O sete de setembro

Por Elaine Tavares.

O Brasil foi o último país da América do Sul a se independizar da metrópole colonial. E enquanto os demais países tiveram de travar duras batalhas contra a Espanha, aqui nessas terras de invasão portuguesa tudo aconteceu de maneira negociada, coisa de pai para filho. Não que não tivesse havido luta. Elas aconteceram, de maneira sistemática, mas sempre pontual.  Não houve uma liderança ou um grupo que comandasse batalhas contra Portugal, especificamente. Dom João foi embora e deixou seu filho Dom Pedro que, mais tarde, de maneira ritualista, deu por encerrada a ligação com Portugal, no que ficou conhecido como o “grito do Ipiranga”. 

A partir daí o Brasil seguiria seu caminho, comandado desde aqui mesmo, sem render divisas a Portugal.

Mas, de fato, isso não significou independência alguma, como tampouco independentes ficaram os demais países da américa espanhola despois das guerras de independência da colônia. Derrotado o sonho de Bolívar e Artigas para que se criasse uma pátria grande, verdadeiramente soberana, o que apareceu ao final das contendas foi a balcanização, a criação de países pequenos, cada um comandado pelas oligarquias locais vitoriosas, que logo esqueceram as gentes que garantiram com seus corpos a libertação. E, assim, mesmo aqueles países que tiveram suas sagas heroicas, acabaram sucumbindo ao capitalismo que se expandia pelo globo, personificado àquela época pelo império inglês.  

Em 1822, quando Dom Pedro, autorizado por Dom João, se desgarra do pai, o mapa da América Latina já estava redesenhado pela formação das repúblicas, mas o Brasil, ainda que independente de Portugal, seguia na estrada do atraso, mantendo a monarquia que se estendeu até 1889. Isso por si só já mostra a fraqueza do grito do Ipiranga.

De qualquer forma, mesmo com esse descompasso na relação com os países vizinhos, o Brasil, ainda que monárquico, foi entrando na lógica do capitalismo. E, também como seus vizinhos, entrou nessa ciranda como periferia, nação dependente. Como determina a natureza do sistema capitalista, para que exista um centro rico, é preciso que exista a outra face: a periferia, empobrecida e dependente. Essa é uma lei inexorável. 

Por conta disso, a tal da independência ainda é uma quimera. As garras dos países imperiais – Inglaterra e depois os estados Unidos –  assentaram sobre o dorso dos países que eram ex-colônias de Espanha e de Portugal e desde então não têm permitido que se constituísse por essa parte do globo um desenvolvimento original ou autêntico. Todo desenvolvimento logrado em cada país é o que Gunder Frank chama do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, ou seja, o aprofundamento da dependência, ainda que possam existir algumas ilhas de “progresso”, no geral vinculadas à elite dominante. Mas, no geral, o que grassa é a pobreza das gentes, a exploração continuada, a superexploração dos trabalhadores, e a permanência no estado de espaço gerador de matéria prima para os grandes centros. 

Então, se seguimos dependentes, qual é o sentido em celebrar o sete de setembro, dia em que Dom Pedro, num grito, único e pessoal, declara o país livre de Portugal? 

Há dois sentidos muito bem demarcados, que também demarcam o caráter de classe desses sentidos. Um deles é o da independência mesmo, celebrada pela classe dominante. Afinal, para ela, essa palavra faz algum sentido, uma vez que optando pela “servidão voluntária” ao capitalismo, recolhe ganhos, que não são poucos. Ao garantir que o país siga dependente, a classe dominante enriquece e vive bem. Para essa gente, pouco importa que sua riqueza seja resultado da morte e da miséria de milhões. 

O segundo sentido que podemos dar a esse dia é o que cabe á classe trabalhadora: o da rebeldia. O sete de setembro, ao evocar independência, faz com que saltem das telas da história os homens e mulheres que ao longo desses cinco séculos de invasão resistiram e resistem.  Desde os primeiros Pataxó que assomaram contra os portugueses ao perceberem que estavam sendo invadidos até os valentes sem terra e sem teto de hoje que continuam batalhando pelo seu direito de viver feliz. 

Assim que o Dia da Independência é dia de luta ainda, pelo menos para nós, os trabalhadores, os que geramos a riqueza sem dela poder usufruir. O sete de setembro pode então ser celebrado como aquele dia que ainda não chegou, mas que chegará. O dia em que não haverá mais a propriedade privada da terra e dos meios de trabalho, o dia em que as gentes poderão decidir sobre suas vidas, sobre o tipo de desenvolvimento que querem para suas comunidades, sobre o trabalho que poderão realizar coletivamente na construção de uma nova sociedade. 

A liberdade não é uma palavra escrita na parede. Ela é uma práxis, coletiva e comunitária. E é para ela que estamos marchando, em cada luta travada contra os vilões do amor. É assim, juntos, que faremos brotar a primavera que setembro anuncia. 

Que viva então o sete de setembro, esse dia ainda não chegado, mas que vai sendo construído pelas mãos e pés em luta. P´alante, brasileiros e brasileiras, porque essa bandeira verde e amarela um dia costurada no Brasil imperial, sob o positivismo dominante, encerra também o sangue vermelho dos que sistematicamente vêm lutando para que a independência seja real.

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