Ocupação urbana de Passo Fundo recorre à CIDH por garantia de direitos básicos

Os moradores sofrem com a falta de saneamento básico, água e energia elétrica há mais de seis anos

Sem água e saneamento básico as famílias não podem adotar os mais básicos cuidados contra o contágio do coronavírus, como lavar as mãos e os alimentos – Ari Silva – Gamop

Famílias da Ocupação Valinhos II, de Passo Fundo (RS), apresentaram um pedido de Medida Cautelar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra o Estado brasileiro na quarta-feira (26). Os moradores solicitam a garantia do direito humano à água e energia elétrica, considerados indivisíveis e interdependentes ao direito à vida e a moradia adequada.

A ocupação faz parte do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e está sem esses serviços desde a sua criação, em 21 de janeiro de 2014. Na época, os Sem Teto ocuparam o local baldio de propriedade do município, para fins de moradia. Valinhos II abriga 337 pessoas, em sua maioria jovens, afrodescendentes e em situação de vulnerabilidade social. Essas pessoas construíram suas moradias em 115 lotes auto-organizados.

“O município cedeu para área industrial esse espaço e as indústrias não vieram. Então o terreno não cumpria sua função social, estando sem uso há quase 30 anos, por isso ocupamos”, simplifica Edivania Rodrigues da Silva, uma das coordenadoras da ocupação, integrante da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) e do MNLM. Ela ainda destaca a necessidade da prefeitura de Passo Fundo realizar a regularização fundiária da área e da criação de políticas públicas para que as famílias possam melhorar suas casas.

Em 2015, a Defensoria Pública do Estado do RS ajuizou ação civil pública contra a prefeitura municipal, Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN) e Rio Grande Energia (RGE), para garantir o direito das famílias ao fornecimento de água e energia, mas o pedido foi indeferido em primeira e segunda instância, pois a área da ocupação é considerada irregular.

A única forma encontrada pela comunidade para obter energia elétrica é através de ligações irregulares e provisórias, que expõem todos a riscos. Na ocupação Valinhos I, uma pessoa morreu eletrocutada no ano passado, e aproximadamente dez casas foram destruídas por incêndios em ocupações em Passo Fundo nos últimos dois anos, por essa situação. A vulnerabilidade dos beneficiários apenas aumentou em razão da pandemia de coronavírus, impondo a ação urgente do Estado. O coronavírus já chegou à ocupação, e Passo Fundo é uma das cidades gaúchas com o maior número de casos de contaminação e de óbitos.

Valinhos II abriga 337 pessoas, em sua maioria jovens, afrodescendentes e em situação de vulnerabilidade social / Ari Silva – Gamop

Sem água e saneamento básico, as famílias não podem adotar os mais básicos cuidados contra o contágio do coronavírus, como lavar as mãos e os alimentos, o que pode levar ao contágio e, consequentemente, à morte. Também, ao permanecerem isolados em suas residências, os beneficiários aumentam seu consumo de energia elétrica e sua exposição à rede precária, o que pode ser motivo de dano à integridade pessoal por choques elétricos ou incêndios.

A denúncia apresentada pela Acesso – Cidadania e Direitos Humanos e a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo assumiu a forma de pedido de medidas cautelares, possibilidade prevista no regulamento da Comissão em casos com grave e urgente risco de dano irreparável aos direitos humanos de pessoas sob jurisdição dos Estados americanos. Essa é a primeira medida cautelar proposta a CIDH em relação ao município de Passo Fundo e as entidades esperam que o Estado brasileiro seja instado a fornecer os serviços essenciais de água, saneamento básico e eletricidades às famílias da Ocupação Valinhos II. As entidades destacam a importância do caso, pois se houver uma medida favorável, ela poderá impactar na realidade de outras milhares de famílias no RS e milhões de famílias no Brasil que vivem na mesma situação. Somente em Passo Fundo, mil famílias (5 mil pessoas) estão na mesma situação da ocupação Valinhos II.

Não seria a primeira vez que a Comissão concede cautelares nesse exato sentido. Em 26 de março de 2013, a CIDH concedeu medidas cautelares em favor dos residentes do campo de desalojados Grave Village, em Carregour, Haiti. O requerimento indicava risco à vida e à integridade das 567 famílias desalojadas em função do terremoto de 2010, que viviam em condições insalubres, com acesso limitado à alimentação, à água e a serviços de saúde. Em 17 de julho de 2020, a CIDH concedeu medidas cautelares em favor dos membros dos povos indígenas Yanomami e Ye’kwana do Brasil. O requerimento indicava risco à vida e à integridade no contexto da pandemia de coronavírus, considerando sua situação particular de vulnerabilidade, falhas de atenção à saúde e a presença de terceiros não autorizados em seu território.

*Com informações da Assessoria de Imprensa MST/RS

Edição: Marcelo Ferreira.

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