O peso da classe trabalhadora e a centralidade do trabalho na sociedade

Por José Álvaro Cardoso.

O Brasil vinha, até 2014, melhorando os seus indicadores de distribuição de renda, de forma lenta, mas continuamente. De fato, houve uma melhoria concreta no perfil de distribuição de renda naquele período entre 2004 e 2014, em função:

1) da geração de empregos e a valorização dos salários, que fizeram crescer a renda domiciliar per capita (este fator respondeu por mais de 70% da elevação entre 2004 e 2014);

2)  dos seguidos repasses da Previdência (contribuição de 23%);

3) e pelas transferências de renda do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (reforço de 4%).

O dado revela a grandiosidade e a centralidade econômica do trabalho na nossa sociedade. A esmagadora maioria das pessoas depende do trabalho para suprir suas necessidades básicas. Ou do seu próprio trabalho, ou de outrem. Ou do trabalho atual, ou do trabalho realizado anteriormente, ao longo de décadas (no caso de aposentadorias e pensões).

No período 2004/2014, a economia cresceu e distribuiu renda entre assalariados, fato inédito nos últimos 50 anos, até então. E foi com base principalmente no crescimento da massa salarial, através do aumento dos empregos e dos salários. As aposentadorias também tiveram um peso importante, ainda que secundário. Mas aposentadorias e pensões, não custa lembrar, são fruto de trabalho.

No caso da previdência social, são os 30% da folha salarial que sustentam a previdência social (o trabalhador com 10% e o patrão com 20%). O financiamento da previdência social é tripartite: trabalhadores, empregadores e Tesouro. Mas mesmo os recursos injetados pelo Tesouro também são bancados pela população, que pagam impostos, viabilizando assim recursos para o Tesouro. Aliás, o sistema tributário é bastante regressivo, quem sustenta o Estado brasileiro é fundamentalmente o trabalhador.

Os ganhos reais do salário mínimo foram grandemente responsáveis por esse desempenho do perfil da renda no Brasil, entre 2003 e 2016 eles superaram os 74%. Por isso, uma das primeiras medidas dos golpistas de 2016 foi acabar com a política de ganhos reais do salário mínimo, implantada pelo Governo Lula em 2005, através de negociação com as centrais. Segundo o DIEESE, os ganhos reais do salário mínimo melhoravam a cada ano, diretamente, a vida de quase 50 milhões de pessoas que recebem remuneração correspondente ao piso nacional – assalariados, aposentados e pensionistas, trabalhadores por conta própria, domésticos. Se considerarmos que cada família tem em média três membros, a medida impacta direta e indiretamente a vida de quase 150 milhões de brasileiros.

Esses dados, ao mesmo tempo em que mostram a importância do salário mínimo, eles também revelam como os salários são baixos no Brasil. Se o piso nacional aumenta, como os salários são muito baixos, há a movimentação de toda a escala salarial para cima. Vimos o fenômeno em funcionamento entre 2004 até o golpe de 2016.

O fato é que a renda do trabalho é central em qualquer sociedade. Por isso a análise do mercado de trabalho remete imediatamente às condições de vida dos trabalhadores, já que a esmagadora maioria das pessoas na sociedade depende do trabalho, direta ou indiretamente. A força de trabalho no Brasil, em 2019, era formada de 106 milhões de pessoas, metade da população. Com base nos dados da PNAD-IBGE, verificamos que mais de 95% da força de trabalho no Brasil é formada de trabalhadores (assalariados, conta própria, etc.).

Mesmo entre os quase 5% de empregadores registrados pela PNAD, certamente a esmagadora maioria são micros e pequenos, cuja inserção no mercado de trabalho, muitas vezes, tem características muito próximas aos dos trabalhadores. Além disso o empregador também vive do trabalho. Vive do trabalho dos outros: porque é justamente uma parcela do trabalho não pago ao outro, que possibilita que ele faça reservas. Ao contrário do que alguns possam imaginar o lucro do empregador não é obra do espírito santo, e sim uma parte da riqueza produzida pelo trabalhador.

Se considerarmos ainda os dependentes da força de trabalho, e mesmo os aposentados, cuja renda se relaciona diretamente ao trabalho, iremos concluir que ao analisar com alguma profundidade a situação do mercado de trabalho, estaremos nos aproximando muito da situação atual da classe trabalhadora. Como mencionado, a Força de Trabalho (população ocupada e desocupada) existente no Brasil, era de 106 milhões em 2019. Aqui temos uma curiosidade que mostra um pouco a envergadura do Brasil na região e no mundo: a força de trabalho brasileira é numericamente superior à população de quase todos os países das Américas, com exceção, além do próprio Brasil, de EUA e México.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.