O que eles viram em Argo?

Por Clarissa Peixoto.

Longe de enveredar por explicações complexas, Argo é, dessa margem do rio em que baseio minhas suposições, um filme que produz sensações de rompimento com a forma de contar histórias tradicionais do cinema hollywoodiano. É, pois, dessa perspectiva que me atrevo a dizer algumas palavras sobre a sua premiação como melhor filme em 2013.

Argo é marcado por constituir sua narrativa a partir do verossímil. Sobretudo na primeira parte do filme, em que enredo e personagens articulam-se dentro de uma perspectiva passível de reconhecer-se como real, semeando ilusões através do discurso, baseado em elementos que vão da autocrítica ao medo da execução sumária.

“Em princípio, parece colocar em xeque o mito do herói americano. Seis diplomatas, despidos do heroísmo tradicional, reconhecem o medo como parte do processo de luta pela sobrevivência. Fogem da sede da sua embaixada, que ora está tomada pelos manifestantes que derrubaram o poder político instaurado com apoio americano”. (O que assisti em Argo)

Na mesma linha, apresenta um protagonista manso e discreto. Tem-se a impressão que estamos defrontando, novamente, o mito mais emblemático hollywoodiano: o herói de guerra, que agora nos surge com nova roupagem e mais próximo de nós que perecemos às fraquezas humanas. Medo e anonimato humanizam a cena e codificam ainda mais a mensagem, que mesmo o observador mais atento absorve como verdade.
O filme propõe-se ao relato da história e, como tal, lega à posteridade a versão dos vencedores. As críticas à trajetória política internacional americana e a desconstrução do herói, agora anônimo, douram a pílula para, no segundo momento do filme, nos impingir – como sempre – a mesma mensagem de ocidente civilizado x oriente brutalizado.

Talvez os critérios para a escolha de Argo como melhor filme tenham a ver, puramente, com os elementos da linguagem cinematográfica. Mas, não acredito. Como ferramenta ideológica, Argo apura a produção de sentidos sobre o isso e o aquilo, aprofunda-se na verossimilhança e na humanização dos heróis de guerra, e suplanta caricaturas ao implantar outros elementos na luta pelo convencimento. Busca o politicamente correto, mas salvaguardando o status quo. Argo amansa e interfere no padrão de construção do estereótipo, de forma a aprimorar as facetas de um dos pilares da indústria cultural: construir discursos e reproduzir ideias – as que lhes interessam

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