Ocupações da região de Florianópolis unidas na luta por moradia

Foto: Míriam Santini de Abreu.

Por Míriam Santini de Abreu, para Desacato.info.

A luta social no Brasil hoje se move nas ocupações. De prédios públicos, ruas, praças, escolas e – mais criminalizada de todas elas –  a ocupação de terras. Essa balança o pilar que sustenta o capitalismo, a propriedade privada.

Contra ela se movem o poder público, a polícia, a imprensa, o empresariado. Na sexta-feira passada (22), os moradores da Ocupação Marielle Franco, no Maciço do Morro da Cruz, em Florianópolis, experimentaram mais uma vez no corpo a brutalidade reservada aos que cansaram de ter a vida diariamente usurpada e organizam a luta. Moradias arduamente construídas foram destruídas em meio a jatos de gás de pimenta e balas de borracha. Mas a luta não foi ao chão. Na noite daquela sexta, mulheres e homens marcharam Transcaieira abaixo e pararam na frente da Prefeitura, conseguindo uma reunião na Superintendência de Habitação e Saneamento e agendando outra para a sexta-feira (29).

No domingo passado (24), a Ocupação Marielle Franco foi o ponto de encontro de mais de 100 pessoas. Entre elas, moradores do Assentamento Comuna Amarildo de Souza, em Águas Mornas, e de outras três ocupações. Eram elas a Fabiano de Cristo, no bairro Monte Cristo, a Contestado, em São José, e a Nova Esperança, no Brejaru, em Palhoça. Neste 2º Encontro das Ocupações e Grupos de Apoio, estavam também professores universitários, pesquisadores, sindicalistas e parlamentares. Ao longo de três horas, os moradores trocaram experiências e falaram da luta de cada ocupação para ter o direito à moradia.

Leis ignoradas

A moradia está prevista como direito social no artigo 6º da Constituição Federal. Mas o Brasil é conhecido tanto por ter boas leis quanto por sistematicamente ignorá-las. Esse fato foi bem representado na fala de Dirceu Antonio da Silva, morador da Comunidade Santa Terezinha II, no bairro Monte Cristo. Ele esteve no Encontro para dar seu testemunho e apoiar a luta dos ocupantes do Alto da Caieira.  É que a Santa Terezinha II também nasceu de ocupações realizadas lá nos anos 1990. Na época, eram 43 casas onde moravam famílias que também sofreram repressão policial e criminalização por parte do poder público.

 “Na repressão que teve aqui (na Ocupação Marielle Franco), eu me vi no primeiro dia da nossa ocupação na Santa Terezinha II, a minha história voltou”, recordou Dirceu no encontro. Ao dar ali o seu testemunho, ele citou a passagem bíblica do Gênesis em que o Senhor diz a Abraão: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei”. E Dirceu, na manhã de domingo, saiu do Monte Cristo para apoiar os ocupantes no Maciço do Morro da Cruz. Ele relembrou aquelas primeiras famílias que, 30 anos atrás, se organizaram pela moradia, e disse que a briga agora é a pela escritura das casas, meta que ainda não se concretizou, dentro da regularização fundiária não cumprida pela prefeitura de Florianópolis.

A filha de Dirceu, Tayliny da Silva, também deu depoimento revelador da grave situação habitacional de Florianópolis. Ela acompanha a Ocupação Fabiano de Cristo, no bairro Monte Cristo, que tem como particularidade o fato de muitos ocupantes serem filhos e filhas vindos daquelas famílias que ali conquistaram a moradia nos anos 1990. Pela Ocupação Contestado, em São José, falou Patrícia de Oliveira. Ela lembrou que a história dos ocupantes começou depois que o prefeito em exercício e candidato à reeleição Djalma Berger ofereceu-lhes um grande terreno para moradia. Mas, com a eleição perdida, autorizou ação de despejo, cometendo, como ela disse, crime eleitoral. Agora em outro terreno, os moradores lutam desde 2012 para garantir a moradia. “Com a organização do povo, a nossa força, é uma batalha, mas a gente  consegue”, afirmou Patricia.

Pelo Assentamento Comuna Amarildo de Souza, falou Daltro Sousa. Ele resumiu a história da ocupação, que começou na SC-401, no Norte da Ilha, e hoje está em Águas Mornas. Iniciada nas proximidades do acesso à Jurerê, a ocupação foi fortemente criminalizada, com manchetes diárias nos jornais, sites e emissoras de tevê. Naquele período foi possível conhecer a situação de famílias cuja renda de um a dois salários mínimos não dava conta de pagar aluguéis que consumiam de 800,00 a mil reais. Por isso, Daltro foi enfático: “Não assistiríamos as coisas acontecendo aqui calados, as pessoas sem condições de morar, de viver. Tomamos a decisão de não mais sofrer calados. A gente aprende que, se eles tiram uma telha, a gente coloca outra. Cada um aqui é força. Vamos resistir!”

A Nova Esperança, em Palhoça, teve sua luta retratada por Vladimir Borges Ribeiro e Edna de Souza Pires Pacheco. Lá, como acontece nas demais ocupações, as famílias estavam pagando aluguéis na faixa dos 800,00. Agora, buscando se organizar coletivamente, elas buscam a permanência na área, tendo apoio jurídico e fazendo a prefeitura de Palhoça dialogar com os ocupantes.

Ocupações em ciclos

O professor Francisco Canella, em seu artigo “O movimento dos sem-teto em Florianópolis: mudanças no perfil dos atores e práticas (1990 – 2014)”, afirma que, no período que vai dos anos 1990 até 2015, houve dois ciclos de mobilizações ligadas ao acesso à terra e/ou moradia urbana. O primeiro corresponde aos anos 1990, e o segundo, inaugurado pela Ocupação Contestado, corresponde a 2012, em São José, com a Ocupação Contestado, a Amarildo e a Palmares, que também foi no Maciço do Morro da Cruz. Diz o professor: “Esses dois momentos podem ser caracterizados como ciclos, termo cujo emprego se justifica por inexistir uma continuidade entre os dois momentos, e pelo fato de suas características, tanto em termos de composição social de seus integrantes, como nas formas de organização e mobilização, serem significativamente distintas”.

Em 2018, período pós-golpe – com o impeachment de Dilma Rousseff – a falta de moradia se agrava com a lei da terceirização e a destruição da legislação trabalhista. Mas a luta também cresce e se unifica, como ficou claro no 2º Encontro das Ocupações e Grupos de Apoio. Está agendada para esta semana nova reunião com a prefeitura e também haverá Audiência Pública na Assembleia Legislativa, em data a ser confirmada, para discutir as ocupações e a Política de Habitação de Interesse Social.

Como dizem as faixas nas ocupações, enquanto morar for privilégio, ocupar será direito.

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Míriam Santini de Abreu é jornalista em Florianópolis.

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