O que o crescimento das empresas júniores pode nos ensinar sobre a luta de classes dentro do movimento estudantil?

Por Augusto Flores

Talvez hoje as empresas juniores sejam os aparelhos ideológicos mais importantes para a classe dominante brasileira dentro do movimento estudantil, basta olhar para sua estrutura, com instâncias estaduais, municipais e federal com níveis de organização que devem invejar qualquer organização socialista do ME. Além de organização, possuem financiamento dos mais importantes grupos empresariais do Brasil, tendo contato direto com os quadros gerenciais mais altos de empresas brasileiras de projeção multinacional. Lenin ficaria impressionado ao analisar os trâmites internos dessa organização, com uma democracia interna e uma centralização total das diretrizes políticas. É interessante observar como o MEJ tem capacidade de executar na ponta as decisões das instâncias centrais, criando incentivos para que participem das mais variadas campanhas, com premiações internas simbólicas que são muito valorizadas pelos membros em geral.

Mas para além da sua organização geral, é fundamental entender como essas organizações ganham capilaridade nas universidades, preenchendo lacunas estruturais que o capitalismo latifundiário brasileiro deixa na relação entre suas instituições de ensino e os diversos setores da economia. Se sabemos que há uma fuga de cérebros do país, temos de assumir que há uma disparidade na demanda, dentro da economia brasileira, por mão de obra altamente qualificada, pesquisa científica de ponta e a quantidade de vagas de trabalho para esses setores.

Partindo do panorama geral, temos um país com taxas de desemprego altíssimas, mas não só nas camadas mais precarizadas do proletariado, mesmo entre aqueles com diplomas de mestrado e doutorado, taxas de desemprego em torno de 30% são comuns. Até maiores no norte-nordeste, longe dos centros menos desindustrializados onde os 500 anos de latifúndio ainda determinam uma situação econômica desfavorabilíssima para a maioria da população.

Para o estudante de graduação hoje, principalmente considerando a expansão do ensino superior divorciada de um projeto de desenvolvimento econômico e com foco no ensino privado, a maior contradição está em manter-se na Universidade enquanto termina seu curso. Nas universidades onde ainda há políticas de permanência, elas foram arrochadas, desfinanciadas e sucateadas de tal forma que nem chegam perto de dar conta da sobrevivência básica.

A necessidade de experiência para entrar no mercado de trabalho, a escassez de vagas, concursos e uma formação técnica fazem com que a possibilidade de encontrar um trabalho decente ou sequer um estágio na sua área seja extremamente pequena. Se o estudante almeja escalar a torre de marfim da academia, terá que encontrar uma forma de manter-se enquanto isso e de enfrentar a desleal concorrência de seus pares. Tão pouco terá mais chances de conseguir emprego após engordar seu lattes, pois a maioria das empresas de ensino superior preferem mão de obra mais barata, menos qualificada. Se for buscar concurso para universidade pública, enfrentará a concorrência de muitos e mais experientes candidatos e definitivamente sentirá dificuldade em alimentar-se com os salários pagos pelas instituições de ensino superior privadas.

Traço esse panorama não para fomentar o desespero entre nós estudantes, mas para demonstrar que há razões materiais gritantes para investir na sua empregabilidade, pois é justamente aí que as empresas júnior atuam. Desde enfrentar o paradoxo de “como conseguir emprego se preciso de experiência para conseguir emprego”, à embelezar currículos, à ensinar soft skills (ou como lidar com pessoas em um ambiente de alta exploração da força de trabalho), à ensinar como se portar numa entrevista de emprego, como lidar com clientes, etc. Na medida em que a empresa júnior é útil para o estudante, a empresa júnior consegue ensinar ao estudante, incentivar o estudante, a adotar comportamentos que o tornam mais úteis para o mercado de trabalho (lê-se, para a burguesia).

Enquanto no movimento estudantil socialista, os trabalhos se conduzem de forma lenta, com diversos momentos em que os incentivos para a participação estão totalmente invertidos: explico, muitas vezes dentro do movimento estudantil tentasse aproximar os estudantes debatendo longamente as vicissitudes dos problemas estruturais da Universidade e sua relação intrínseca ao sociometabolismo do capitalismo dependente brasileiro, ao invés do enfrentamento/solução aos problemas cotidianos. Não que a relação entre os problemas cotidianos e a superestrutura não seja um fato, mas o problema aqui não está no entendimento conceitual do que vivenciamos, mas nos métodos políticos de construção de um movimento (amplo, organizado, bem financiado, perene) capaz de enfrentar-los.

Um problema fundamental do movimento estudantil, é que muitas vezes ele atrai mais aqueles que tem interesses acadêmicos/jornalísticos/intelectuais em entender os problemas da sociedade capitalista, do que aqueles que têm a disposição e o traquejo de organizar um movimento estudantil com força para arrancar conquistas materiais concretas. Não é atoa que muitas vezes as pessoas abandonam o movimento e clamam ainda se identificar com sua corrente política, sua identificação tem como base a concordância teórica e não a adesão real à uma práxis política, por mais que muitas vezes seja necessário disputar dolorosamente um movimento para ajustar sua práxis.

Devemos nos perguntar que base efetivamente estamos construindo com essas táticas. Se entendemos que a adesão não é um movimento de mero convencimento teórico, mas de alinhamento efetivo das ações e comportamentos que levam a satisfação das necessidades materiais, quais são os interesses das pessoas que adentram o movimento através do convencimento teórico? Quais carreiras almejam? Talvez as mesmas carreiras que precisamos para sustentar os setores nos quais já temos hegemonia.

Meu avô não ia ao supermercado, ou assim meu pai me conta, comprava os artigos alimentares no centro de abastecimento e o restante dos itens necessários à reprodução da vida na cooperativa do sindicato dos bancários, a preço de custo. Tinha todos os incentivos para participar das atividades do sindicato que o ajudava a prover para os 5 filhos nas épocas de vacas magras. Mesmo que não fosse obrigatória, tinha todos os incentivos para ficar em dia com a contribuição sindical. Escutaria seus colegas comunistas mesmo não concordando com tudo aquilo que diziam, e com certeza concordaria com grande parte, não sendo uma mera questão de argumentação intelectual, mas um alinhamento claro de interesses materiais.

A mais importante conclusão de Marx, que torna o marxismo uma práxis política orientada pelo socialismo científico e não pela moralidade franciscana, é a de que os trabalhadores fabris têm todo o incentivo material, mesmo que odeiem pessoalmente uns aos outros, de lutar uns pelos outros. A estratégia socialista é uma que não deve depender da fé individual em empreendimentos românticos. Se no hoje, vemos que a burguesia aprendeu com revoltas fabris e buscou transformar a divisão do trabalho para maximizar a competição e o isolamento entre os trabalhadores, nossa tarefa não é a de proclamar a ideologia do coletivismo, mas de estruturar uma coletividade capaz de beneficiar mutuamente seus correligionários.

O movimento empresa júnior opera sua expansão no movimento estudantil fazendo um trabalho de base que estrutura um ambiente favorável à permanência dos estudantes nas empresas jr., para progressivamente disputar aquele estudante ideologicamente, simultânea e associativamente satisfazendo os interesses materiais daqueles estudantes no que se refere às necessidade mais básicas de “qualificação” e “empregabilidade”.

As grandes empresas brasileiras têm todos os incentivos para investir no movimento empresa júnior, capaz de capturar as bases do movimento estudantil não por que elas são intelectualmente incapazes, e se convencem por uma imagem invertida do mundo. Mas justamente por que a literatura estudada e os comportamentos aperfeiçoados dentro das empresas júnior tornam mais fácil a vida num mundo invertido.

Sabemos desde “salário preço e lucro” que não há pedra filosofal na determinação do salário, trabalho tem de ser aplicado à qualificação de uma força de trabalho para que ela tenha mais valor. No mercado de trabalho pós-reforma trabalhista e com os índices de desemprego atuais, o estudante tende a aceitar trabalhar “de graça” para conseguir depois vender sua força de trabalho a um preço mais interessante. Assim como para certa parcela dos estudantes as formações realizadas dentro das organizações socialistas agregam valor a sua mão de obra quando esta é aplicada em determinado contexto.

As empresas júnior propagam a ideologia de um capitalismo socialmente responsável mas empacotam ela em um alinhamento real de interesses materiais entre os estudantes que querem alguma chance num mercado de trabalho estruturalmente hostil. Se quisermos organizar os setores mais importantes do proletariado brasileiro, temos uma lição a aprender com elas.

As conquistas da classe trabalhadora brasileira nesse século tiveram o amargo revés de promoverem perdas enormes para nossa capacidade organizativa. Só seremos capazes de reverter essas perdas e construir organizações capazes de alterar as estruturas que nos colocam nessa situação quando começarmos a operar uma política que coloque o alinhamento dos interesses materiais a frente de uma adesão ideológica que nos limita a uma base que pode até ser importante mas definitivamente não é a mais importante para a tarefa.

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