O viver bem político-ambiental de Evo como combate à crise global

Por Elissandro Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

O presidente da Bolívia, Evo Morales Ayma, tornou-se conhecido como um defensor da Mãe Terra, um diplomata a serviço dos direitos do Planeta. Mais importante que esse reconhecimento é o fato de que, nele, há equivalência entre discurso e prática. Evo não é somente um presidente que discursa, é um adepto da práxis político-socioambiental. Com ele, o Estado Plurinacional cresceu e se desenvolveu socialmente, politicamente, organizacionalmente, institucionalmente e no plano humanitário. Problemas históricos, aos poucos, a partir de sua gestão, foram se dissolvendo ou estão em vias de transformação ou discussão.

O maior entrave atual da Bolívia é a direita neoliberal que tenta emperrar a continuidade do projeto de justiça social e ambiental iniciado pelo governante indígena, pois a elite econômica e, infelizmente, até mesmo muitos daqueles que ascenderam da pobreza à classe média, na atual conjuntura, buscam novas possibilidades de exploração dos recursos naturais e isso pode frear o sonho do crescimento sustentável e consciência sócio-político-ambiental que se começou a fomentar nos imaginários sociais bolivianos.

Na política de crescimento social implantada pelo governo de Evo há um elemento que merece destaque, não há um desejo desenfreado para que a Bolívia se torne potência econômica, mas que se transforme em um país justo, sem oprimidos e opressores, sem pobres e ricos, mas humanos cônscios de que o planeta já não comporta o consumo, o egoísmo do viver melhor. Com a chegada do indígena andino ao poder, cada vez mais as comunidades bolivianas se dão conta de que a parceria, o cuidado com o outro e com a terra podem ser o caminho para outro mundo, justo sócio-político-histórico-ambientalmente.

Mas, antes de avançar na discussão em torno da concepção de Evo sobre o viver bem como resposta para a crise Global, torna-se oportuno apresentar algumas informações que são cruciais para entender quem é esse presidente e quais mudanças ocorreram na Bolívia a partir de seu governo.

Com base em dados publicados pelo Portal Latino-americano de Notícias, Plano, na matéria “Evo Morales: 10 fatos sobre o presidente reeleito” tem-se o seguinte:

  • Do ponto de vista da identidade: Evo foi o primeiro presidente indígena da Bolívia e está no cargo desde o ano de 2006. Sobre a importância disso, é interessante mencionar que os povos de origem indígena representam mais da metade da população da Bolívia e que, atualmente, está no terceiro mandato ao vencer as eleições de 2014.
  • Acerca da Educação: o presidente indígena conseguiu erradicar o analfabetismo no país em 2008, mas somente em 2014 a UNESCO reconheceu a erradicação do analfabetismo nesse país latino-americano.
  • No que se refere à pobreza: Evo, além de reduzir a desigualdade social, fez com que a Bolívia fosse reconhecida pela Organização das Nações Unidas como exemplo no combate à fomeconforme relatório da referida instituição em 2014.
  • Sobre os Agricultores: Evo é líder sindical dos plantadores de coca e foi contra a proibição do cultivo sugerida em reuniões internacionais. Ele defende que a folha da coca é um patrimônio cultural do país e dos povos indígenas.
  • No tangente ao Transporte: no ano de 2014, as cidades de La Paz e El Alto foram beneficiadas com a inauguração do Mi Teleférico e esse meio de transporte melhorou muito a locomoção entre as duas regiões e também é um ponto turístico para quem visita a capital.
  • O preferido desde a primeira gestão e somente agora começou a ser desaprovado por alguns segmentos da nação boliviana, em especial, por aquela parcela que faz parte da elite e que nunca se conformou com a nova Bolívia no governo Morales, mais justa socialmente: o presidente indígena foi eleito em 2005 com 54% dos votos, em 2009 com 64% e em 2014 com 61%. É importante mencionar que nunca um presidente ficou tanto tempo na Bolívia.
  • Sobre os Países vizinhos: desde a primeira gestão reforçou os laços entre os países da América Latina e manteve um relacionamento próximo com outros presidentes, principalmente, com Fidel Castro, Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Lula e, depois, com seus sucessores.
  • No que se refere à relação com o Brasil: mesmo havendo sido mais próximo de Lula, também fez parcerias importantes com a presidenta Dilma Rousseff.
  • Bolívia-EUA: um forte crítico ao neoliberalismo estadunidense.
  • Concernente à Economia: no início da primeira gestão, o presidente boliviano optou por explorar as riquezas naturais do país, principalmente o gás natural e os minérios.

Na América do Sul, talvez seja o único dos presidentes com uma visão político-ecológica, que desenvolve ações voltadas para o crescimento econômico boliviano a partir do cuidado para com o povo e, em especial, respeitando o meio ambiente, ainda que alguns problemas nessa vertente não estejam bem resolvidos.

Por meio das experiências socioambientais de Evo, tem-se o nascimento no continente sul-latino-americano de um socialismo ecológico que concebe desenvolvimento como intersecção entre justiça social e ambiental.

Com base nas experiências político-ambientais de Evo e no documento “Vivir Bien” elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores do Estado Plurinacional, a importância do viver bem como solução à crise global causada pelo desenvolvimento ocidental é uma proposta de desconstrução através do despertar e da potencialização da energia comum. Também recorre a um conceito de Mahatma Gandhi que devemos viver de forma simples para que os demais possam viver e aos avós zapotecas de Oaxaca do México com a premissa de que não é mais rico o que mais tem, mas o que menos necessita.

Todos os ensinamentos apresentados no parágrafo anterior estão presentes, de alguma forma, no viver boliviano por meio de Evo e essa concepção andina boliviana pode ser uma alternativa para todo o planeta, um exemplo vivo de que é possível outra forma de relação com o mundo, pautado não no viver egoísta que o viver melhor comporta, mas no viver de forma simples.

Em consonância com a política de Evo, percebe-se que o desenvolvimento do viver bem se originou a partir das minorias. Com isso, tem-se que esta é revolucionária, pois a revolução virá de baixo, das camadas mais exploradas, já que os grupos que estão no poder não querem mudança, ao contrário, sonham com a manutenção dos privilégios e das regalias à custa da exploração dos demais, ou seja, de um viver melhor que o outro.

As minorias na Bolívia, no respeito imenso que demonstram a Pachamama, estão cônscias de que vivemos as graves consequências das mudanças climáticas, as crises energéticas, alimentícias e financeiras e que isto não é produto dos seres humanos em geral, mas do sistema capitalista vigente, desumano, com seu desenvolvimento industrial ilimitado. É produto de grupos minoritários que hegemonizam o poder mundial concentrando as riquezas e o poder somente para eles.

Segundo os pressupostos do viver bem, o capitalismo nos trouxe a ganancia do viver melhor. Nesse sentido, é oportuno mencionar que o modelo capital nos trouxe egoísmo, individualismo, até regionalismo, a sede de ganância, a forma de viver em luxo, de somente pensar no lucro e nunca, jamais, na irmandade dos seres humanos que vivem ou habitam no Planeta Terra. Esses princípios são contrários não somente aos povos oprimidos, mas, também, contra a natureza e o Planeta, mas quando os povos minoritários em relação às decisões de poder do capital se reúnem, é possível lutar contra as injustiças.

A filosofia boliviana andina nos mostra que o essencial é viver bem e não melhor e que nisso reside sustentabilidade social e ecológica. Frente a tanto desequilíbrio e concentração das riquezas no mundo, tantas guerras e fome, a Bolívia apresenta o viver bem, não um viver melhor a custo do outro, mas um viver bem baseado na vivência de nossos povos. Segundo o documento aqui em análise, ou seja, o “Vivir Bien”, para Evo Morales Ayma viver bem é viver em comunidade, em irmandade, e, em especial, em complementariedade. Onde não existam explorados nem exploradores, onde não existam excluídos nem quem exclua, onde não existam marginalizados nem quem provoque a marginalização.

De acordo com as empirias andinas e em consonância com o que afirma o documento boliviano “Vivir Bien” apresentado à ONU, o viver bem não é o mesmo que o viver melhor, o viver melhor que o outro. Para o viver melhor, frente ao próximo, faz-se necessário explorar, produz-se uma profunda concorrência, concentra-se a riqueza em poucas mãos. Viver melhor representa egoísmo, desinteresse pelos demais, individualismo, alguns querem viver melhor e isso a partir da exploração do outro; para esses, as maiorias sempre deverão viver mal. Se não há interesse pela vida dos demais, somente fica o interesse pela vida da pessoa individual, no máximo, com a família. Sendo uma visão de vida diferente, o viver bem está em desacordo com o luxo, com a opulência e com o desperdício, e, consequentemente, com o consumismo. Em alguns países do Norte, nas grandes cidades, há pessoas que compram uma roupa, usam uma vez e depois a jogam na lixeira. Essa falta de interesse pelos demais gera oligarquias, nobrezas, aristocracias, elites que sempre pretenderam o viver melhor.

Segundo o viver bem, todos se cuidam. Ninguém pensa somente em si. Nessa filosofia de vida, o mais importante não é a pessoa individual. O mais importante é a comunidade, onde todas as famílias vivem juntas. Somos parte da comunidade, como a folha é parte da planta. Ninguém diz: vou cuidar de mim somente, não me importa minha comunidade. É tão absurdo como se a folha dissera à planta: você não é importante para mim, cuidarei de mim.

Essa perspectiva do cuidado, com certeza, é a mola que permite que a filosofia do viver bem se incorpore nos imaginários societários, mas é importante destacar que o povo boliviano é especial, pois, por suas raízes ancestrais andinas, tem um vínculo forte com a Terra. Essa noção do viver comunitário não se perdeu, mesmo diante de algumas mudanças trazidas pela modernidade e pela pós-modernidade. Nisso reside parte do sucesso para as políticas sustentáveis que estão dando certo nesse país que já foi um dos mais pobres da América Latina.

A Bolívia, através de Evo, nos ensina que outros modelos de relação com a Terra são possíveis, que o capitalismo talvez possa ser vencido e, dessa maneira, substituído por sistemas socioeconômicos que promovam a justiça em campos amplos.

Como alternativa contra a crise global provocada pelo Capitalismo, por meio do viver bem andino boliviano podemos aprender que o trabalho pode trazer felicidade, mas isso só será possível se não vivermos somente para isso. Segundo o viver bem, não trabalhar e explorar o próximo, possivelmente, nos permitiria viver melhor, porém isso não é viver bem. No viver bem, o trabalho é felicidade; trabalhar é aprender a crescer, a confundir-se com a reprodução fascinante da vida. É ação orgânica como caminhar ou respirar. No viver bem, o trabalho é geral, para todos e tudo, desde a criança até o avô, do homem, à mulher e até mesmo à natureza. Não conhecemos ninguém vivendo e gozando trabalho alheio. A acumulação privada é desconhecida e desnecessária. A acumulação comunitária enche sempre os depósitos. Em nossas comunidades não buscamos, não queremos que ninguém viva melhor, como nos mostram os programas de desenvolvimento recorrentes no mundo.

Como considerações finais, é oportuno mencionar que é preciso desconstruir essa lógica de desenvolvimento na qual estamos mergulhados que naturalizamos em nossas sociedades. É preciso ter visão de águia para compreender os problemas ecológicos gerados pelo capitalismo para, no futuro, diante das crises ambientais que se acirrarão ainda mais, não ficarmos somente no grito e na dor, sem a compreensão das causas geradoras das febres político-econômicas que varrem o mundo hodierno.

Precisamos vencer essa arquitetura mental de desenvolvimento como crescimento de produtos internos brutos nos seios das nações; necessitamos desconstruir esse desejo insustentável de potência que sobrevive no Brasil, por exemplo; torna-se imprescindível compreender que ou vencemos o capitalismo e criamos outros modos de relação com a Terra e tudo o que ela nos oferece, ou pereceremos.

Enfim, com o viver bem boliviano e de outros povos andinos, aprendemos que, por conseguinte, viver bem é contrário ao desenvolvimento capitalista e vai mais além do socialismo. Para o capitalismo, o mais importante é o dinheiro, a obtenção do lucro. Para o socialismo, o que mais importa é o homem, porque o socialismo busca a satisfação das necessidades cada vez mais crescentes dos homens, tanto materiais como espirituais. No viver bem, o mais importante não é nem o homem, nem o dinheiro, o mais importante é a vida. Porém, para o capitalismo não importa a vida, e os modelos de desenvolvimento, o capitalista e o socialista, requerem um rápido crescimento econômico, o que causa um desperdício de energia e o uso desenfreado de combustíveis fósseis para alimentar o crescimento. Portanto, o desenvolvimento capitalista demonstrou ser um fracasso, como bem demonstram a crise, o meio ambiente e as graves consequências das mudanças climáticas. Na atualidade, é o principal causador da Crise Global e destruidor do Planeta Terra, pela exagerada industrialização de alguns países, o consumismo viciado e a exploração irresponsável da humanidade e dos recursos naturais.

Referência utilizada como ponto de partida, transcrições e argumentações:

Bolivia. Vivir Bien: diplomacia por la vida. Ministerio de Relaciones Exteriores.

Artigo Evo Morales: 10 fatos sobre o presidente reeleito”, Portal Latino-americano de Notícias – PLANO.

Foto: Cultura Mix.

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