Ocupação Fabiano de Cristo

Por Rubens Lopes.

Entrar em uma ocupação é sempre uma lição de vida. Pois, ali, está presente a esperança de que é possível um mundo melhor. Esse sonho remete a uma coisa basilar: uma casa. Ver isso se concretizar em um barraco de madeira que abrigará quatro, cinco, seis, sete pessoas… revela o brilho no olhar e o sorriso no rosto das pessoas que ali estão.

É de manhã, sábado de outono na ilha de Florianópolis. Saímos, eu e a jornalista Míriam Santini de Abreu (a simbiose da reportagem: fotógrafo e jornalista), para visitar a Ocupação Fabiano de Cristo. A ocupação recebe esse nome por causa do Lar Fabiano de Cristo, lugar vizinho que acolhe a comunidade pobre do entorno. São 29 famílias, no total 105 pessoas, que ocuparam um terreno que havia sido destinado pela prefeitura para a construção de moradias populares. Mas o projeto nunca saiu do papel. As famílias, não tendo onde morar e sem condições de pagar o preço de um dos aluguéis mais caros do país, decidiram ocupar.

As famílias que ocuparam o lugar conhecem a história de moradia na ilha como ninguém. Pois, algumas delas, são filhas e filhos das pessoas que fizeram as primeiras ocupações no bairro Monte Cristo, na região continental de Florianópolis, no início dos anos 1990. Mesmo depois de muitos anos de luta por moradia digna, a sina se repete: Ocupar. O Artigo 6º da Constituição diz que: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Mas, como tantos outros, esse direito virou mercadoria.

Deise Olinda Urbano da Silva foi a primeira pessoa a ocupar o terreno na Ocupação Fabiano de Cristo. Ela é filha de ocupante. Morava com seu pai e sua mãe em um barraco, depois decidiu morar de aluguel por um tempo com suas duas filhas. Não durou muito, foi despejada depois de dois meses sem conseguir pagar o aluguel. “Era o aluguel ou a comida”, comenta. Num dia quando foi levar as filhas de uma amiga no Lar Fabiano de Cristo, viu o terreno onde hoje fica a ocupação, e decidiu ocupar. Conversou com lideranças da comunidade e conseguiu madeiras e pregos para construir o lugar que hoje é seu lar.

Na Ocupação Fabiano de Cristo, a presença das mulheres é predominante. Elas organizam a ocupação, ajudam a construir os barracos, tomam conta do espaço, cada mulher cuida de todas as crianças, num cuidado recíproco e comunitário. Para manter a vida trabalham em serviços gerais como faxineiras, costureiras, lavadeiras, garçonetes, camareiras, cozinheiras e tantas outras eiras…

Antes de ocupar, muitas mães viram a mesa vazia e os filhos com fome porque o dinheiro duramente ganho tinha sido usado para pagar o aluguel e para evitar o despejo. A renda da maioria das famílias é um salário mínimo, R$ 954,00, e o preço do aluguel na região é de aproximadamente R$ 800,00. Não precisa calculadora pra saber que não é possível ter uma alimentação saudável com o que sobra.

Graziele da Silva trabalha durante o dia e quando volta para a ocupação no fim da tarde ajuda nas tarefas rotineiras. “Eu cozinho durante a noite e revezamos em turnos para alimentar as pessoas na ocupação. Recebemos doações de alimentos e a comida é feita na cozinha coletiva. Assim vamos nos ajudando”. Ela é neta de ocupantes. Ainda era criança quando sua família foi despejada. Agora, dá continuidade à história de luta por moradia.

Os homens também estão presentes na ocupação. Muitos trabalham fora, nas construções civis, alguns têm carteira assinada, outros sobrevivem de bicos para complementar a renda de casa. Durante a ocupação alguns deixaram os serviços para ajudar as famílias a construir os barracos. Com o frio, por causa da estação do ano, é imprescindível que sejam construídos com agilidade para evitar gripes e outras doenças.

Há ajuda por parte da sociedade civil também, movimentos sociais, padres, pastores e poucos políticos que se solidarizam com as famílias auxiliando na coleta de comida ou roupas.

E ali, entre os barracos, a luta segue, porque há a certeza de que morar é um direito.

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Em 2016, a jornalista Míriam Satini de Abreu e eu fizemos um conjunto de 11 entrevistas com pessoas que, nos anos 1980 e 90, estiveram à frente da luta por moradia em Florianópolis, consolidando as primeiras ocupações organizadas na capital catarinense, em especial no bairro Monte Cristo. O projeto feito no âmbito de extensão universitária chamou-se “Escritos em movimentos” e conta a história das primeiras ocupações em Florianópolis.

Acesse o link e assista as entrevistas:
http://escritosemmovimento.blogspot.com/

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