O que vem depois do #MeToo?

Foto: James Ratiere, para Desacato.info

Por Priscilla Brito para Blogueiras Feministas.

Ontem li uma coluna que dizia que o movimento feminista precisava sair da vitimização. Lembrei de algo que vem sendo usado com frequência sempre que falamos em direito ou da demanda por igualdade, a de que estamos fazendo #mimimi. A ideia é que campanhas como a do #MeToo, #MexeuComUmaMexeuComTodas, ou as mais antigas #PrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto, que se espalham pelas redes sociais e ganham visibilidade em outras mídias, permitem às mulheres se colocarem como vítimas em contextos em que a violência não seria “explícita”, que não chegariam a ser agressão ou estupro. As fronteiras entre o que é assédio e o que é “paquera”, “educação”, ou qualquer coisa do tipo, na relação entre homens e mulheres teriam sido borradas. Segundo a colunista, os homens estariam muito assustados e evitando contratar mulheres. Um “risco desconhecido”. O exemplo dado é um exemplo muito “acessível” para todas nós: o mercado de trabalho de Wall Street.

Eu acho que nem vale a pena comentar o quão estranho é acusar as mulheres de perderem espaços que nunca foram seus. Porque, vale lembrar, Wall Street nunca foi majoritariamente feminino, assim como a maior parte dos espaços de poder. Mas fiquei pensando sobre o quanto é importante pensarmos o que vem depois da denúncia nas redes, sobre a nossa capacidade de mudar esses espaços e como. Porque, na atual lógica, a gente pauta o problema sem dizer como a gente quer que seja. Não precisamos parar de dizer quando somos vítimas, mas também precisamos agir para criar algo a partir dos espaços que se abrem quando esse lugar é reconhecido.

A denúncia é só o primeiro passo da desestabilização de uma lógica de poder. Os homens não perderam tanto espaço assim nelas, não foram todos demitidos e substituídos por mulheres. E também não são todas as mulheres que fazem uma denúncia que chama atenção e tem um efeito — fora dos tribunais virtuais, há toda uma malha policial e judiciária que deveria atender às mulheres mas está completamente sucateada. Ir numa delegacia hoje, até para denunciar crimes graves como o estupro ou o feminicídio, é quase uma procissão de fé e, frequentemente, a recepção é feita na base de humilhações e descaso.

Numa conversa, a Patrícia Guedes lembrou o quanto é difícil sair dessa lógica das redes sociais como meio de denúncia para as atuais gerações feministas, que aprenderam quase tudo do que sabem sobre o movimento nesses espaços. Ainda que o feminismo tenha dado muitas respostas sobre que tipo de sociedade queremos, como é importante e urgente construirmos mecanismos para uma maior igualdade, tem sido difícil amadurecer o debate a esse ponto, para que avancemos em projetos coletivos.

Num momento em que somos atropeladas pelas notícias, em que o assunto só chama atenção se tiver “quente”, perdemos o bonde de pautar que mudanças queremos para todas as mulheres. Porque o assédio não acontece só no ambiente de trabalho de Wall Street ou na Rede Globo. O feminismo é — ou deveria ser — para todas as mulheres.

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