O papel da Unila na formação da identidade latino-americana e da descolonização da arquitetura mental do brasileiro

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Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.           

Não há dúvidas de que a existência da Unila na Fronteira Trinacional é de grande importância para a integração do Brasil com os nossos irmãos latino-americanos. Para mim, bem como para muitos pensadores que discutem a questão da integração e do desenvolvimento na e da América Latina, a Unila desponta como espaço para a descolonização do saber no Sul. Nessa linha de raciocínio, é possível fazer pontes com o livro de Edgardo Lander “La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales, perspectivas latino-americanas” para pensar alternativas ao eurocentrismo e ao colonialismo do pensamento social latino-americano da contemporaneidade através da Unila, pois, por meio da universidade da integração, ganha força um pensamento no e do Sul a partir do próprio Sul.

Para a compreensão das contribuições da UNILA para a formação da consciência de uma identidade cultural latino-americana entre brasileiros e povos dos países vizinhos, principalmente, entre aqueles pertencentes ao MERCOSUL, faz-se necessário aprofundar leituras em torno de um marco teórico múltiplo que abranja discussões no âmbito da cultura, da língua como mecanismo de interação, da integração, da produção de saberes, dos movimentos sociais, da identidade, da globalização, das fronteiras, além de outras noções e epistemes.

Diante de todos os conceitos para a compreensão do objeto de estudo em questão, o de maior relevância é a percepção do valor de identidade cultural, haja vista que este consagra e depende de uma série de outros conceitos. Frente à complexidade do termo em baila, será imprescindível recorrer a autores e teóricos como Santiago Castro-Gómez, Fernando Coronil, Enrique Dussel, Arturo Escobar, Edgardo Lander, Francisco, López Segrera, Walter D. Mignolo, Alejandro Moreno, Aníbal Quijano, Bakhtin, Bhabha, Stuart Hall, Boaventura Santos, Castells, Beired e Barbosa, Bourdieu, Coracini, Morin, Gohn, Laville, Dionne, Bauman, Canclini e outros.

Torna-se oportuno ressaltar que a noção de identidade cultural latino-americana exige uma profunda reflexão acerca do elemento cultura e, também, de sociedade, já que as sociedades foram construídas ao longo da história da humanidade alicerçadas no cultural. Por cultura, além de outros imaginários, dado que o termo é amplo, pode-se compreendê-lo como o conjunto de produção material e imaterial de um povo e, nisso, reside visão de valor, o que exige rigor na investigação conceitual. Nessa linha, para o entendimento do sentido de pertencimento latino-americano na fronteira, há que se analisar o fenômeno das culturas híbridas, em um eterno ir e vir.

Concernente ao movimento diaspórico nas regiões de divisa, a partir do encontro de sociedades e seus valores culturais, há a possibilidade da apropriação social da cultura do outro e, nesse apropriar-se, ocorre a dialogicidade para a aprendizagem, partindo de pontos comuns e distantes em espaços parecidos e, ao mesmo tempo, diferentes, atores sociais constroem sentidos diversos. Sendo assim, a identificação cultural é fundamental para um olhar mais integrador sobre a outridade como extensão do próprio ser que olha.

Ademais, há a necessidade de discorrer sobre a função social do saber enquanto ponto de investigação e, ao mesmo tempo, como operação nas fronteiras, no diálogo entre povos. A UNILA oferece essa condição na mistura de culturas, o saber entre sociedades plurais e pertencentes a sistemas político-culturais distintos. No que concerne ao papel social do saber na Unila, é possível cotejar os saberes que são produzidos na referida universidade da integração com o que afirmam Laville e Dionne (1999, p. 51): “As ciências humanas são exercidas em resposta às necessidades concretas da sociedade. (…) surgem em sua forma moderna na segunda metade do século XIX, inspiradas no modo de construção do saber então preponderante em ciências naturais.”.

Ainda no tocante ao surgimento das pesquisas nas ciências sociais e humanas e sua função social na produção de saberes, Laville e Dionne (1999, p. 51) pontuam o seguinte:

Se surgem nesse momento é devido a novas necessidades, problemas inéditos que causam inquietações. Esses problemas estão ligados a profundas mudanças que as sociedades ocidentais então conhecem nos planos político e econômico. A ordem anterior acha-se suficientemente modificada para que se possa qualificar tais mudanças de revolução. É, portanto, a sociedade, por intermédio de seus problemas e necessidades, que favorece o surgimento das ciências humanas.

Os intercâmbios e trânsitos culturais entre sociedades coincidem com o surgimento das aglomerações humanas ao longo da história. De acordo com Canclini (2006), desde o mundo grego clássico e, também, do Império Romano, com as inúmeras trocas e interações ocorridas no Mediterrâneo, sempre houve o contato e trânsito entre diferentes culturas, como foi o caso da expansão da Europa em direção à América e à África, por exemplo. Na hodiernidade, processos como os descritos anteriormente, surgem arvorados no conceito de interculturalidade, termo usado para classificar a convivência democrática entre culturas múltiplas, portanto, diferentes, buscando a integração sem a anulação da diversidade cultural entre os povos.

A partir das necessidades que vão surgindo na fronteira, com confluências e mais confluências, por meio de línguas operando em polifonias culturais e políticas diferentes, aparece a necessidade latente por entender o que é a identidade e, também, o que se entende por fronteira. Acerca desses encontros, Bauman (2005, p. 17) pontua:

É comum afirmar que as “comunidades” (às quais as comunidades se referem como sendo as entidades que as definem) são de dois tipos. Existem comunidades de vida e de destino, cujos membros (segundo a fórmula de Siegfried Kracauer) “vivem juntos numa ligação absoluta”, e outras que são “fundidas unicamente por ideias ou por uma variedade de princípios”.

Na fronteira, as comunidades fundem-se, até certo ponto, e, nessas fundições, culturas entram em choque. Nesse espaço, as confluências culturais em trânsito despontam como oportunidades para o respeito ao outro e busca de soluções. No contato, policulturas dialogam e a esse respeito, Bauman (2005, p. 17) também nos diz muito:

“A questão da identidade só surge com a exposição a “comunidades” da segunda categoria – e apenas porque existe mais de uma ideia para evocar e manter unida a “comunidade fundida por ideias” a que se é exposto em nosso mundo de diversidades e policultural.”.

A análise de uma identidade latino-americana suscita, de imediato, como já fora mencionado, a necessidade de conhecer o que se entende por cultura e como essa transita na fronteira. No que tange ao lócus fronteiriço, o fator cultural torna-se ainda mais difuso e complexo, haja vista que nesse lugar, não lugar ou entre-lugar, os agentes estão em deslocamentos não somente do ponto de vista físico-geográfico, mas, também, histórico-cultural. Dessa forma, pode-se mencionar que a cultura nesse espaço vive uma eterna diáspora, modificando consciências individuais e coletivas, proporcionando a visão transnacional, sem, contudo, sufocar o sentimento de pertença ao local.

Acerca da diáspora das identidades, ao falar sobre as identidades em formação no Caribe, Hall (2003, p. 28) apresenta:

Que luz, então, a experiência da diáspora lança sobre as questões da identidade cultural no Caribe? Já que esta é uma questão conceitual e epistemológica, além de empírica,_o que a experiência da diáspora causa a nossos modelos de identidade cultural? Como podemos conceber ou imaginar a identidade, a diferença e o pertencimento, após a diáspora? Já que “a identidade cultural” carrega consigo tantos traços de unidade essencial, unicidade primordial, indivisibilidade e mesmice, como devemos “pensar” as identidades inscritas nas relações de poder, construídas pela diferença, e disjuntura?

A noção de diáspora de Stuart Hall poderá ser revisitada, pois nela há elementos essenciais para a compreensão dos imaginários e imagens evocadas na fronteira e como isso aparece no discurso dos agentes de ensino e aprendizagem em uma universidade que, pela localização, é local dialógico por natureza, cenário imprescindível para a ruptura de julgamentos culturais deslocados no tempo e no espaço.

Na conjuntura atual, as crises não podem ser concebidas como desequilíbrios, ao contrário, devem surgir como elementos para o desenvolvimento coletivo da criatividade. Para os processos criativos são exigidas mudanças culturais para além dos limites dos pontos fixos no interior das nações e, diante de oscilações e crises diversas, a diáspora pode ser peça-chave para o diálogo e encontro de alternativas inteligentes para relações e soluções econômicas em empreendimentos sociais.

Em tempos de crises, o diálogo pode contribuir para economias de mudança e, dessa maneira, o quadro presente na fronteira pode ser uma alternativa para o surgimento de outras formas de produção, de parceria e desenvolvimento de economias pautadas na solidariedade, partilha e, ao mesmo tempo, no fortalecimento das identidades.

A respeito das crises econômicas no mundo contemporâneo, Cardoso e Jacobetty (2013, p. 255) pontuam:

Para além de analisar o comportamento cultural e social que conduziu à crise, é crucial que se avalie a produtividade social das diferentes culturas que estão emergindo do rescaldo da crise. (…) O olhar para além da crise é o olhar para o que está surgindo com a crise. Os diferentes exemplos, que surgem da Europa ao norte da África, sugerem que, apesar de ter nascido da experimentação pré-crise das tecnologias digitais e de serem possibilitadas pela disseminação da internet, essas novas culturas não são alimentadas por uma elite profissional identificável, mas por redes de indivíduos muito diferentes e heterogêneas.

Diante de atores sociais pertencentes a culturas distintas, um aprende com o outro e se do lado de lá os vizinhos latino-americanos já se sentem como rede, como seres dialógicos culturalmente, como agentes históricos e políticos de transformação em parceria, a partir da experiência na UNILA, será possível perceber o outro e suas bagagens culturais de sentir a diferença a partir do lado brasileiro.

Para a investigação em torno do papel da universidade na transformação da mentalidade cultural do Brasil com vistas à consciência cultural de ser latino-americano para além de ser brasileiro, contribuindo para o nascimento do agente pertencente a um Continente com histórias, culturas e geografias diversas, recorrer-se-á à noção Bakhtiniana de que a cultura do outro só se revela mais e melhor, a partir do olhar do outro. Diante desse outro, será possível transitar pelo campo das descobertas, dos achados, das revelações, das tomadas de conhecimento, das línguas em contato, das produções de sentido entre o eu e o outro.

Na fronteira, mais especificamente, na Fronteira Trinacional, as tensões nos contatos entre povos com culturas que se encontram, mas que, ao mesmo, tempo, diferem-se através da língua, da forma de conceber e enxergar o mundo geram o acontecimento discursivo e, consequentemente, a troca, a partilha e a construção de novos sentidos.

Ao recorrer à noção Baktiniana de cultura, levar-se-á em consideração o olhar desse autor sobre a importância da pesquisa em Humanas quando coteja as possibilidades entre as investigações em exatas e a investigação nas humanas.

As ciências exatas são uma forma monológica de conhecimento: o intelecto contempla uma coisa e pronuncia-se sobre ela. Há um único sujeito: aquele que pratica o ato de cognição (de contemplação) e fala (pronuncia-se). Diante dele, há a coisa muda. Qualquer objeto do conhecimento (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido a título de coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado a título de coisa porque, como sujeito, não pode, permanecendo sujeito, ficar mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico. Dilthey e o problema da compreensão. Os múltiplos aspectos da eficácia na atividade cognitiva. A atividade eficaz do sujeito na cognição da coisa muda e na cognição de outro sujeito, ou seja, a atividade dialógica do cognoscente. A atividade dialógica (e seus graus) do sujeito submetido ao ato de cognição. A coisa e a pessoa (o sujeito) como limites do conhecimento. (1997, p. 404)

A dialogicidade das Humanas é uma noção muito cara à proposta de pesquisa em torno das Contribuições da UNILA como elemento imprescindível para a formação da identidade cultural latino-americana entre estudantes brasileiros em contato com povos de países vizinhos, pois, partindo-se do olhar dialógico, como instância para a produção do conhecimento apregoado por Bakhtin, perspectiva aceita por outros teóricos que discorrem sobre cultura e identidade, pode-se entender que na fronteira, não somente nos limítrofes geográficos entre países, mas no interior do Brasil, dos demais países do MERCOSUL e da América Latina, o contato entre povos implica diálogos, negociações e, na UNILA, espaço voltado para a produção de conhecimentos, essas zonas de conflitos e tensões em busca do acontecimento emancipador, implicará em aceitar o abalo de certezas, problematizando, sempre que possível, as explicações que não comportam réplicas e, assim, possibilitando uma epistemologia de pensar no Sul.

Ao longo da história do Continente Latino-Americano, muitos problemas ficaram sem respostas viáveis, dado que as instituições sociais sempre recorreram a saberes e valores do Norte, cabendo destacar que, em muitos casos, as realidades e diversidades do Sul não encontraram guarida na arquitetura mental dos nortistas.

No quadro mundial multipolar atual, a formação de blocos desponta como diálogos necessários para o enfrentamento de crises a partir dos elementos fortes na cultura de intersecção e a América do Sul, especialmente, o MERCOSUL, precisa encontrar novas rotas, construir os próprios caminhos de progresso, a partir, claro, dos valores identitários que possui e não ancorada no olhar de outros, distantes físico-econômico-histórico-culturalmente.

Concernente à urgência de uma epistemologia do Sul, Boaventura, ao discorrer sobre o ponto de mutação urgente de uma colonialidade para uma descolonialidade do Sul, coloca:

(…) ficamos com a ideia de que, a menos que se defronte com uma resistência activa, o pensamento abissal continuará a auto-repoduzir-se, por mais excludentes que sejam as práticas que origina. Assim, a resistência política deve ter como postulado a resistência epistemológica. Como foi dito inicialmente, não existe justiça social global sem justiça cognitiva global. Isso significa que a tarefa crítica que se avizinha não pode ficar limitada à geração de alternativas. Ela requer, de facto, um pensamento alternativo de alternativas. É preciso um novo pensamento, um pensamento pós-abissal. Será possível? Existirão as condições que, se devidamente aproveitadas, poderão dar-lhe uma chance? (2009, p. 41)

A partir das noções de Epistemologia do Sul de Boaventura, a América do Sul pode revisitar a história contada pelo colonizador e, nesse revisitar, recontar a história, uma nova história, com um discurso do Sul e não mais do senhorio do Norte.

Partindo-se do pensamento do pesquisador e pensador Boaventura, os latino-americanos podem refletir sobre o papel da recontagem da história e, ao fazê-los, aprenderão que existe o Sul, a transitar pelo Sul, a partir do Sul para o Sul e com o Sul.

Acerca das experiências que podem ser vivenciadas no Sul, é possível recorrer, mais uma vez, ao que apresenta Boaventura:

Toda a experiência social produz e reproduz conhecimentos e, ao fazê-lo, pressupõe uma ou várias epistemologias. Epistemologia é toda a noção ou ideia, reflectida (sic) ou não, sobre as condições do que conta como conhecimento válido. É por via do conhecimento válido que uma dada experiência social se torna intencional e inteligível. Não há, pois, conhecimento sem práticas e actores (sic) sociais. E como umas e outros não existem senão no interior de relações sociais, diferentes tipos de relações sociais podem dar origem a diferentes epistemologias. (2009, p. 9)

No Sul haverá a obrigação de dialogar, e, essa dialogicidade presente em todos os atos de comunicação, fenômeno importante para descortinar a ignorância, coaduna com o que afirma Morin (2003, p. 9) sobre a forma como se processa o conhecimento no mundo atual:

Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários. Em tal situação, tornam-se invisíveis: – os conjuntos complexos; – as interações e retroações entre partes e todo; – as entidades multidimensionais; – os problemas essenciais.

A região da fronteira Trinacional precisa integrar-se para, a partir dos pilares da amizade política, histórica e cultural, encontrar soluções para os problemas da região, em parceria, mas isso só será possível quando houver uma consciência coletiva de identidade cultural latina. Nessa linha, é crucial entender que os movimentos sociais na fronteira possuem intersecções e é imprescindível entender como funcionam essas pontes de amizade. No que concerne aos movimentos sociais na América Latina, faz-se oportuno apresentar o que coloca Gohn (2014, p. 24):

As dicotomias, sempre presentes nos debates internacionais sobre os movimentos, mudam de foco para local/global, Norte/Sul. Novas versões teóricas são desenvolvidas na América Latina com as teorias pós-coloniais; novas expansões ocorrem nas teorias já existentes, tais como as culturalistas; estudos e pesquisadores das teorias marxistas retomam o debate da identidade de classe dos movimentos; e teorias que tinham a hegemonia na América do Norte tais como a da Mobilização Política, do Paradigma Norte-Americano, penetram na realidade latino-americana e passam a ser eixos referenciais básicos para muitos pesquisadores.

Na diáspora permanente na fronteira, é importante saber cruzar, entrar e sair. Acerca dessas entradas e saídas, Canclini (1990, p. 333), afirma:

Cabe afirmar entonces que el análisis cultural de la modernidad requiere poner juntos los modos de entrar y salir de ella. Pero dicho así es equívoco, porque sugiere que la modernidad sería un periodo histórico o un tipo de prácticas con el que uno podría vincularse eligiendo estar o no estar. A menudo se plantea en estos términos, y toda la discusión se reduce a lo que debe hacerse para entrar o salir. El artesano que deberla convertirse en obrero, el migrante que quiere mejorar yendo a la ciudad o a un país desarrollado, el intelectual o el artista que se incorpora al avance tecnológico. Son situaciones de pasaje que sugieren un cambio de estado.

Ainda no que concerne às movimentações sociais na América Latina, ao discorrer sobre a captação da diversidade de situações no continente, a partir da especificidade de cada povo, Gohn (2014, p. 37) propõe:

A América Latina apresenta uma extraordinária heterogeneidade de manifestações populares, e isso traz efeitos conceituais para o entendimento do arco das expressões sociais que caracteriza a região. Por exemplo, considerando o caso do Brasil, um mapeamento recente de movimentos e redes de mobilização permite perceber a necessidade de complexificar as ferramentas conceptuais para poder dar conta de um panorama diverso de vínculos sociais que promovem interesses coletivos.

Sobre a necessidade da consciência de uma identidade cultural latino-americana por parte do brasileiro, a justificativa é ampla, passando pela noção de conhecimento em rede, reconhecimento do outro e de suas diferenças, pela busca de soluções para os problemas da pós-modernidade em conjunto, dentre outros.

Acerca do poder da identidade na formação do cidadão do mundo, Castells (2001, p. 17) afirma:

A revolução da tecnologia da informação e a reestruturação do capitalismo introduziram uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede. Essa sociedade é caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista estratégico; por sua forma de organização em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e a individualização da mão-de-obra. Por uma cultura de virtualidade real a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela transformação das bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes. Essa nova forma de organização social, dentro de sua globalidade que penetra em todos os níveis da sociedade, está sendo difundida em todo o mundo, do mesmo modo que o capitalismo industrial e seu inimigo univitelino, o estatismo industrial, foram disseminados no século XX, abalando instituições, transformando culturas, criando riqueza e induzindo a pobreza, incitando a ganância, a inovação e a esperança, e ao mesmo tempo impondo o rigor e instilando o desespero. Admirável ou não, trata-se na verdade de um novo mundo.

Na busca da noção de uma identidade latino-americana entre brasileiros, estão algumas explicações que contribuirão para novas percepções e formas de desenvolvimento a partir da história em intersecção com outros povos no continente, irmãos no tronco linguístico, fraternos até mesmo no processo de colonização e com lutas de independência ancoradas quase que nas mesmas vertentes.

O poder da identidade aproxima culturas e dinamiza as estruturas antes vistas como pétreas e impeditivas do progresso. Nesse sentido, a Unila possui o papel de despertar o poder da consciência identitária e, mais importante ainda, o papel da ação em rede, em conexão. Enfim, o local de cultura e de produção de saberes no qual se instalou a universidade dialoga com o que afirma Bhabha e possibilita a concretização da integração latino-americana, um sonho constitucional brasileiro desde 1988.

É o tropo dos nossos tempos colocar a questão da cultura na esfera do além. Na virada do século, preocupa-nos menos a aniquilação – a morte do autor – ou a epifania – O nascimento do “sujeito”. Nossa existência hoje é marcada por uma tenebrosa sensação de sobrevivência, de viver nas fronteiras do “presente”, para as quais não parece haver nome próprio além do atual e controvertido deslizamento do prefixo “pós”: pós-modernismo, pós-colonialismo, pós-feminismo… O “além” não é nem um novo horizonte, nem um abandono do passado… Inícios e fins podem ser os mitos de sustentação dos anos no meio do século, mas, neste fin de siècle, encontramo-nos no momento de trânsito em que espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão. (1998, p. 19)

Na convivência, no contato, os conflitos e tensões, situações propícias para a resolução de problemas a partir do elemento comum e das diferenças, a UNILA, na fronteira, configura-se como espaço para a polifonia dialógica, para a dança de culturas na alegria do encontro. A respeito dos conflitos que porventura surjam, pode-se recorrer ao que Bhabha (1998, p. 20) pontua:

É na emergência dos interstícios – a sobreposição e o deslocamento de domínios da diferença – que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação (nationness), o interesse comunitário ou o valor cultural são negociados. De que modo se formam sujeitos nos “entre-lugares”, nos excedentes das somas das “partes” da diferença (geralmente expressas como raça/classe/gênero etc.)? De que modo chegam a ser formuladas estratégias de representação ou aquisição de poder (empowerment) no interior das pretensões concorrentes, de comunidades em que, apesar de histórias comuns de privação e discriminação, o intercâmbio de valores, significados e prioridades pode nem sempre ser colaborativo e dialógico, podendo ser profundamente antagônico, conflituoso e até incomensurável?

Na mesma linha de discussão sobre as possibilidades de aprendizagem nas fronteiras identitárias, pode-se recorrer, mais uma vez, ao que afirma Hall (2010, p. 9):

(…) el asunto clave radica en la posibilidad de construir una política cultural que ocupe de manera positiva la diferencia “de los márgenes”. Una política que actúe hacia la transformación de discursos y prácticas y hacia la construcción de identidades no solamente enraizadas en las equivalencias negativas de racismo y colonización. Así (y desde Fanon) Hall argumenta por trabajar el “adentro” y “afuera” de la raza y de la etnicidad, para poner en tensión los sistemas de representación que fijan y naturalizan las diferencias y terminan por fortalecer las fronteras identitarias.

A Unila é fundamental para a compreensão de fatores políticos, históricos, econômicos e outros pertencentes à América Latina, já que no interior do continente, mesmo com processos de colonização de exploração parecidos, há multiculturalidades que precisam ser compreendidas à luz da complexidade. Acerca dessa questão, pode-se recorrer mais uma vez a Hall (2010, p. 11) quando ele afirma o seguinte:

Sus distinciones entre el término “multicultural” como adjetivo que “describe las características sociales y los problemas de gobernabilidad que confronta toda sociedad en la que coexisten comunidades culturales diferentes intentando desarrollar una vida en común y a la vez conservar algo de su identidad ‘original’”, y “multiculturalismo” entendido como “las estrategias y políticas adoptadas para gobernar o administrar los problemas de la diversidad y la multiplicidad en los que se ven envueltas las sociedades multiculturales” con su variedad de distinciones: conservador, liberal, pluralista, comercial, corporativa y crítica-radical (Hall 2000: 210), permiten observar la simultanea localidad y globalidad de los momentos actuales, y de las posturas, contestaciones, contradicciones, acciones y respuestas. A estos términos podemos añadir la “interculturalidad” que, desde Latinoamérica, viene jugando un papel importante en las conceptualizaciones, políticas y prácticas —desde “arriba” y desde “abajo”— en torno a comunidad, sociedad, estado y nación, destacando a la vez sus formulaciones tanto “funcionales” como “críticas”.

 Enfim, a Fronteira Trinacional é um lócus de eterna diáspora no qual ocorre não somente uma união aduaneira, mas o trânsito de pessoas constituídas de identidades culturais múltiplas. Nesse espaço, a Unila exerce papel crucial para a instituição de diálogos, saberes e integração de identidades multiculturais. A universidade contribui para a consolidação da integração latino-americana e para formação de sociedades mais dialógicas, cônscias de que as identidades não são fixas. Diante dessa percepção, os atores sociais verão além dos limites nacionais e saberão transitar pelo planetário complexo, saindo e entrando dos movimentos transculturais, fazendo as traduções culturais necessárias, sem a anulação ou o apagamento das próprias identidades. A noção do trânsito propiciará o nascimento de agentes de transformação do mundo em rede, a partir dos pilares da cooperação e da criatividade para um planeta em eterna mudança.

Referências bibliográficas

 

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CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas. Estrategias para entrar y salir de la modernidade. Miguel Hidalgo, México, D.F.: Editorial Grijalbo, 1990.

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CARDOSO, Gustavo. JACOBETTY, Pedro. Navegando pela crise: culturas de pertencimento e mudança social em rede. In CASTELLS, Manuel. CARDOSO, Gustavo. CARAÇA, João. A crise e seus efeitos. As culturas econômicas da mudança. São Paulo: Paz e Terra, 2013.

CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. O poder da identidade. V. II, São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999.

GOHN, Maria da Glória. BRINGEL, Breno M. (orgs). Movimentos sociais na era global. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.

HALL, Stuart. Sin garantías: Trayectorias y problemáticas en estudios culturales. Ecuador: Envión Editores, 2010.

LANDER, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, julho de 2000.

LAVILLE, Christian. Dionne, Jean. A construção do saber. Manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed; Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

Imagem: Captura de tela de http://slideplayer.com.br/slide/3294674/

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