O que houve com a Porto Alegre de todos nós?

portoalegre1Por Mário Marcos.

Pode ser que o meu humor tenha sido abalado pelo calor sufocante e insuportável das últimas semanas, admito, mas tenho a sensação de que nunca vi Porto Alegre atravessar um momento tão complicado como o atual. E olhem que cheguei aqui em novembro de 1968, há mais de 45 anos. Tenho bem mais tempo de vida na cidade do que na Criciúma do meu nascimento. Nestes anos todos, nunca vi um conjunto tal de confusões e decepções.

A cidade está suja, cheia de pichações, com lixeiras para resíduos orgânicos lotadas de lixo limpo, viradas, destruídas. Nem as pessoas se preocupam em preservar seu próprio ambiente. É só prestar atenção na conduta de muitas delas no dia a dia. Como aquela moradora que disse a uma repórter de rádio, semanas atrás, que jogava o lixo ‘num cantinho’ porque não encontrava lixeiras. Em vez de guardar com ela até encontrar um local adequado, usava ‘um cantinho’, como se o lugar não fizesse parte da cidade. E confessava isso como se fosse uma sábia decisão.

Poucas vezes vi tantos moradores de rua em calçadas, debaixo de viadutos e, nos últimos tempos, ocupando barracas – como aquelas de camping – em praças, nas margens do Guaíba ou nos taludes do pobre Arroio Dilúvio. É, este riacho apodrecido que por si só já é um atestado de falência dos administradores (e isso vem de muito tempo), constrangedor para quem vive na cidade e repugnante para quem a visita.

A Porto Alegre de obras públicas que entram em falência diante da primeira exigência fora do padrão (o Conduto Álvaro Chaves, por exemplo), é também a cidade de projetos que andam em um ritmo irritantemente moroso. Uma avenida aqui não pode ser completada porque a Justiça ainda não tomou uma decisão sobre seis árvores de uma praça, outra lá adiante não pode ser melhorada porque uma revenda de carros, que ocupa uma área pública, se recusa a desocupar o terreno. E como a desocupação também depende da Justiça, fica a população prejudicada porque a decisão – que deveria ser automática – é retardada.

O transporte público, que em certa época orgulhou a cidade, agora está um caos. Durante toda a semana, a população que mais precisa dos ônibus sofreu em imensas filas nas paradas porque os rodoviários estão em greve. Pararam e desafiaram a Justiça. Não cumpriram as exigências determinadas por uma juíza e não deram a mínima para a decretação de ilegalidade. Apesar de todo este tumulto, o Tribunal de Contas do Estado marcou para o dia 12 o anúncio da decisão sobre os custos da planilha. Por que não fazem isso daqui a dois dias? Dá para entender? Em meio a tudo isso, pesquisa divulgada pelo jornal Zero Hora prova que as passagens tiveram aumento de 656,76% do ano 2000 para cá, enquanto o salário dos trabalhadores ficou em 323,665% no mesmo período. Empresas que lucraram tanto se negam a dar os 14% (ou negociar por um pouco menos) pedidos pelos rodoviários e insistem nos 7,5%, dando margem à greve que atormenta os moradores mais pobres da cidade. São as mesmas empresas que falam de prejuízos com a tarifa atual. Algumas delas transportam 150 mil passageiros por dia. Faça uma conta simples e veja se é possível acreditar em prejuízo.

Por último, para complicar ainda mais, a mesma população desassistida pelo transporte público e impotente diante da briga entre um lado e outro, agora corre o risco de ficar também sem um de seus momentos de alegria e desafogo, o Carnaval. Pode? Por falta de cumprimento de normas de segurança, o Ministério Público determinou que os barracões do Porto Seco, onde os carnavalescos criam sua arte, fossem lacrados. No ano passado, a licença foi dada uma hora antes do desfile. Neste ano, pode nem haver desfile por absoluta incompetência e indiferença do poder público.

É o complemento de um desastre anunciado, desde que o município encontrou um jeito de expulsar – isso mesmo, expulsar – os carnavalescos para o Porto Seco, tirando os desfiles da área central. Foram iludidos com a promessa de que lá seria construído um Sambódromo, que concentraria atividades culturais e todos os desfiles, inclusive dos de setembro, o da Independência e o da Revolução Farroupilha. Cedo descobriu-se que era um discurso vazio, para iludir. Os outros desfiles continuaram na Perimetral e na Avenida Beira-Rio. Só o Carnaval e seus apaixonados participantes, quase todos de comunidades periféricas e pobres, foram afastados da melhor área – para alivio dos ouvidos sensíveis que não suportavam o som bem brasileiro do samba.

Estou com saudade da Porto Alegre de antes – ou este sentimento é efeito dos 40°C?.

Fonte: Blog do Mário Marcos.

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