O UàE adverte: o uso de tapa-olho no jornalismo faz mal à saúde

Editorial – 25/11/2015

Na manhã desta quarta-feira, Renato Igor, jornalista da RBS/TV teceu considerações sobre a ocupação do Conselho Universitário, seu comentário foi realizado no telejornal matutino.

Segue a transcrição do comentário:

“É uma piada de que tem que defender o plebiscito que foi feito à comunidade acadêmica. O populismo que foi feito pela reitora. É uma piada. Não está previsto na legislação, nas regras da universidade que tem que ser feito um plebiscito e que tem que levar em consideração um plebiscito e que essa decisão tem que ser tomada no Conselho Universitário com base na decisão da consulta pública. Não tem nada a ver. Foi uma invenção da reitora. Ouvir alunos do curso de história e filosofia sobre a saúde pública. Sobre o Hospital Universitário. Essa é uma questão ideológica. Isso tem que ficar bem claro e bem marcado. Alunos contrários, que são de partidos de esquerda, até gente do passe-livre estava presente pelo que eu pude perceber nas imagens, são contrários, na verdade ao interesse do paciente. E sindicatos que são contrários à adesão porque mudaria o regime de contratação. Passaria a ser CLT e sendo CLT perde-se a estabilidade, perdendo a estabilidade tem cobrança, cobrança pro trabalho. Aí, claro, não interessa ao sindicato. Pessoas que dizem que defendem a democracia, mas não aceitam o diálogo. São intransigentes, só pensam nos próprios interesses. Enquanto isso, para você que acompanha esse tema, cem leitos fechados há mais de três anos. Quantas pessoas ficaram sem atendimento nesse período? Com isso, esse sindicato e esses alunos mais radicais de esquerda não se preocupam. O problema é o seguinte, não há data, em função dessa baderna, não há data ainda para a nova votação. O reitor eleito, prof. Cancelier, esse é um dado extremante importante, é favorável à adesão. Então, mais cedo ou mais tarde ela irá acontecer. Agora, a reitora que estava viajando, agora vocês podem ver aí nas imagens, participou da votação, cancelou a reunião depois da invasão, quando poderia ter pedido o reforço da polícia, mas para evitar o confronto achou por bem cancelar, suspender, a reunião. Até acho que ok, suspende a reunião pra evitar esse tipo de violência, confusão, agora, reitora responsável, tendo o histórico de baderna das últimas sessões do Conselho Universitário, reitora responsável deve chamar a Polícia Federal, porque a esfera é federal, a universidade, inclusive até a polícia militar, pra garantir a ordem e a tranquilidade dos conselheiros pra votar. Se não chamarem a polícia militar para isolar o Conselho, vai ser a mesma baderna na próxima sessão. Então tem que ter pulso, tem que ter interesse público. A reitora na próxima sessão chamar previamente uma medida preventiva, deve chamar a polícia federal e a polícia militar para isolar a área do conselho para garantir a segurança da votação. Nesse populismo, nesse populismo, nessa palhaçada que foi esse plebiscito, ouvindo alunos do curso de história, de filosofia sobre área da saúde que não tem nada a ver com eles, só esqueceram de perguntar pro mais interessado, o paciente. Todo mundo foi ouvido, menos o paciente, que está sem atendimento com cem leitos fechados”.

A profusão de argumentos lineares apresentados por Renato Igor só está à altura de seu próprio despreparo, como jornalista, para realizar a análise que apresentou no jornal da manhã de hoje. Nota-se que sua fala desordenada só poderia estar sendo arranjada no calor do momento, pois o jornalista confunde-se sobre o papel da polícia federal e da polícia militar, o papel do Conselho Universitário, as posições políticas do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC (Sintufsc). Esse é o nível de argumentação que a RBS espera de seus jornalistas? Seria esse o nível, bastante rasteiro, com o qual a sociedade catarinense espera de um veículo de comunicação?

É verdadeiramente impressionante como a censura contemporânea se efetiva. Renato Igor gasta uma enormidade de tempo em rede estadual para fazer muito menos do que um estudantes medianamente formados em jornalismo fariam muito melhor. Contudo, longe de se tratar de incompetência profissional, vê-se o esforço do jornalismo da RBS em ocupar o telespectador com a adesão ou não à EBSERH para que, enfim, ele esqueça que a responsabilidade sobre a situação dramática da saúde catarinense não é da reitora, nem da universidade federal, mas do Governo do Estado de Santa Catarina.

Renato Igor fala, indignado, dos leitos que encontram-se atualmente fechados no Hospital Universitário, para não ter que falar sobre as muitas dezenas de leitos fechados por todo o estado em função da corrupção, do desvio de verbas da saúde para o pagamento da dívida estadual, pelo fechamento das Santas Casas e a privatização dos leitos em Organizações Sociais (OSs) que se tornaram privativos dos planos de saúde.

Mais que isso. O jornalista faz verdadeiras piruetas silogísticas, dignas de um senso comum muito cru, para não ter que falar – e evitar que a sociedade catarinense pense – sobre por que razões o Governo Federal, junto com o governo estadual, foram progressivamente cortando as verbas do HU até o ponto em que se fecharam leitos. Essa é a velha estratégia: sucater para privatizar.

O jornalista é digno de comentários porque exemplificou, em parte, o que é a miséria intelectual do nosso tempo. Com sequencias guturais de um pensamento muito rasteiro: “Ouvir alunos do curso de história e filosofia sobre a saúde pública. Sobre o Hospital Universitário. Essa é uma questão ideológica. Isso tem que ficar bem claro e bem marcado. Alunos contrários, que são de partidos de esquerda, até gente do passe-livre estava presente pelo que eu pude perceber nas imagens, são contrários, na verdade ao interesse do paciente”. Bastaria cozinhar um pouco com uma pitada de história ou filosofia para que até o jornalista mais despreparado para fazer uma opinião editorial perceba que não se pode confundir o que é área de conhecimento com área de atuação profissional. Sem esquecer, que uma das instituições de saúde coletiva mais importantes do mundo, a Fiocruz (Rio de Janeiro), por exemplo, tem no seu quadro alguns dos melhores professores de história, filosofia, antropologia, ciências políticas do país.

Para tecer um comentário dessa monta, Renato Igor teve também que ignorar que não se tratam de um grupo de estudantes contrários. Mas de um longo debate que foi realizado na universidade e que levou a ampla maioria a se posicionar contrariamente a partir de profundo conhecimento acadêmico e político sobre o sentido da EBSERH. O plebiscito, ao contrário do que a RBS pensa, não é uma enquete feita de qualquer modo como em geral se faz no Jornal do Almoço, na programação da emissora. O jornalista ignorou ainda, que estava presente na reunião do Conselho Universitário, para manifestar-se, o professor Nelson Souza e Silva, professor titular e emérito (a mais alta distinção acadêmica que um professor universitário recebe em sua carreira), da Faculdade de Medicina da UFRJ e diretor do Instituto do Coração Edson Saad. O professor apontou em sua fala que a EBSERH rompe com a autonomia universitária e que a EBSER poderia piorar a administração do Hospital Universitário.

Nós poderíamos seguir apontando os absurdos proferidos por Renato Igor, baseados num tipo de pensamento que é estranho à universidade porque a universidade ainda tem rigor científico, filosófico e artístico. Não vamos mais longe nessa peleia. Logo se vê, que a formação dos jornalistas, quando estritamente voltadas para a profissionalização técnica, faz muito mal para a saúde do povo catarinense!

Os interessados podem ler, aqui, uma matéria publicada no Outubro: “Hospitais Universitários: a EBSERH foi a solução?”

Foto: Renato Igor. Captura de tela.

Fonte: UàE.

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