O paradigma cultural de Alain Touraine

Alain Touraine 2Por Thiago Burckhart.

O mundo hodierno está complexo e confuso, foram diversas as mudanças sociais, políticas e culturais nas últimas décadas. Essa é a constatação de inúmeros pensadores, cientistas sociais e filósofos que vêem na situação humana atual uma profunda crise. Essa crise a cada dia se enraíza nos valores de diversas sociedades. Em virtude disso, muitos são aqueles que entendem que a modernidade foi superada, e hoje vivemos na era da pós-modernidade, ou seja, na era da negação de toda e qualquer promessa levantada pela modernidade.

Alain Touraine, sociólogo francês, não compartilha do entendimento de que entramos numa pós-modernidade. Para o autor esse entendimento afirma o desaparecimento de todo princípio histórico central de definição do conjunto social. Entretanto, Touraine compreende que vivemos hodiernamente em um novo paradigma, o paradigma cultural que superou o anterior paradigma social, ocasionando o desaparecimento do universo que até então chamávamos de social, ou seja, as sociedades passam a ser compreendidas sobre o prisma cultural e não mais social.

Numa perspectiva holística, a análise de Touraine se coaduna com as transformações que diversas sociedades vêm passando recentemente. A introjeção de valores individualistas, a perda do senso de coletividade e de socialização, a transformação dos movimentos sociais em movimentos ‘culturais’, o crescente discurso da autonomia do ser humano e da libertação individual, seja econômica ou até sexual são discursos cada vez mais presentes na realidade hodierna. Dessa forma, em primeiro plano encontram-se as reivindicações por direitos culturais, que se exprimem por meio da defesa de atributos particulares, mas conferem a essa defesa um atributo universal.

Essas transformações também são ocasionadas devido ao processo de subjetivação liderado por diversos atores sociais, que buscam por meio de reivindicações públicas a conquista de direitos culturais. Este é o caso de diversos ‘movimentos culturais’ como o movimento feminista, o movimento LGBTT, a marcha das vadias, entre outros, que tem por escopo questionar os valores autoritários, a ordem moral e cultural imposta em determinadas sociedades, almejando o reconhecimento da diferença e a emancipação por meio da conquista de direitos de igualdade. Para Touraine, sujeito é todo aquele que tem vontade de ser ator de sua própria existência. Tal concepção de sujeito diverge do pensamento de Michel Foucault que concebia o sujeito como subordinado a uma ordem operante. Já Touraine entende que tornar-se sujeito, conhecedor de sua realidade e de sua situação é um importante passo para a emancipação.

Nos tempos de paradigma cultural, é nítido que um grande desafio para a humanidade é realizar um diálogo intercultural. O discurso sobre os direitos culturais e sobre a cultura de um modo geral não deve se transformar em um comunitarismo, que se coloque acima da cidadania, ou seja, que reconheça a pertença cultural superior a qualquer outro direito e a própria noção de dignidade humana. É nesse contexto que nasce a necessidade de atuar diante de uma perspectiva intercultural, de modo a compreender no outro, nas outras culturas e nas outras formas de pensar e agir uma possibilidade de interação e crescimento individual e coletivo.

De fato, o paradigma cultural também evidencia a construção de uma sociedade essencialmente liderada por mulheres, onde não estamos marchando para uma sociedade de igualdade entre os homens e as mulheres; tampouco para uma sociedade andrógina; já estamos numa cultura orientada pelas mulheres: já entramos numa sociedade de mulheres. É evidente que o pós-feminismo consolidou transformações e resultados das reivindicações feministas, onde os papéis centrais da sexualidade e da libertação sexual ganham uma substancial conotação.

Diante do paradigma cultural e da referida superação do paradigma social, é possível perceber que existem pontos positivos e negativos que devem ser levados em consideração no debate. Por um lado o reconhecimento do indivíduo como um ser livre, consciente e autônomo na gestão de sua própria vida, sem as amarras das imposições morais autoritárias construídas no decorrer do paradigma social é de extrema importância para a humanidade e para o desenvolvimento de uma nova moral. Já por outro lado o individualismo exarcebado e a perda da noção de coletividade e de sociedade distorcem o sentido de um bem comum, de uma causa em prol da coletividade e até mesmo de um sentimento de alteridade.

Contudo, a destruição dos laços sociais, a solidão, a crise de identidade vivida hodiernamente podem ser superadas pelo reconhecimento do homem como sujeito, ou seja, pelo nascimento de novos sujeitos? É possível um novo modelo de modernização? As mudanças sociais ocorridas substancialmente nas últimas décadas são “irreversíveis”? São muitas as dúvidas e muitas as incompreensões sobre a complexidade da realidade atual, entretanto uma coisa é certa: as transformações estão ocorrendo de modo acelerado e nós, enquanto seres culturais, somos direta ou indiretamente influenciados por elas, portanto tomar consciência disso é uma contribuição para a construção da subjetividade e, consequentemente, a construção de uma vontade de mudança.

Texto construído a partir da leitura do livro: TOURAINE, Alain. Um novo paradigma para compreender o mundo de hoje. 3ª Ed. Petrópolis, RH : Editora Vozes, 2007.

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