O povo que inventou a agricultura

Guerra-en-Irak

Por Urda Alice Klueger.

(Texto escrito um mês antes da invasão do Iraque, faz 10 anos.)

Era uma vez… era uma vez uma terra muito linda, que tinha até Jardins Suspensos, coisa que ficou conhecida como uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Ela estava situada entre dois rios, o Tigre e o Eufrates, o que a tornou tão fértil que foi lá que o ser humano aprendeu a cultivar a terra pela primeira vez no mundo. Aquela gente que descobriu a agricultura e andou fazendo obras maravilhosas, como as dos Jardins Suspensos, ficou por lá vivendo, e os bisnetos dos bisnetos dos bisnetos daquela gente muitas coisas fizeram e viveram nos milênios seguintes, até chegarem aos nossos dias.

Muitos milênios irrigando e cultivando a mesma terra tiraram dela a fertilidade que um dia tivera, e aquele lugar no meio dos rios ficou assim sem grande importância, com suas gentes vivendo do jeito que dava em paisagens que se tornaram desérticas – até que, um pouco mais que um século atrás, aconteceu no mundo uma coisa chamada Segunda Revolução Industrial, e toda a gente passou a desejar ardentemente possuir uma coisa que se tornou a mais preciosa de todas: o petróleo. E adivinhem aonde havia barbaridades de quantidades de petróleo: bem lá naquela terra de entre-rios, bem lá naquela que descobrira até a importantíssima coisa chamada agricultura.

Já andamos milênios na nossa historinha; vamos agora avançar logo um século. Hoje, quem manda no mundo é um país do Hemisfério Norte chamado Estados Unidos, e hoje, quem quer continuar tendo o domínio do mundo tem que ser dono da maior quantidade possível de jazidas de petróleo, e, por azar, justamente lá naquela terra onde um dia houve Jardins Suspensos, está a segunda maior reserva de petróleo do mundo. Há outro azar aí na história: um presidente maníaco, que entrou no poder do país poderoso pela porta dos fundos, um cara que parece bem um cachorro-louco, e que olhou para a grandeza que acha que tem e disse: “ Eu quero aquele mundão de petróleo!” – e tudo tem feito para conseguí-lo, e pelo andar da carruagem, nas próximas semanas ele estará invadindo aquele país dos Jardins Suspensos, que hoje se chama Iraque, e jogando perigosíssimas bombas na cabeça de todo o mundo. Há que se lembrar que faz 12 anos que o pai dele, o primeiro da dinastia Bush, também andou fazendo guerra por lá, e então conto umas coisinhas que uma freira que veio do Iraque contou no último Fórum Social Mundial, lá em Porto Alegre: o Iraque era um país onde um operário recebia, em média, 1.200 dólares por mês, que tinha excelentes escolas gratuitas até o 3º grau, que tinha uma medicina que era referência para toda a região. Depois da primeira guerra e do bloqueio econômico que a seguiu, nosso país dos Jardins Suspensos degringolou: um operário, hoje, ganha 4 (quatro) dólares por mês, o maravilhoso ensino gratuito já não existe, e a medicina que era referência – bem, pode-se esquecê-la, acabou, faz doze anos que os hospitais não recebem manutenção e já não existem remédios – mas não existem mesmo – quando se consegue algum, como um antibiótico, por exemplo, cada comprimido é cortado no meio, para se atender pelo menos ao dobro das pessoas que dele precisariam. Milhares e milhares de crianças e adultos morrem por falta de remédios, não importa sua condição econômica e social. E é sobre essa gente combalida e desassistida que o cachorro-louco (que me perdoem os cachorros!) quer testar seus mais sofisticados equipamentos de morte. Ele usa de pretextos, claro, diz que lá há armas perigosas, que lá há um ditador – que armas mais perigosas existem que as suas, e governante que entra pela porta dos fundos e que não ouve sequer o Conselho de Segurança da ONU que outra coisa é senão um ditador?

Pois é, o cachorro-louco está solto, e eu fico pensando é naquela mãe que tem duas crianças, naquele homem que tem uma barraquinha de vender verduras, e que daqui a pouco terão as bombas estourando sobre suas cabeças e estraçalhando seus corpos. Qual foi o mal que eles fizeram, além de viverem sobre um lençol de petróleo, naquela terra que já teve tantas glórias? O que será daquela gente humilde do Iraque, daquela gente que não participa das decisões, mas que é herdeira de descobertas como a da agricultura, e que já teve a glória de seus Jardins Suspensos? Aquela gente é gente como nós. Acho que não podemos ficar indiferentes à sorte dela. E será que não haverá no mundo ninguém com coragem para botar uma coleira no cachorro-louco?

Blumenau, 13 de Fevereiro de 2003.

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