O xadrez do fim da síndrome de Pilatos no STF

Por Luis Nassif.

Peça 1 – terminou a fase Pôncio Pilatos do STF.

Na fábula do lobo e do cordeiro, qualquer argumento valia para o lobo devorar a vítima.

Com o reequilíbrio de forças nas ruas, as articulações políticas no Congresso, os abusos da Lava Jato, as agressões a Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e a perspectiva sombria de um governo com Eduardo Cunha e Michel Temer, o quadro mudou. O impeachment, agora, necessita de legitimação.

Dificilmente, hoje, o Ministro Luís Roberto Barroso repetiria a frase de dias atrás, de que o Supremo não iria analisar o mérito da votação da Câmara.

A declaração de Marco Aurélio de Mello – de longe, o mais independente e corajoso dos Ministros – sobre a necessidade da análise de mérito pelo STF, mais as agressões a Teori Zavascki, aparentemente romperam a síndrome Pôncio Pilatos que acometia o Supremo.

Nesta 5a, foi o julgamento da liminar impetrada pela AGU (Advocacia Geral da União) contra os grampos de Sérgio Moro. A sessão era apenas para decidir se o inquérito ficava com Sérgio Moro ou se viria para o STF analisar e decidir com quem ficar. Mas houve inúmeras manifestações contra os abusos de Moro, prenunciando um futuro julgamento severo sobre sua atuação.

Até algum tempo atrás, o STF supunha que sua não-manifestação no processo do impeachment significaria respeito a outro poder. Agora, caiu a ficha que não. Nenhum Ministro – com as notáveis exceções de Gilmar Mendes e Dias Toffoli – se sentirá confortável, se o julgamento da Câmara se revelar uma farsa.

Peça 2 – O julgamento do impeachment pela Câmara é farsa.

Imagine você indo a um supermercado com a lista de compras e limite de R$ 150,00 para gastar. No meio do caminho ligam de casa pedindo para reformular a lista, aumentando a quantidade de tomates. Os gastos continuam limitados a R$ 150,00. Compram-se mais tomates e cortam-se outros itens, mas não se gasta acima do teto definido.

Essa fábula hortifrutigranjeira foi o melhor exemplo levantado pela Fazenda para explicar os decretos questionados pela Câmara.

A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) legisla exclusivamente sobre despesas primárias (excluindo juros e amortização). Quer saber se administrações gastam acima de limites pré-fixados pelo orçamento, ou se determinados itens do orçamento – como despesa com salários – superam percentuais máximos previstos em lei.

Vamos entender melhor essa questão.

O orçamento é fixado no final do ano anterior e funciona mais ou menos assim:

1.    O governo define o orçamento geral para o ano seguinte.

2.    Cada órgão recebe sua dotação e planeja seus gastos, definindo o montante de cada programa. Com isso, monta-se a lista do supermercado.

3.    O orçamento é autorizativo, mas não obrigatório. No decorrer do ano, o governo vai adaptando o orçamento às disponibilidades de caixa. Se há frustração de receita, por exemplo, ela pode contingenciar os gastos. Pode trocar tomates por cebolas, ou até gastar menos – nunca gastar mais. Para a LRF interessa o que foi gasto, não o que foi previsto.

4.    Dentro dos limites fixados, os recursos podem ser remanejados, já que é impossível prever todas as ocorrências com um ano de antecedência. A maneira de remanejar é através dos decretos

5.    A Lei de Responsabilidade Fiscal mede o gasto final. E incide apenas sobre a despesa primária (a despesa pública expurgada dos juros e amortização de dívida).

Vamos a alguns exemplos das necessidades que surgem de remanejamento e como os decretos são utilizados:

1.    Houve vários concursos públicos em 2014. Inscreveram-se o dobro de candidatos previstos. Com isso, arrecadou-se o dobro do valor estimado com as tarifas de concurso. Como o concurso só ocorreria em 2015, esse dinheiro ficou guardado na conta única do Tesouro, como superávit financeiro do ano anterior.

2.    Em 2015 os concursos foram realizados. Como houve o dobro de candidatos, obviamente aumentaram os gastos com o concurso. Assina-se então um decreto permitindo ao MEC (Ministério da Educação) utilizar o dinheiro daquela rubrica (que ficou rendendo na conta única do Tesouro) – do ano anterior – para cobrir os gastos do concurso.

O que a acusação faz é tratar 6 decretos de remanejamento de Dilma como se fosse criação de despesa.

No tal processo do impeachment, discute-se isso:

“abertura de credito suplementar mesmo diante do cenário econômico daquele momento, quando já era sabido que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentarias, Lei n. 13.080/2015, não seriam cumpridas, o que pode ensejar o cometimento de crime de responsabilidade contra a lei orçamentária”.

Foram seis decretos, no valor total de R$ 95 bilhões. R$ 92,5 bilhões foram compensados com cortes em outros programas.

Sobram R$ 2,5 bilhões.

Desses, R$ 708 milhões foram para despesas financeiras, isto é pagamento do serviço da dívida e de amortização, sem nenhum impacto no gasto primário.

Sobra R$ 1,8 bilhão, ou 0,06% do orçamento. É sobre esse valor que se armou toda a celeuma.

No pedido de impeachment se afirma que a presidente editou os 6 decretos que ampliaram a dotação orçamentária no nível de programação e que seria incompatível com a meta fiscal

Não aumentaram e nem  faz sentido a afirmação.

Segundo a advogada Janaina Paschoal, na hora em que presidente assinou o decreto, cometeu crime. Só seria ilegal se não permitisse cumprir a meta. Mas só se saberá se cumpriu a meta no final do ano. É o conhecido recurso “joga-para-ver-se-pega”, muito mal visto na área do direito.

Peça 3 – o rescaldo da semana

Encerra-se a semana, então, com o seguinte balanço:

Depois do desembarque do PMDB, o governo deu início a novas articulações que, aparentemente, lhe permitiram recuperar o fôlego no Congresso. Ficou nítido na resistência dos ministros do PMDB em entregar o cargo, e na dura crítica feita pelo presidente do Senado Renan Calheiros à precipitação do partido.

A perspectiva de um governo com Michel Temer à frente, conduzido por Eduardo Cunha, chegou a provocar arrepios cívicos no Ministro Luis Roberto Barroso.  Enfim, repetiu-se o mesmo erro inicial, de amarrar o impeachment à imagem de Temer, Cunha, Aécio, Serra e outros menos votados.

Enquanto multiplicavam-se as manifestações contra o golpe, os articuladores do governo iniciavam negociações com o PP, PSD e outros, visando otimizar as vagas de ministros abertas.

O Procurador Geral da República Rodrigo Janot, no entanto, agiu rapidamente. Ontem mesmo denunciou toda a cúpula do PP, justo no momento em que o governo armava o novo Ministério e tentava cooptar o partido. Segundo a colunista Tereza Cruvinel, com a intenção de impedir as negociações. Pode ser apenas um caso de coincidência excessiva.

Ontem, ainda, surgiu o boato de que algumas federações de indústria estariam montando um enorme caixa visando convencer deputados recalcitrantes a votar pelo impeachment.

Pode ser apenas boato. Se for real, nesses tempos de Lava Jato seria um prato cheio para o MPF e a PF.

Hoje, as nuvens que se formam no céu político indicam o seguinte:

1.    Boa probabilidade da tese do impeachment na Câmara não ter quórum.

2.    Rearticulação da base política do governo, em bases precárias.

3.    Novas tentativas de golpe através do TSE.

Necessidade de se passar à opinião pública o sentimento de urgência para abrir espaço para um pacto que impeça o aprofundamento da crise.

Fonte: Jornal GGN.

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