Obra da barragem de Pedreira intensifica assoreamento do rio Jaguari

Projeto promete segurança hídrica à região de Campinas, mas põe abastecimento em risco. Junto com o Atibaia, Jaguari forma o estratégico rio Piracicaba

P. Amor Proteção Ambiental. Com o desmatamento nas margens do Jaguari e o trabalho de máquinas no canteiro de obras, é cada vez maior a quantidade de terra que as chuvas fortes desta época carregam para dentro do rio.

São Paulo – Na propaganda do governador João Doria (PSDB), a construção da barragem em Pedreira visa garantir segurança hídrica para 20 municípios da Região Metropolitana de Campinas. Na realidade, porém, há o temor de riscos ao abastecimento no município e até no âmbito regional. Isso porque suas obras, tocadas a todo vapor pelo consórcio BP, a serviço do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), estão intensificando o processo de assoreamento do rio Jaguari.

Devido a diversos empreendimentos e ao descarte de rejeitos, especialmente da indústria de porcelana ao longo dos anos, o leito do rio que nasce em Sapucaí-Mirim, Camanducaia e Itapeva, em Minas Gerais, já tem trechos com grande acúmulo de sedimentos na região urbana de Pedreira,  Mas a situação tende a se agravar, segundo integrantes do movimento #BarragemNão.

As fortes chuvas que começaram a cair na região desde o começo do mês arrastam cada vez mais grandes quantidades de terra movimentadas por máquinas após o desmatamento das margens do rio Jaguari.

“As obras da barragem estão assoreando o rio. Até o final do verão, ele ‘virou lama’. Está sendo comprometida a qualidade da água do abastecimento da cidade e de todas que ficam abaixo. Um crime ambiental em nome de uma obra inteiramente desnecessária”, afirma a ambientalista Carina Galvão, integrante do movimento.

A situação denunciada pela ambientalista começou a se agravar no começo do mês. Depois de uma forte chuva na noite do sábado (30), o rio transbordou e formou uma lagoa na área do canteiro de obras. Uma estrada municipal que liga Pedreira a Campinas foi bloqueada por um dia. Isso tudo porque um acesso construído sobre o Jaguari com terra batida, para  passagem de máquinas e trabalhadores de um lado para o outro do canteiro de obras foi mal construído.

Ao projetar essa espécie de ponte, os engenheiros das construtoras OAS e Cetenco, que formam o consórcio BP, não levaram em consideração que fortes chuvas aumentam a vazão de rios. E acreditaram que alguma manilhas seriam suficientes mesmo para a passagem do volume aumentado de água e sedimentos. A falha no dimensionamento aumentou a preocupação e a desconfiança em relação à segurança da obra por ambientalistas, integrantes do movimento contra a barragem e moradores, como Ana Gouveia e Manoel David, que gravaram entrevistas.

Questionado pela reportagem, o DAEE insistiu que as barragens de Pedreira e Duas Pontes, a segunda projetada para ser construída em Amparo, “vão aumentar a segurança hídrica de 23 municípios na bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí e beneficiar uma população de 5,5 milhões de habitantes”. E que “o método construtivo segue um rigoroso plano de segurança previsto no projeto, conforme determina a legislação”. O plano, que tem sido cobrado com insistência pela população, ainda não foi apresentado. O prazo do empreendedor termina quando a barragem estiver pronta e o reservatório prestes a começar a represar água.

Ainda segundo o DAEE, “mesmo com o alto índice de chuvas em 30 de novembro e 1º de dezembro (63,6 milímetros), seus técnicos constataram não ter havido grandes deslizamentos de terra para o leito do rio Jaguari na área de construção da barragem de Pedreira”.

E negou que as obras estejam prejudicando a qualidade dos recursos hídricos. “Técnicos da empresa responsável pela construção da barragem de Pedreira mediram a turbidez da água no rio Jaguari, na altura do canteiro de obras, e constataram melhora na qualidade dos recursos hídricos entre os dias 2 e 4 de dezembro. A turbidez momentânea da água ocorreu por causa das fortes chuvas que caíram na região”.

Pelo projeto, a barragem terá 52 metros de altura e mais de 600 metros de extensão. O reservatório, que terá capacidade para 38 milhões de metros cúbicos, se estenderá sobre o território de Pedreira e Campinas – que terá alagada parte de sua Área de Proteção Ambiental (APA). Considerada de alto risco, sendo erguida a 800 metros do bairro residencial Ricci e a menos de dois quilômetros do centro de Pedreira, formará uma represa que não terá adutora para distribuição à população – o que reforça questionamentos quanto aos verdadeiros objetivos da construção com custo de mais de R$ 200 milhões.

Abastecimento prejudicado

Desde o começo de dezembro, o abastecimento tem sido prejudicado em Pedreira. O serviço municipal de tratamento de água do município fica a menos de dois quilômetros do canteiro de obras.

A alta concentração de lama na água – a chamada turbidez – dificulta a já defasada captação e o próprio tratamento para abastecimento. O município gasta mais com produtos químicos e com a manutenção das bombas, que acabam danificadas com a passagem da água mais espessa.

RBA questionou o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) sobre as providências para prevenir o corte de fornecimento e um possível pedido de embargo da obra até que todos os cuidados sejam tomados, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.

O problema do assoreamento intensificado pela erosão, causada principalmente pelo desmatamento próximo às margens do rio, é tão sério que seu controle está entre as condicionantes da licença ambiental de instalação do empreendimento.

Emitida em 28 de dezembro passado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), exige a inclusão das medidas adotadas para o controle de erosão e assoreamento nos relatórios quadrimestrais de acompanhamento do Subprograma de Controle de Erosão e Assoreamento. E a compatibilização das medidas de controle e das atividades de recuperação das áreas com o cronograma de obras.

Segundo especialistas, as consequências do aumento na turbidez e na sedimentação vão além da redução na concentração de oxigênio dissolvido na água devido à suspensão do material orgânico presente no sedimento, além da remoção do substrato utilizado por plantas e animais. A luminosidade necessária à fotossíntese das plantas aquáticas fica prejudicada nesse meio. A dragagem também traz consequências nocivas, já que mistura sedimentos naturais com o dragado, entre os quais há elementos químicos, que podem prejudicar peixes, plantas e toda a biota.

Desabastecimento

Quando deixa Pedreira, o Jaguari segue seu curso até a fronteira entre as cidades de Paulínia, Cosmópolis e Americana, onde se junta ao rio Atibaia para formar o Piracicaba – um dos mais importantes rios paulistas e responsável pelo abastecimento da Região Metropolitana de Campinas . A ameaça de desabastecimento na região, que justifica a construção de barragens pelo governo paulista, está diretamente associada à maior demanda de água pela Região Metropolitana de São Paulo, abastecida pelo Sistema Cantareira.

Uma das represas que abastece o Cantareira é justamente a do rio Jaguari, construída em 1981 pela Sabesp no município de Vargem, na divisa com Minas Gerais. De acordo com um estudo sobre o efeito do Sistema Cantareira sobre o regime de vazões na bacia do rio Piracicaba, da USP de São Carlos, a partir das décadas de 1970 e 1980 houve uma diminuição nas vazões médias de aproximadamente 24% no rio Atibaia, 50% no rio Jaguari e 14% no rio Piracicaba. A redução das vazões ocorreu principalmente na dos meses de abril a setembro.

Em 2014, o Cantareira praticamente entrou em colapso. No ápice da crise na gestão dos recursos hídricos pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB), foi tirada água do volume morto dos reservatórios. Os efeitos da estiagem prolongada poderiam ter sido minimizados no caso de investimentos em ações básicas, como preservação de nascentes, de matas ciliares, limpeza de córregos e rios e medidas para conter o assoreamento dos cursos d’água.

“Vão ignorar as barragens do estado poluídas e abandonadas até quando em nome de novas? Barragem já tem suficiente! Falta gestão!”, questiona Carina Galvão, do Movimento #BarragemNão, chamando atenção para o desprezo dos gestores com ações básicas, preventivas e muito mais baratas dos que a construção de grandes barragens e represas que interessam apenas aos empreiteiros e a alguns políticos, que por diversas razões as consideram a salvação da lavoura.

Uma das provas de que governos e prefeitos não aprenderam a lição dada pela natureza na chamada crise hídrica é a situação da represa de Salto Grande, a cerca de 70 quilômetros de Pedreira. Completamente abandonada, poluída por esgotos domésticos de grandes condomínios na região e tomada pelo lixo, em sua água proliferaram, de maneira descontrolada, os chamados aguapés. Essas plantas aquáticas são alimentadas por fósforo e nitrogênio presentes nos esgotos, e disputam o oxigênio com os peixes – que desapareceram dali.

A barragem de Salto Grande, que serve a uma pequena central hidrelétrica (PCH), foi incluída na lista de estruturas com risco de rompimento pela Agência Nacional de Águas em novembro de 2018. É classificada como de alto risco e dano potencial alto.

Para a população de Pedreira, a barragem em construção na cidade pode ser no futuro o que Salto Grande é hoje: A imagem do descaso com a natureza e com a segurança da população pago com seus impostos.

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