O retrato revelado da zumbificação brasileira na pandemia. Por Elissandro Santana.

Foto: Pixabay

Por Elissandro Santana, para Desacato.info.

Vocês já ouviram falar ou leram algo sobre formigas zumbis, outros insetos zumbificados ou até plantas que sofrem este processo? Não sou biólogo, por isso, pesquisei e sugiro que vocês também sobre esta questão, pois ela é real e ocorre com muita frequência na natureza. Isso se dá devido ao fato de que quando os insetos se contaminam com os entomopatogênicos, pertencentes ao grupo dos Ophiocordyceps, se transformam em zumbis passando a obedecer somente aos comandos do parasito/a até a morte.

Para compreenderem melhor a questão e a discussão metafórico-comparativa que pretendo elaborar, precisam saber que os fungos entomopatogênicos se especializaram em parasitar insetos e que no grupo dos fungos Ophiocordyceps são conhecidas cerca de 160 espécies que podem parasitar diferentes grupos de insetos como besouros, moscas, borboletas, abelhas, formigas e outros. As formigas são abundantes e habitam diversas regiões, tornando-se susceptíveis a infestação de parasitas, como o Ophiocordyceps. Tal parasitismo é comum em regiões de floresta tropical e subtropical, podendo ser observado na Ásia, Austrália, África e Américas1.

O parasitismo inicia-se com a adesão do fungo Ophiocordyceps ao corpo da formiga. Os fungos produzem, regularmente, verdadeiras sementes que são dispersas de várias formas, inclusive, pelos ventos. Essas “sementes” são denominadas esporos, os quais aderem à superfície externa do corpo dos insetos e passam a germinar, formando estruturas de penetração. Em seguida, começam a ser formados filamentos do fungo, os quais absorvem nutrientes da formiga e vai se desenvolvendo até completar o ciclo de vida onde, uma vez completo, irá liberar novos esporos para infectar outros indivíduos, recomeçando o ciclo2.

Além das formigas, como dito acima, outros insetos e até plantas podem ser atacados por fungos e, quando atacados, antes da morte, se transformam em zumbis, como já pontuei, atendendo apenas a comandos operados pelo hospedeiro.

Ao se tornarem zumbis, seus comportamentos são modificados para benefício do parasito/a.

Quando o inseto ou o animal parasitado morre, o que sobra é a carcaça-esqueleto, repleta das sementes do fungo em formato de esporos e estes poderão contaminar novas formigas e outros insetos em um ciclo quase que interminável.

Essa questão do parasitismo por meio do fungo Ophiocordyceps me faz pensar em certos comportamentos em tempos de pandemia no Brasil, começando pelas atitudes do presidente às ações de seus apoiadores.

No caso, o parasitismo em relação à espécie dita humana não se dá pelo fungo Ophiocordyceps, mas por um vírus, o da ignorância, e, quando alguém é acometido por este entra em um estado em que não está em sintonia com a realidade, com a existência ou a ocorrência de fatos.

Entre nós brasileiros não é difícil reconhecer quem está parasitado pela ignorância já que os sintomas podem se revelar por meio de sintomas macabros que vão do machismo, ao racismo, à homofobia, à gordofobia, ao egoísmo e outras mazelas. Ademais, também é possível perceber que alguém se contaminou pelas atitudes sempre bizarro-tacanhas que alimentam a política.

A pessoa contaminada, além de tudo o que já foi mencionado, também é dada a ser inerte em relação à destruição da natureza, só pensa em valores no campo da economia, banaliza a vida, naturaliza o mal, costuma atacar a quem luta pela democracia, grita mitoooooooooooooo, vê nos mortos pela Covid-19 apenas números ou nem isso, defende o indefensável e vê em um ser escroto que ocupa a cadeira da Presidência imagens do Cristo bíblico a partir de inversões semânticas inexplicáveis de tão tortas e, principalmente, se esconde atrás de discursos covardes que contrariam as premissas democráticas e exercício da racionalidade.

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Aqueles que estão em nível máximo da carga viral pela ignorância costumam se aglomerar para lutas egoístas, obedecem a comandos de vigilância como gravar aulas de professores e professoras considerados/as, por eles, como doutrinadores de esquerda e acatam ordens de capitães que cheiram a cloroquina para a invasão de hospitais, mesmo que isso represente perigo à própria saúde e, consequentemente, à vida. Contaminados, se esvaziam da lógica da vida e saem em efeito tornado tentando destruir a tudo e todos.

Os contaminados pelo vírus da ignorância marcham nesse Brasil gigante pela natureza e tão diminuído em relação aos outros povos do mundo diante de tantas atrocidades em tempos em que deveríamos estar unidos para o combate ao vírus, mas que estamos divididos por causa do vírus chamado Bolsonaro e seus sequazes que não estão nem aí para a vida operam a partir do caos para se perpetuarem.

É importante destacar que o vírus da ignorância não contamina somente os conservadores da direita, já que seu espectro alcança até mesmo muitos que se dizem de esquerda e desenvolvem ações, até certo ponto, consideradas progressistas. Comecem a observar os microfascismos em alguns que se dizem progressistas, pois, no fundo, no fundo, muitos de nós, em certo grau, ainda não conseguimos destruir todos os preconceitos ou visões conservadoras que teimam em morar em nossas mentes e corações, frutos de uma colonialidade que ainda reside e resiste. Percebam também que alguns até abraçam a visão progressista, mas se perdem na luta de reconhecimento dos verdadeiros inimigos tornando-se amigos do fascismo. Pois é, os microfascismos também são perigosos e resultam de uma descolonialidade incompleta.

Diante do quadro no qual estamos imersos e da discussão até aqui operada, coloco em pauta que precisamos da cura para o vírus da ignorância, que se alastra ainda mais em tempos de desinformação, mas esta passa, necessariamente, pela descolonialidade e isso só ocorrerá se nos permitirmos ativar todos os nossos sentidos na guerra contra o mal e tal coisa é pouco provável tendo em vista que estamos doentes demais sócio-político-mentalmente para qualquer revolução imediata.

Por fim, metáfora comparativa à parte (mais que real e necessária), o que me causa calafrios é justamente saber que os contaminados podem até acordar e perceber que seus corpos, devido à ignorância, obedeceram, involuntariamente, aos comandos de morte, mas temo que quando isso ocorrer, e se ocorrer, os fascismos e microfacismos operados pelo vírus da ignorância durante o longo processo de zumbificação desde o Brasil Colônia tenham se enraizado tanto nos esqueletos vagantes que a possibilidade de arrancar alegria ao futuro não passe de uma utopia.

1 Fragmento textual modificado a partir do texto de Patricia Yumi Hayashida, retirado do site http://www.rc.unesp.br/ib/ceis/mundoleveduras/2015/Formigas%20zumbis%20e%20fungos%20Ophiocordyceps.pdf

2 Fragmento textual modificado a partir do texto de Patricia Yumi Hayashida, retirado do site http://www.rc.unesp.br/ib/ceis/mundoleveduras/2015/Formigas%20zumbis%20e%20fungos%20Ophiocordyceps.pdf

Elissandro Santana é professor, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.

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