente. Serão batalhas que os meios de comunicação da burguesia não pouparam esforços e recursos desinformar a sociedade, distorcer informações e exercer influências sobre os governos, em defesa dos interesses do capital. São batalhas que vão além da defesa dos recursos naturais em nossos países. Essas lutas giram em torno, também, dos princípios da soberania nacional e da soberania alimentar dos nossos povos.

– Gerson Teixeira (ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA) e João Paulo Rodrigues (membro da Coordenação Nacional do MST).

Referencias Bibliográficas:

(1) PEREIRA, João Márcio Mendes. In Capturando a terra. Sauer, Sérgio e Pereira, João Márcio Mendes (orgs.). Expressão Popular, São Paulo/SP, 2006, p. 17.

(2) MONTECINOS, Camila. Entrevista a Rádio Del Mar. Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=N&cod=61716

(3) MUNDURUKU, Osmarino Manhoari. In Editorial do sítio Vermelho. : http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/04/creditos-de-carbono-e-soberania.html

Este artigo foi publicado na revista de ALAI América Latina en Movimiento 474, “La descolonización inconclusa”, abril 2012.

Ofensiva del capital internacional sobre las tierras

Por Gerson Teixeira e João Paulo Rodrigues.

El mundo se enfrenta a importantes desafíos para garantizar las condiciones de vida del planeta, cuyo futuro está marcado por la intensidad y velocidad de la evolución del proceso de calentamiento global. Según la comunidad científica internacional, los riesgos para la seguridad alimentaria subyacentes al proceso de cambios climáticos son muy fuertes. En este caso, biodiversidad, tierra y agua asumen significados cada vez más estratégicos para el futuro de la humanidad.

Los países de América Latina beneficiados por la naturaleza con la abundancia de esos recursos (además de la riqueza mineral) tienen el deber de protegerlos en beneficio de sus generaciones presentes y futuras y, por supuesto, para acciones solidarias, vía comercio, o no, con el resto del mundo.

La relevancia estratégica de esos recursos recomienda que las políticas correspondientes de preservación, acceso y utilización deban integrarse a los propósitos de seguridad de las naciones. En ese contexto, los instrumentos para regular la posesión y el uso de la tierra en América Latina deberían reflejar esa visión contemporánea que incorpora, por lo tanto, su dimensión geopolítica.

Además de la democratización del acceso a la tierra y la opción por un nuevo modelo agrícola centrado en la búsqueda de la soberanía alimentaria, con el protagonismo de la producción agroecológica por los campesinos, nos parece irrenunciable e ineludible la imposición de controles rigurosos a la propiedad de las tierras por parte de extranjeros en nuestros países, lo que no está ocurriendo, principalmente en Brasil y en Argentina, debido a la herencia del neoliberalismo.

De hecho, más allá de involucrar la cuestión inherente al ejercicio de la soberanía sobre nuestros territorios, el contenido de ese tema pasó a ser componente de la agenda política global debido a que registra impulsos neocoloniales.

Durante toda la década del ’90, el BIRD (Banco Internacional para la Reconstrucción y el Desarrollo, Banco Mundial) asumió una posición protagónica en la elaboración y en la implementación de políticas agrarias, centradas enteramente en la promoción del libre mercado de tierras. Con ese propósito el BIRD promovió: “…el estímulo a la mercantilización total del acceso a la tierra rural, a ser implementada con cambios institucionales y legales, a fin de elevar la productividad de la tierra, favorecer el libre flujo de fuerza de trabajo en el campo, atraer el capital privado a la economía rural y potenciar la integración subordinada de sectores específicos del campesinado pobre al régimen de acumulación comandado por la burguesía agroindustrial-financiera” (1).

Y, en una clara estrategia para facilitar al capital externo el acceso a las tierras rurales, el BIRD no dudó en influenciar y presionar a los gobiernos nacionales, cooptados por la agenda neoliberal, para promover cambios en los planes político-administrativo, jurídico y tributario. Cambios en el aparato institucional orientados a “…expandir y acelerar las relaciones de arrendamiento y compra/venta de tierras rurales” (2).

Intensificación con la crisis

A partir de la crisis del capitalismo internacional, en 2008, la ofensiva del gran capital sobre las tierras rurales, en todas partes del planeta, se hizo aún más fuerte y explícita.

La propia FAO ha alertado sobre los graves desdoblamientos del proceso en curso de ‘toma de tierras’ en los países del Sur, fruto de acciones especulativas, o no, del capital externo, con fuerte presencia del capital financiero. Tal proceso cobró impulso a partir de la crisis económica de 2008 en los países del Norte como salida, en particular, a la crisis de los derivados.

Esa realidad es retratada en las precisas y alarmantes palabras de la asesora de Vía Campesina, Camila Montecinos: “Después de las últimas crisis económicas, los grandes capitales especulativos no tenían donde invertir su dinero y percibieron que invertir en la compraventa de tierras para producir comida era un gran negocio. Están comprando y exigiendo que se les entregue tierras de la misma forma como son entregadas las concesiones mineras. (…) Eso está aconteciendo en todas las partes y, en América Latina, los países más afectados son Argentina y Brasil. (…) Esos capitales especulativos se apoderan de tierras que actualmente están en manos campesinas o del Estado”.

Y concluye de forma enfática: “De esa forma, hoy hay una intención consciente y sistemática [del gran capital internacional] de apoderarse de la alimentación, de controlar el comercio, la producción y los territorios” (3).

Esa ofensiva del grande capital ha sido posible gracias a una conjunción de factores como: (i) los efectos de las recurrentes posiciones de desequilibrio de la oferta alimenticia y agrícola, en general, debido a las frecuentes pérdidas de cosechas por fenómenos climáticos gradualmente más severos; (ii) la expansión de los agrocombustibles; y (iii) la apuesta por el atractivoeconómico de los mercados voluntarios e institucionalizados de carbono; en este caso, en gestación en las negociaciones en el ámbito de la COP del Clima.

Cabe abrir un paréntesis para resaltar que el comercio mundial de créditos de carbono, una verdadera mercantilización del aire, sirve de instrumento del gran capital para controlar territorios y adueñarse de las riquezas naturales allí existentes, principalmente en los territorios indígenas, como se está intentando hoy en Brasil. Empresas internacionales, como la Celestial Green Ventures (irlandesa) y la Viridor Carbon Services (británica) buscan firmar contratos (ilegales e inconstitucionales) con pueblos indígenas de la amazonía brasileña que son verdaderos atentados a la soberanía nacional y a la cultura de esos pueblos, además de la tentativa de usurpar sus riquezas naturales. El cacique Osmarino Manhoari Munduruku no duda en condenar ese tipo de proyectos, debido a que prohíbe a su pueblo cazar, pescar, plantar, recoger frutas del matorral o cortar madera, durante los próximos 30 años. Y, más aún, asegura a esas empresas los derechos de uso absoluto sobre las tierras indígenas, de realizar todos los análisis y estudios técnicos y posibilita, sin restricciones, el acceso de sus técnicos a las áreas definidas por el contrato.(4)

De acuerdo con los cálculos del BIRD, el capital especulativo externo, combinando las diferentes prácticas en una estratégica única para apoderarse de territorios, ya se apropió de más de 65 millones de hectáreas en los países del Sur, en especial, en África y América Latina.

Según la FAO, lo que más preocupa hoy es la volatilidad de los precios de los alimentos, lo que repercute en graves amenazas a la seguridad alimentaria principalmente en los países no desarrollados. Maíz, trigo y arroz, tres cereales que componen la base de la alimentación mundial, están entre los productos que más registraron incremento de los precios desde 2008.

El Informe del Banco Mundial de septiembre de 2011 señala que los precios en julio estaban, en promedio, 33% por encima de los registrados en el mismo mes del año pasado. En el caso del maíz, el aumento fue del 84%; del azúcar, del 62%; del trigo, del 55%; y del aceite de soja, del 47%.

En ese escenario en el cual los stocks mundiales de alimentos se mantienen bajos, sin previsión de recuperación y precios volátiles, el hambre y la inseguridad alimentaria se transforman en componentes de desagregación social y desestabilización política de las naciones más vulnerables.

Agrava esta situación la fuerte expansión de los precios de los insumos agrícolas como consecuencia directa del alza del petróleo, cuya cotización aumentó 45% en el último año, presionando sobre los costos de producción. En especial, vale señalar el valor de los fertilizantes, que subió 67% en el mismo período. Esto porque la producción de insumos, como agrotóxicos y fertilizantes, es muy intensiva en energía. Además, la concentración de la comercialización tanto de los insumos cuanto de los productos agrícolas en manos de pocas empresas transnacionales termina por promover especulación en el mercado de commodities.

En suma, cabe al movimiento popular del campo y a los pueblos indígenas levantar la bandera de resistencia a esa ofensiva del capital internacional sobre las tierras de nuestro continente. Serán batallas en las cuales los medios de comunicación hegemónicos no ahorraran esfuerzos y recursos para desinformar a la sociedad, distorsionar informaciones y ejercer influencias sobre los gobiernos, en defensa de los intereses del capital. Son batallas que van más allá de la defensa de los recursos naturales en nuestros países. Esas luchas también giran en torno a los principios de la soberanía nacional y de la soberanía alimentaria de nuestros pueblos. (Traducción ALAI)

Gerson Teixeira es ex presidente de la Asociación Brasileña de Reforma Agraria -ABRA-; João Paulo Rodrigues es miembro de la Coordenación Nacional del Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra -MST-.

Este texto es parte de la revista “América Latina en Movimiento”, No 474, correspondiente a abril 2012 y que trata sobre ” La descolonización inconclusa” disponible en http://alainet.org/publica/474.phtml.

Referencias Bibliográficas:

(1) Pereira, João Márcio Mendes. In Capturando a terra. Sauer, Sérgio e Pereira, João Márcio Mendes (orgs.). Expressão Popular, São Paulo/SP, 2006, p. 17.

(2) Idem, p.22.

(3) Montecinos, Camila. Entrevista a Radio del Mar. Fuente: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=N&cod=61716

(4) Munduruku, Osmarino Manhoari. In Editorial del sitio Vermelho. : http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/04/creditos-de-carbono-e-soberania.html

Publicado en América Latina en Movimiento, No. 474: http://alainet.org/publica/474.phtml

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