O triunfo das pequenas virtudes.

Machiavelli-crashworks

Por Pedro Otoni. “Comparo a sorte a um desses rios impetuosos que, quando se irritam, alagam as planícies, arrasam as árvores e a casas, arrastam terras de um lado para levar a outro: todos fogem deles, cedem ao seu ímpeto, sem poder detê-lo em parte alguma. Mesmo assim, nada impede que voltando a calma, os homens tomem providências construam barreiras e diques, de modo que, quando a cheia se repetir, ou o rio flua por um canal, ou sua força se torne menos livre e danosa” (Maquiavel, O príncipe, 1513).

Proponho um exercício para contribuir com a compreensão da atual conjuntura brasileira: a articulação entre fortuna e virtude. Apresento que a delicada situação política, nitidamente marcada pelo crescimento e fortalecimento da agenda conservadora na sociedade e nas instituições, é produto das limitações do projeto dos governos petistas entre 2013 e 2015. Vejamos.

A fortuna privilegiou a maior parte do mandato de Lula, conseguindo assim efetivar uma agenda social que beneficiou os mais pobres, sem atacar, e até mesmo ampliar, os privilégios dos mais ricos. No centro deste arranjo esteve a alta dos preços das mercadorias internacionalizadas (commodities) nas quais o Brasil especializou-se. A demanda chinesa por estes itens foi fundamental. Tal situação, vendida como a grande conquista do “lulismo”, não foi outra coisa senão a possibilidade de apoiar-se em um cenário favorável internacionalmente. A fortuna desempenhou seu papel.

É verdade. Os governos do PT foram diferentes daqueles do PSDB, que não teria a mesma atenção com as demandas sociais. Porém governar melhor que os tucanos não pode ser o parâmetro de nenhum projeto de fôlego. Não nego que haja positividade nisso, porém entendo que se tratam de virtudes de baixo perfil, pouco ousadas, e neste sentido também conservadoras. É louvável que tenham realizado políticas que alteraram a fisionomia da pobreza no país (só quem não sabe o que é pobreza é capaz de desconsiderar este fato), porém creditar mais do que isso seria estelionato analítico. O Brasil ainda continua dependente externamente e profundamente desigual. Os governos petistas foram o triunfo das pequenas virtudes.

Pelo menos em quatro momentos nos anos de governos do PT a correlação de forças foi amplamente favorável a transformações substanciais, a virtude poderia ter sido revelada. Em 2008, com a crise internacional abriu-se a oportunidade para mudar o rumo da economia brasileira, nada foi feito. Em 2010, Lula sai do seu segundo mandato com uma aprovação elevadíssima, fato que poderia ter sido usado no primeiro governo Dilma, como propulsão para a mudança de rumo, mais uma vez nada se fez. Em junho de 2013, com a mobilização massiva por uma nova orientação para o Estado e a democracia brasileira poderia ter sido o estopim para mudanças significativas, a postura recuada se repetiu. A vitória de Dilma no segundo turno em 2014, resultado da ampla participação voluntária de milhares de pessoas que se somaram no esforço contra Aécio e sua política, fato que poderia ser utilizado para estabelecer um novo arranjo de governabilidade, tendo a mobilização da sociedade como centro; de novo a timidez imperou. Faltou virtude.

Não tomar medidas para enfrentar os riscos externos é a prova dos nove da ausência de virtude. Não há conjuntura favorável para aqueles que não estão dispostos à ousadia; tal postura significa renunciar a própria ideia de governo e deixar que a sorte (ou a direita) comande o país. Então para que pretender-se a governo se o que se faz é renunciá-lo cotidianamente, por atos, mas sobretudo por omissões?

Os diques, como advertia Maquiavel a cinco séculos, não foram preparados e a maré conservadora agora assola as planícies e o Planalto brasileiro. Não é hora de defendermos pequenas virtudes, mas reencontrar a virtude à esquerda, que pode não ser visível ainda, mas conspira em favor do futuro.

Pedro Otoni é cientista político e especialista em economia política pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo). É membro da Coordenação Nacional das Brigadas Populares e diretor do Centro de Estudos Aplicados ao Desenvolvimento Brasileiro – CEDEBRAS.

Foto: Reprodução/Brigadas Populares

Fonte: Brigadas Populares

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