O que foram as Ligas Camponesas homenageadas pela marcha do MST

Manifestação da Liga dos Camponeses em 1960 exalta Fidel Castro e a revolução cubana / Foto: Memorial da Democracia.

Por Diego Sartorato.


Desde 11 de agosto, mais de 5 mil camponeses de todas as regiões do Brasil marcham pelas rodovias de Goiás e do Distrito Federal em direção a Brasília, onde realizarão um grande ato político em frente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo direito de Luiz Inácio Lula da Silva, detido há 120 dias na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, se candidatar e realizar em liberdade sua campanha a presidente do país pelo Partido dos Trabalhadores.

O ato político e cultural itinerante, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pela Via Campesina, dividiu-se em três “colunas”, agrupamentos que reúnem de 1,5 mil a 2 mil militantes cada, que percorrem trajetos distintos com o objetivo de espalhar sua mensagem pela maior quantidade de locais.

A coluna, que reúne camponeses de oito dos nove estados nordestinos, foi batizada de “Ligas Camponesas” em homenagem aos movimentos campesinos que eclodiram entre as décadas de 1940 e 1960 em desafio à opressão dos donos de engenho do Nordeste e das ditaduras do Estado Novo e militar. Mais do que celebrar a memória da luta popular no campo, a escolha é inspiração para lidar com o retorno de um contexto de autoritarismo e violência contra os trabalhadores rurais.

“A gente vive um momento de falta de unidade em torno do termo ‘camponês’. E as Ligas Camponeses resgatam esse termo como identificação de um sujeito político e protagonista de sua própria história. E pela importância de construir uma luta coletiva dentro da conjuntura que a gente está vivendo, porque a gente entende que sem construção coletiva não tem reforma agrária popular”, afirma Rosa Maria, da coordenação nacional do MST. “A gente está passando por um período de muitos golpes contra quem luta por reforma agrária. Para começar, sem democracia não será possível construir esse projeto. Temos travado lutas intensas nos últimos anos, e temos sofrido uma repressão tal qual sofreram as Ligas Camponesas”, completa.

O produtor rural Alan Kilson Pereira Fernandes, de 23 anos, morador do assentamento Oziel Pereira, em Remígio (PB), ressalta que o MST é, de certa forma, “neto” das Ligas Camponesas, e ainda enfrenta nos dias de hoje os netos literais dos donos de engenho contra quem as ligas se levantaram no século passado. “Os grandes produtores de cana ainda são uma oligarquia na Paraíba, e a luta deles nos inspira muito por lá. As famílias que estão na política, como os Ribeiro, que tiveram parte no assassinato de Maria Margarida Alves, ainda concentram muita terra na Paraíba”, conta.

O jovem diz ainda se inspirar em Maria Elizabeth Teixeira, camponesa que participou dos movimentos históricos e ainda vive na Paraíba, hoje aos 93 anos. A escola de formação dos militantes do acampamento de Fernandes foi batizada em sua homenagem.

Veja Especial da TV Pernambuco sobre Maria Elizabeth Teixeira:

O jovem indica o memorial no município de Sapé, na zona da mata paraibana, como uma das principais iniciativas de memória das lutas dos camponeses, embora considere que não há investimento suficiente em preservar esse capítulo da história do Brasil.

História

“A Liga foi fundada por um grupo de camponeses que a levou a mim para que desse ajuda. A primeira Liga foi a da Galileia, fundada a 1 de janeiro de 1955 e que se chamava Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco. Foi um grupo de camponeses com uma certa experiência política, que já tinha militado em partidos, de uma certa cabeça, que fundou o negócio, mas faltava um advogado e eu era conhecido na região. Foi uma comissão à minha casa, me apresentou os estatutos e disse: ‘existe uma associação e queríamos que você aceitasse ser o nosso advogado’. Aceitei imediatamente. Por isso, o negócio veio bater na minha mão. Coincidiu que eu acabara de ser eleito deputado estadual pelo Partido Socialista e na tribuna política me tornei importante como defensor dos camponeses”, contou o advogado Francisco Julião, aliado de primeira hora das Ligas Camponesas, em entrevista de 1983 ao jornalista Geneton Moraes.

O movimento surgiu nos últimos anos do governo ditatorial de Getúlio Vargas (1937-1945), com forte influência do Partido Comunista Brasileiro, que buscava organizar os trabalhadores do campo para a construção do socialismo. O movimento arrefeceu após severa repressão por parte dos latifundiarios e do governo, e voltou a atuar de forma massiva a partir de 1954. Foram 10 anos de organização popular, ocupação de engenhos e outras ações de grande impacto político.

Sua projeção nacional se deu principalmente pela exploração, por parte da mídia e das elites locais, do discurso de que o Nordeste, na década de 1950, seria uma “região problema”, caracterizada por calamidades climáticas, pela miséria, pela fome, por índices altos de mortalidade e baixos de saúde e educação, constituindo-se, enfim, em uma das representações do “atraso”. A “correção” dos problemas do Nordeste, segundo a narrativa da época, era apresentada como passo importante para alcançar o desenvolvimento do país.

Os camponeses nordestinos, por sua vez, organizaram-se em torno das Ligas para alcançar sua emancipação em relação à mesma elite que construiu essa narrativa. Uma de suas principais bandeiras, e que ainda é ponto central da atuação dos movimentos camponeses, era a reforma agrária.

Veja o mapa de ações das Ligas camponesas durante o governo de João Goular, o Jango (1961-1964):

Imagem: CPDOC-FGV.

Hino do Camponês

Composição de Francisco Julião e Geraldo Menucci, na interpretação do Coral do Movimento de Cultura Popular.

“Não queremos viver na escravidão

Nem deixar o campo onde nascemos

Pela terra, pela paz e pelo pão:

Companheiros, unidos venceremos

Hoje somos milhões de oprimidos

Sob o peso terrível do cambão

Lutando, nós seremos redimidos

A Reforma Agrária é a solução”.

 

Edição: Cecília Figueiredo.

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