O ódio pela casa de passagem indígena em São Miguel do Oeste

 

Por Claudia Weinman, para Desacato. info.

De reivindicação antiga, a casa de passagem para os indígenas começa a ser construída ao lado do Centro de Referência Especializado de Assistência Social, no bairro Sagrado Coração de Jesus, em São Miguel do Oeste. No Ministério Público Federal a pessoa responsável por apresentar as informações sobre a forma de organização da casa e como esse processo deve acontecer, não foi localizada nesta tarde, mas em breve voltaremos a falar sobre o tema.

Por enquanto, a gente vai acompanhando os comentários que desde sempre atuam contra a vida indígena, alguns por ignorância, outros, por ódio mesmo. Importante ter em mente que a terra é um direito originário, isso quer dizer que antes mesmo da criação do Estado os indígenas foram os primeiros ocupantes do então Pindorama. Claro que hoje com a tese do marco temporal e outras ofensivas, para muitos o direito originário não conta, mesmo sendo legítimo.

Ao longo da história, os conflitos gerados pela posse da terra permaneceram no centro do relacionamento entre os vários povos e etnias que constituíram o espaço que hoje denominamos Brasil. As populações autóctones, mesmo com várias diferenças culturais entre si, mantinham semelhanças em relação a terra. A tinham como sinônimo de vida.Com a chegada do europeu essa realidade foi mudando.

Alguns grupos indígenas existentes não somente no território brasileiro, mas em toda a América, descobriram a agricultura a cerca de 2500 a. C., constituindo assim o que chamamos de Revolução Agrícola. Esse processo fez com que as relações dos componentes de determinado grupo fossem se distinguindo das demais. Começaram a existir pequenas diferenciações sociais e também, a divisão do trabalho por questão de gênero.

Toda a conjuntura história da agricultura indígena está relacionada com sua finidade com a terra. É indispensável para compreensão dos estudos sobre os povos autóctones, o entendimento sobre o chão indígena. Se para o europeu e seus descendentes a terra é uma propriedade privada e possui um dono, para os indígenas essa relação não existe. Defendem que a terra não tem valor comercial e é coletiva, ou seja, pertencente a todos. A única propriedade individual do indígena sempre foi na história a ferramenta do seu trabalho.

Não nos esqueçamos do Contestado

Segundo Brighenti (2013), os Guarani ocuparam o espaço que hoje determinamos Santa Catarina desde 900 AP  cerca de 1050 d. C., e os Kaingang 3000 AP, aproximadamente 1000 a.C.

Esse contexto mostra que, as terras do Oeste e Extremo-oeste Catarinense foram habitadas por comunidades indígenas muito antes da colonização europeia, e que a relação sobre a terra se constituiu historicamente de maneira diferenciada. Motivo este, causador de conflitos. De um lado, o capitalismo que vinha aflorando e de outro, a resistência indígena, pela manutenção das famílias nas terras, preservação da cultura e costumes.

O processo de ocupação do território Oeste Catarinense foi conflituoso e genocida. Se atualmente verificam-se conflitos de indígenas e não indígenas, anteriormente existiu uma série de disputas entre países europeus e posteriormente nações latinas. Após o “descobrimento” da América, Portugal e Espanha rivalizavam uma disputa territorial por tudo o que hoje é o Sul do Brasil, e, portanto, o Oeste de Santa Catarina não ficou de fora. Depois dos processos de independência nos países Latinos, Argentina e Brasil novamente travaram lutas por essa região, tendo ganho de causa o Brasil.

A Guerra do Contestado foi outro capítulo de disputa pela terra. Nesse conflito envolveram-se, além dos estados do Paraná e Santa Catarina, fazendeiros e empresas multinacionais que disputavam a terra com a população cabocla e indígena, pessoas que habitavam a região, mas que não tinham o registro da terra.

Quando findou os conflitos do Contestado, tendo em vista o massacre da população cabocla, era preciso “povoar” a região. Nessa época também os municípios de Chapecó e Cruzeiro (Joaçaba) foram emancipadas, tendo o seu poder político-administrativo.

As empresas colonizadoras e também fazendeiros pressionavam o estado para a retirada dos indígenas e caboclos, que mesmo após os conflitos do contestado, habitavam a região. Essas ações se justificavam pela relação desses povos com a terra, afinal, eles não produziam excedentes para comercialização e não tinham a posse documental da terra.

Os caboclos e indígenas eram e ainda são povos indesejados na região. Por questões raciais ou culturais, ou mesmo os dois, os antigos habitantes da região eram coagidos a se retirarem do espaço. Surgiram então os bugreiros, pessoas responsáveis pela caçada aos indígenas. Um termo condicionado a presença dos indígenas na região, era a “limpeza”, ou seja, se comprava as terras “sujas ou limpas”, com indígenas ou sem indígenas.

Agora, voltamos para São Miguel do Oeste e percebemos o conflito pela construção de uma casa de passagem. Ela representa pouquíssimo diante de uma dívida histórica, porém, é importante, é um direito e facilitará o abrigo e assistência das famílias. Logo se vê que uma das demandas está sendo construída, a mais fácil me parece, pois o que preocupa é outro elemento:

O ódio.

 

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Claudia Weinman é jornalista, diretora regional da Cooperativa Comunicacional Sul no Extremo Oeste de Santa Catarina. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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1 COMENTÁRIO

  1. PRIMEIRO DEVEMOS LEMBRAR A ESSA GENTE QUE TODO ESSE IMENSO TERRITÓRIO ERA “TERRA DE ÍNDIO”, E QUE OS INTRUSOS SOMOS NÓS, OS BRANCOS.
    E SEGUNDO: VALE LEMBRAR TAMBÉM OS INTERESSES ECONÔMICOS TRANSNCAIONAIS QUE ESTÃO EM JOGO NO MERCADO DE “EVANGELIZAÇÃO” DOS INDÍGENAS:

    “É por causa disso que perdemos muito dos nossos traços, da nossa religião e das nossas tradições. Porque, quando índios são evangelizados, eles perdem tudo isso porque a igreja não permite”, reforça.

    Os Pankará lutam pela demarcação de terras há 15 anos. A manutenção da cultura indígena viva é justamente um forte fator para aquisição, demarcação e proteção de seu território. Parte da área está debaixo d’água, foi inundada para a construção da Barragem de Itaparica/Luiz Gonzaga, em Petrolândia, em 1988”.

    http://marcozero.org/indigenas-reagem-a-acao-de-evangelicos-da-igreja-de-silas-malafaia-em-aldeia-pankara/?fbclid=IwAR2jwJuB5QevRkpP69XKYdWelR0Q9r3ppI3nQNspL2Q3vONka0UP9LDeBW0

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